Acórdão nº 618/22 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução22 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 618/2022

Processo n.º 1178/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) interpôs recurso ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a) da Lei n.º 28/92 de 15.11 (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão do Tribunal arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa, com fundamento que o Tribunal teria recusado a aplicação do artigo 23.º, n.ºs 2 e 3, alínea b) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), na interpretação “segundo a qual a administração tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não-legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem”, por violação do disposto nos artigos 112.º, n.º 5, 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alínea i) e 266.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

2. A., SA, ora recorrida, requereu a constituição de Tribunal arbitral coletivo e formulou pedido de pronúncia sobre a autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativa aos períodos do ano de 2019 (janeiro a dezembro), no que pediu a anulação parcial dos atos de quantificação de imposto e a restituição do valor pago em excesso (na cifra de € 835.325,48).

O Tribunal arbitral ofereceu procedência ao pedido, anulando o ato de liquidação na parte impugnada e condenando a AT a restituir à requerente o valor de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios.

3. Desta decisão a AT interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ora nos seguintes termos:

vem dela interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, o que faz nos termos e pelos fundamentos seguintes:

1. Apesar do disposto no artigo 25.º, n.º 1 e n.º 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária ("RJAT"), o presente recurso é apresentado junto do Tribunal Arbitral Coletivo, dado que o Tribunal Constitucional tem entendido que tal recurso deve ser interposto na instância arbitral (cfr., v.g., acórdãos 775/2014, 281/2014 e 71/2015).

2. Com efeito, a Lei 82/82, de 15 de Novembro (vulgo "Lei do Tribunal Constitucional" ["LTC"]) possui natureza reforçada, por se tratar de lei orgânica [artigos 164-c) e 166.º/2 da CRP], pelo que a contradição entre os artigos 25º, n.º 1 e n.º 4.º, do RJAT e o artigo 76.º/1 da LTC não pode senão resolver-se a favor deste último, dada a ilegalidade do primeiro.

3. O presente recurso é interposto ao abrigo do artigo 25.º/1 do RJAT e tem como fundamento o artigo 280.º/1-a) da CRP e o artigo 70.º/1-a) da LTC, estando a Requerida em tempo e tendo legitimidade para o efeito.

4. Vem decidir-se a final na decisão arbitral recorrida a procedência do pedido de pronúncia arbitral nos seguintes termos:

«a) Recusar com fundamento em inconstitucionalidade, por ser incompaginável com os 112º, n.º 5, e 103º, n.º 2, e 165º, n.º 1, alínea i), e 266º, n.º 1, da CRP, a aplicação do artigo 23º, n.ºs 2, 3 e 4 do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009;

b) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à anulação parcial da autoliquidação de IVA respeitante ao mês de Dezembro de 2019, consubstanciada na declaração periódica n.º 112275138196;

c) Anular a referida autoliquidação, na parte em que foi deduzido IVA em montante inferior ao que resulta do cálculo do pro rata nos termos do n.º 4 do artigo 23º do CIVA, com inclusão do valor total das rendas de locação financeira;

d) Julgar procedente o pedido de restituição da quantia paga em excesso e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a quantia de € 835.325,48;

e) Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente nos termos referidos no ponto 4.2 deste acórdão.»

5. Com efeito, vem pugnar-se na decisão arbitral de que se recorre que:

«Assim, por inconstitucionalidade consubstanciada em violação dos artigos 112º, n.º 5, e 103º, n.º 2, e 165º, n.º 1, alínea i), e 266º, n.º 1, da CRP, recusa-se a aplicação do artigo 23º, n.ºs 2 e 3, alínea b), do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01- 2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.» (cf. pag. 47 da mesma)

6. Constata-se assim que o Tribunal arbitral recusou a aplicação do artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, considerando-o materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 112.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n 1, alínea i), e 266.º, n.º 1, da CRP, ao permitir à Autoridade Tributária impor um método de determinação do direito à dedução em sede de IVA - através de um critério de imputação específica -, por via do ponto 9. do Ofício-Circulado n.º 30108/2009, no caso das instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente a atividade de Leasing.

7. Ainda na decisão arbitral:

«Esta questão de saber se, à face dos artigos 103º, n.º 2, 112º, n.º 5, e 165º, n.º 1, alínea i), da CRP (atinentes ao princípio da legalidade tributária), é permitida a criação normas inovatórias sobre métodos de efetuar a dedução (que se reconduzem a normas de determinação da matéria tributável), por via de Oficio-Circulado emitido pela Direção-Geral de Impostos, como se prevê no artigo 23º, n.ºs 2 e 3, alínea b), do CIVA, é uma questão distinta da de saber se o Estado Português, por via legislativa, podia criar tais métodos, à face do artigo 173º, n.º 2, alínea c), da Diretiva n.º 2006/112/CE.

Esta questão da compatibilidade com a CRP do referido artigo 23º, n.ºs 2 e 3, alínea b), do CIVA e do Ofício-Circular referido, não é uma questão de interpretação do Direito da União, mas sim uma questão de Direito Nacional, uma questão de inconstitucionalidade de normas e não da correção ou incorreção da sua aplicação.

Esta questão de inconstitucionalidade não é, assim, a de saber se, à face do Direito da União Europeia, do CIVA e do Ofício-Circular n.º 30108, a Administração Tributária podia impor ao Sujeito Passivo o método previsto no ponto 9 deste Ofício-Circular, mas sim a de saber se aquele artigo 23º, n.ºs 2 e 3, alínea b), do CIVA é materialmente inconstitucional ao permitir à Administração Tributária impor um método de determinação da matéria tributável por via de Circular, à face dos artigos 103º, n.º 2, 112º, n.º 5, e 165º, n.º 1, alínea i), da CRP.

As regras sobre o direito á dedução de IVA, de que resulta o montante do imposto suportado pelo sujeito passivo, são regras de incidência objetiva.

Na verdade, são normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação» (4).

Neste sentido, tanto são normas de incidência as que determinam o sujeito ativo e passivos da obrigação tributária, como as que indicam qual a matéria coletável, a taxa e os benefícios fiscais. (5)

Assim, por inconstitucionalidade consubstanciada em violação dos artigos 112º, n.º 5, e 103º, n.º 2, e 165º, n.º 1, alínea i), e 266º, n.º 1, da CRP, recusa-se a aplicação do artigo 23º, n.ºs 2 e 3, alínea b), do CIVA, na interpretação subjacente ao Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01- 2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais limitadoras do direito à dedução, de que resulta os sujeitos passivos terem de suportar imposto que não suportariam se elas não existissem.»

8. Pretende assim a Requerida ver apreciada a pretensa inconstitucionalidade da norma patente no artigo 23.º, n.º 2, do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, pela violação que lhe é apontada pelo Tribunal arbitral em face dos artigos 112.º, n,º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n 1, alínea i), e 266º, n.º 1, da CRP, na interpretação que aí é exercida, subjacente ao Ofício-Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, segundo a qual, a Administração Tributária poderia impor aos sujeitos passivos de IVA, através de diploma normativo de natureza não legislativa, condições especiais para exercício do direito à dedução não previstas em diploma de natureza legislativa.

9. Concretamente, a Requerida pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade do artigo 23.º, n.º 2 do CIVA com a lei fundamental do País, se viola efetivamente os artigos 112.º, n.º 5, e 103.º, n.º 2, e 165.º, n 1, alínea i), e 266.º, n.º 1, da CRP, tal como decorre do entendimento sufragado pelo Tribunal arbitral.

10. A recusa da aplicação da norma do artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, por violação das normas constitucionais supra aludidas, funcionou como o princípio de direito em que a decisão arbitral se baseou, e não um mero obiter dictum:

«Na verdade, entre os métodos para efetuar a dedução prevista no CIVA, não se inclui o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30-01-2009, mas sim, quanto a métodos que utilizam uma percentagem de dedução, apenas o indicado no n.º 4 do artigo 23º do CIVA e que o que foi permitido ao Estado Português pela Diretiva, por via legislativa, não era permitido à Direção-Geral dos Impostos, através de Ofício- Circular.

Esta questão de saber se, à face dos artigos 103º, n.º 2, 112º, n.º 5, e 165º, n.º 1, alínea i), da CRP (atinentes ao princípio da legalidade tributária), é permitida a criação normas inovatórias sobre...

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