Acórdão nº 0107/17.5BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 29 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução29 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

A……..Ibéria, Lda., …, apresentou, ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, recurso, para uniformização de jurisprudência, do acórdão proferido, nestes autos, em 2 de fevereiro de 2022 [no âmbito de arguição de nulidade do anterior aresto, datado de 9 de dezembro de 2021], que decidiu negar provimento a recurso jurisdicional, interposto de sentença, do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal, julgando, além do mais, improcedente “pedido de pagamento de juros indemnizatórios calculados sobre o montante de derrama regional anulado”.

Assaca-lhe contradição/oposição, com o decidido no acórdão, também, do STA, datado de 23 de outubro de 2019, proferido no processo nº 1974/16.5BELRS.

A recorrente (rte) produziu alegação, onde conclui: « 1.ª O presente recurso vem interposto em virtude da evidente contraposição entre o douto acórdão-recorrido e o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 23.10.2019, no âmbito do processo n.º 01974/16.5BELRS; 2.ª A contradição do acórdão recorrido com o identificado aresto ocorre relativamente à interpretação do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, na redação aditada pelo artigo 2.º da Lei n.º 9/2019, de 1 fevereiro; 3.ª Verifica-se identidade substancial de situações fáticas. No acórdão recorrido discutiu-se a legalidade da autoliquidação de IRC de 2014, na parte respeitante à derrama regional, tendo o ato tributário sido anulado por desaplicação das normas constantes do artigo 16.º, n.º 2, do Decreto Legislativo Regional n.º 2/2011/M, do Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, com fundamento em violação do princípio da legalidade (cf. 165.º, n.º 1, alínea i), 103.º, n.º 2, da CRP). No acórdão fundamento discutiu-se a legalidade das notas de liquidação da TMPC de 2014, a(i)s quais foram anuladas por desaplicação do Regulamento Geral de Taxas, Preços e Outras Receitas do Município de Lisboa, com fundamento em violação do princípio da legalidade; 4.ª Verifica-se identidade dos fundamentos de direito, uma vez que ambos os acórdãos são chamados a pronunciar-se sobre a mesma questão jurídica, qual seja, a do direito a juros indemnizatórios nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT; 5.ª Não obstante a identidade da situação fáctico-jurídica vertida e apreciada nos acórdãos em causa, viriam os mesmos a decidir em sentido contraditório: no acórdão recorrido concluiu-se que, não obstante ter sido declarada a inconstitucionalidade da norma em que assentou a derrama regional, não são devidos juros indemnizatórios, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 43.º da LGT; enquanto no acórdão fundamento concluiu-se que, por ter sido declarada a inconstitucionalidade da norma em que assentou a TMPC, eram devidos juros indemnizatórios, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT 6.ª Deste modo, resulta manifesta a contradição entre os arestos em confronto, sendo que, no entender da Recorrente deverá prevalecer a solução consagrada no acórdão de 23.10.2019, proferido no processo n.º 01974/16.5BELRS; 7.ª De acordo com o artigo 43.º, n.º 1, da LGT quando um ato tributário for declarado viciado por “erro imputável aos serviços”, o contribuinte tem direito a juros indemnizatórios, pelo que os juros indemnizatórios têm uma função reparadora, concretizando o direito indemnizatório consagrado no artigo 22.º da CRP; 8.ª A jurisprudência tem vindo a considerar que não integra o erro imputável aos serviços para efeitos daquele preceito legal a emissão de um ato tributário resultante da aplicação de norma julgada inconstitucional, já que a administração tributária deve obediência à lei (cf. Artigo 266.º, n.º 2, da CRP); 9.ª A Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, veio o aditar a alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da LGT nos termos da qual são também devidos juros indemnizatórios “Em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar em que se fundou a liquidação da prestação tributária e que determine a respetiva devolução.” 10.ª Esta alteração, coincidente, aliás, com a declaração de inconstitucionalidade da TMPC, visou reforçar a proteção dos contribuintes e resolver a situação de injustiça em que eram colocados os contribuintes que viam os atos tributários anulados com fundamento em violação de norma constitucional, mas negado o direito a juros indemnizatórios (cf. Exposição de Motivos da proposta de Lei n.º 835/XII/3.ª, apresentada pelo Grupo Parlamentar do PSD) 11.ª Em face desta alteração a Recorrente invocou nas alegações de recurso que, caso se considerasse não se estar perante um erro imputável aos serviços (cf. artigo 43.º, n.º 1, da LGT), então sempre deveria ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT (cf. artigo 3.º da Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro); 12.ª A Recorrente contestou a autoliquidação de IRC de 2014, na parte respeitante ao apuramento da derrama regional, uma vez que, como se veio a concluir nos presentes autos, a derrama regional configura um imposto extraordinário sobre lucros para efeitos de aplicação da isenção prevista no artigo 7.º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 165/86, de 26 de junho; 13.ª Na decisão da reclamação graciosa a administração tributária considerou que por força a alteração introduzida pelo artigo 16.º, n.º 2, Decreto Legislativo Regional n.º 2/2011/M, e pelo Decreto Legislativo Regional n.º 5-A/2014/M, ao regime da derrama regional, apenas se encontravam isentas de derrama regional as entidades beneficiárias do regime previsto no artigo 33.º do EBF, e a Recorrente, embora licenciada a operar na ZFM decidiu não beneficiar daquele regime; 14.ª Todavia, o ato tributário sub judice foi anulado com fundamento na inconstitucionalidade daqueles diplomas legislativos regionais, porquanto, na interpretação defendida pela administração tributária, colidiam com o princípio da legalidade, na vertente da reserva de lei formal; 15.ª No caso sub judice, a liquidação de derrama regional fundou-se em norma julgada inconstitucional, em concreto, nos diplomas regionais que limitaram o beneficio fiscal diretamente aplicável, pelo que deve ser reconhecido à Recorrente o direito a juros indemnizatórios nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, conjugado com o artigo 3.º da Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro, seguindo-se, assim, a jurisprudência que resulta do acórdão fundamento; 16.ª A esta conclusão não se pode contrapor a circunstância de a norma declarada inconstitucional não ser a norma de incidência de derrama regional, mas as normas que derrogaram a aplicação da isenção de derrama regional; 17.ª Com efeito, o artigo 43.º, n.º 3, alínea d) da LGT faz depender o direito a juros indemnizatórios da circunstância de a liquidação anulada ter sido emitida com fundamento em norma declarada inconstitucional, o que, manifestamente, se verifica no caso vertente, pois a liquidação de derrama regional resultou da aplicação conjugada da norma de incidência e da norma que derrogou a isenção; 18.ª A interpretação segundo a qual a alínea d) se refere apenas à declaração de inconstitucionalidade de normas de incidência, configura uma interpretação restritiva do preceito legal que colide com a ratio legis e com a evolução histórica do mesmo; 19.ª A liquidação de imposto não resulta unicamente da aplicação de normas de incidência, sendo que, casos há, em que tais normas devem ser conjugadas com as normas que estabelecem benefícios fiscais, pelo que empregar a expressão “em que se fundou a liquidação” o legislador pretendeu abranger também estes casos pois, caso contrário, teria expressamente referido “norma de incidência”; 20.ª Por outro lado, acresce que, a interpretação segundo a qual o artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT só aplicável quando estiver em causa a declaração de inconstitucionalidade de normas de incidência, colide com a obrigação indemnizatória por parte do Estado, consagrada no artigo 22.º da CRP; 21.ª Por fim, a interpretação restritiva do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT, e em consequência a circunstância de o contribuinte ter de lançar mão das regras gerais da responsabilidade civil extracontratual do Estado para ver satisfeito o seu direito indemnizatório, configura uma violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, bem como do princípio da tutela jurisdicional efetiva, consagrado no artigo 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP; 22.ª Em face do exposto, não poderá o acórdão-recorrido manter-se e, nessa medida, deixar de ser anulado, firmando-se, para efeitos de uniformização de jurisprudência o entendimento ora prescrito e no acórdão-fundamento de que a desaplicação de norma declarada inconstitucional constitui fundamento para o direito a juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea d), da LGT.

Por todo o exposto e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, encontrando-se demonstrada no caso vertente a contradição entre os acórdãos em confronto, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente fixação da jurisprudência firmada no acórdão fundamento, determinando-se a anulação do acórdão recorrido com o consequente reconhecimento do direito a juros indemnizatórios por parte da Recorrente, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA! » * Não houve lugar a contra-alegação, por parte da recorrida (rda) [autoridade tributária e aduaneira (AT) ].

* O Exmo. Procurador-geral-adjunto, notificado [nos termos e para os efeitos do art. 282.º (n.º 3) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)], veio formalizar “contra-alegações do Ministério Público”, que integram este elenco de conclusões: « i) A recorrente...

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