Acórdão nº 596/22 de Tribunal Constitucional (Port, 22 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Assunção Raimundo
Data da Resolução22 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 596/2022

Processo n.º 1261/21

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Assunção Raimundo

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A., S.A., e recorrido o Município de Lisboa, veio a primeira interpor o presente recurso de constitucionalidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, LTC) do acórdão daquele Tribunal, de 6 de outubro de 2021, que negou provimento ao recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial que tinha por objeto a liquidação das taxas devidas pela renovação, para o ano de 2018, do licenciamento da publicidade instalada em espaços publicitários pertencentes à Companhia de Carris de Ferro de Lisboa, colocados em meios de transporte coletivos da cidade de Lisboa, de cuja concessão é titular, no valor de € 86.960,51.

2. Através da Decisão Sumária n.º 321/2022, proferida ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, foi decidido não conhecer do objeto do recurso, com a fundamentação seguinte (cf. fls. 3-9-TC):

«[…]

5. A recorrente formula a pretensão de ver apreciada a inconstitucionalidade das normas do artigo 20.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa (“RPML”), na interpretação e aplicação feitas no acórdão recorrido, no sentido de que o tributo liquidado pela renovação automática de licenciamento da atividade publicitária tem a natureza de uma taxa e não de um imposto, com fundamento na violação do princípio constitucional da legalidade tributária, constante dos artigos 103.º, n.ºs 2 e 3, e 165.º, alínea i), da Constituição da República Portuguesa.

No requerimento de interposição de recurso, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC, vem a recorrente afirmar que a questão de constitucionalidade foi suscitada nos autos, de forma inequívoca e autónoma, na petição inicial que deu entrada no Tribunal Tributário e Lisboa e, posteriormente, «já em sede de recurso, junto do Supremo Tribunal Administrativo, a questão foi desenvolvida nas alegações de recurso e, em especial, da página 5 à página 9 do recurso e depois nas conclusões das alegações nas alíneas h) a r)». Concretizando, logo de seguida, que «de forma clara nas alíneas n) e o) das conclusões das mencionadas alegações» ficou «demonstrado que não houve qualquer reavaliação, por parte do Município de Lisboa, dos pressupostos do licenciamento que justificasse a cobrança de uma taxa pela remoção de um obstáculo jurídico (…)”.

6. Sendo o recurso de constitucionalidade deduzido ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, prevê o artigo 72.º, n.º 2, da referida Lei que o recurso só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer.

Sobre o cumprimento de tal ónus, o Tribunal Constitucional vem entendendo que cumpre ao recorrente enunciar a questão de inconstitucionalidade “de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir”, o que reclama que identifique, de forma expressa, clara e percetível, a norma ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma que tem por violador da Lei Fundamental (Acórdão n.º 269/94), constituindo orientação pacífica deste Tribunal que, neste último caso, “esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-se ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a Constituição” (Acórdão n.º 367/94).

7. No caso em apreço, sendo a decisão recorrida o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, nos termos previstos no artigo 72.º, n.º 2, da LTC, a peça processual onde se impunha fazer a suscitação prévia da questão de constitucionalidade era a das alegações de recurso apresentadas perante aquele Tribunal, devendo a questão ser levada às respetivas conclusões, sendo, por isso, irrelevante se ao longo do processo a recorrente equacionou a questão, caso não a tenha recolocado ou renovado perante a instância recorrida.

Percorrendo aquela peça processual e, de modo especial, as conclusões recursórias concretamente indicadas pela recorrente (cf. alíneas h) a r), n) e o), supra transcritas no ponto I.2), verifica-se que a recorrente não formulou qualquer questão de constitucionalidade reportada ao artigo 20.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, única idónea a fundar a sua legitimidade para ulteriormente deduzir o presente recurso de constitucionalidade.

Nas referidas conclusões, a recorrente invoca o referido preceito, mas com o específico propósito de sustentar que o mesmo deve ser interpretado num determinado sentido, não autonomizando qualquer questão de constitucionalidade que coubesse ao tribunal a quo apreciar. Ali defende, num plano de estrita interpretação do direito ordinário aplicável, que a norma em causa estabelece uma renovação automática da licença administrativa, que não implica qualquer intermediação dos agentes públicos ou a prática de atos administrativos, para daí concluir que a sentença recorrida ofendeu o princípio da equivalência (cf. alínea x) das conclusões). É, assim, num plano da interpretação do direito infraconstitucional que a questão é colocada e problematizada.

Ora, a intervenção do Tribunal Constitucional, em via de recurso, destina-se a reapreciar uma questão de constitucionalidade que o tribunal a quo pudesse e devesse ter anteriormente apreciado e decidido. Para tanto, era necessário que a recorrente tivesse formulado o enunciado normativo tido por inconstitucional, especificando, expressamente, perante o tribunal recorrido, o objeto da questão de constitucionalidade que agora pretendia ver conhecida.

O incumprimento do ónus de suscitação prévia determina a ilegitimidade da recorrente para deduzir o presente recurso, à luz do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 72.º, n.º 2, da LTC.

[…]»

3. Inconformada, vem deduzir a presente reclamação para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos (cf. fls. 13-17-TC):

«[…]

1. Através do recurso interposto pela Recorrente, ora Reclamante, para este douto Tribunal Constitucional, a Reclamante pretendia demonstrar que as normas do artigo 20.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa ("RPML") padecem de inconstitucionalidade orgânica, na interpretação e aplicação feitas no Acórdão recorrido proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que o tributo liquidado pela renovação automática de licenciamento da atividade publicitária tem a natureza de uma taxa e não de um imposto, nos termos dos artigos 103.º, n.ºs 2 e 3 e 165.º, nº 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa ("CRP").

Acontece, porém, que, embora o Supremo Tribunal Administrativo tenha admitido o recurso para este douto Tribunal Constitucional, este Tribunal veio, através da decisão sumária objeto da presente reclamação, concluir que o "Percorrendo aquela peça processual [alegações de recurso junto do Supremo Tribunal Administrativo] e, de modo especial, as conclusões recursórias concretamente indicadas pela recorrente (cf alíneas h) a r), n) e o), supra transcritas no ponto 1.2) verifica-se que a recorrente não formulou qualquer questão de constitucionalidade reportada artigo 20.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, única idónea afundar a sua legitimidade para ulteriormente deduzir o presente recurso de constitucionalidade.

Nas referidas conclusões, a recorrente invoca o referido preceito, mas com o específico propósito d e sustentar que o mesmo deve ser interpretado num determinado sentido, não autonomizando qualquer questão de constitucionalidade que coubesse ao tribunal a quo apreciar.

Ali defende, num plano de estrita interpretação do direito ordinário aplicável, que a norma em causa estabelece uma renovação automática da licença administrativa, que não implica qualquer intermediação dos agentes públicos ou a prática de atos administrativos, para daí concluir que a sentença recorrida ofendeu o princípio d a equivalência (cf. alínea x) das conclusões). E, assim, num plano d a interpretação do direito infraconstitucional que a questão é colocada e problematizada.".

Conclui-se na decisão sumária que "Ora, a intervenção do Tribunal Constitucional, em via de recurso, destina-se a reapreciar uma questão de constitucionalidade que o tribunal a quo pudesse e devesse ter anteriormente apreciado e decidido. Para tanto, era necessário que a recorrente tivesse formulado o enunciado normativo tido por inconstitucional, especificando, expressamente, perante o tribunal recorrido, o objeto da questão de constitucionalidade cpie agora pretendia ver conhecida. O incumprimento do ónus de suscitação prévia determina a ilegitimidade da recorrente para deduzir o presente recurso, à luz do disposto nos artigos 70.º,...

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