Acórdão nº 556/22.7T8VIS-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução13 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo nº 556/22.7T8VIS-B.C1 – Apelação Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Paulo Correia 2º Adjunto: Helena Melo Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO Banco 1..., S.A., veio requerer a declaração de insolvência de AA e mulher, BB, Alegando, em síntese, que, no dia 24-09-2003, através de escritura pública, o Requerente e os Requeridos, estes na qualidade de mutuários, celebraram dois contratos de mútuo com hipoteca, cujas obrigações os requeridos deixaram de cumprir, a partir de 11-01-2011 e 25-01-2011, respetivamente; o Banco requerente instaurou execução para cobrança do crédito, a qual veio a ser sustada, por despacho de 20.07.2016, nos termos do disposto no art. 794º do C.P.C. pela existência de diversas penhoras registadas sobre o imóvel dado em hipoteca, único bem registado em nome dos devedores; desde o início do incumprimento, em janeiro de 2011, nenhuma quantia foi paga por qualquer dos mutuários ao Banco requerente; aquele é o único bem penhorável dos requeridos, já com 9 penhoras registadas, pelo que a respetiva venda não permitirá o pagamento dos referidos créditos do exequente e da divida peticionada nas referidas penhoras; Verificam-se, assim, os factos índice constantes das alíneas b) e e) do art. 20º, nº1, do CIRE.

Os requeridos deduzem oposição com os seguintes fundamentos: arguem a nulidade resultante da ineptidão da petição inicial, na medida em que o Banco requerente não junta qualquer título executivo que demonstre, inclusivamente, a sua posição de credora, não sendo o Banco requerente não é parte legítima, porque a prova documental junta com a petição inicial não sustenta a existência de qualquer crédito; invocam a ilegitimidade do requerente, porquanto o alegado crédito não foi por ele demonstrado nem reconhecido; alegando que o prazo estipulado para as dívidas bancárias é o de cinco anos previsto no art. 310º do CC, invocam a prescrição do crédito, de acordo com o disposto no art. 310º do C. Civil, uma vez que, tendo já volvido mais de 20 anos desde a data da outorga, nenhuma causa suspensiva ou interruptiva terá ocorrido; os requeridos já apresentavam algumas dificuldades económicas, mas não ao ponto de serem decisivas para que os mesmos se apresentassem à insolvência, sendo que, nos termos do art. 6º-E, nº7 al. e) da Lei nº 1-A/2020, de 19 de março, o prazo para apresentação à insolvência encontra-se suspenso; é verdade que, com a pandemia, os requeridos viram os seus rendimentos substancialmente reduzidos, sem que tal realidade possa constituir motivo para se decretar a insolvência; mais invocam a nulidade da citação no âmbito do processo de execução nº 962/11...., “por inexistente e por não terem sido observadas as formalidades previstas na lei”.

Concluem, pedindo que se declare procedente a invocação da nulidade de todo o processo ou, subsidiariamente, a exceção da ilegitimidade do Requerente, absolvendo-se os Requeridos da instância, ou, caso assim se não entenda, declarar a ação improcedente, por não provada, absolvendo os requeridos do pedido.

Realizada audiência de julgamento, pelo juiz a quo foi proferida Sentença a decretar a insolvência dos Requeridos.

* Inconformado com tal decisão, o requerido, AA, dela interpõe recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões: 1) O presente recurso vem interposto da sentença que decretou a insolvência pessoal do ora recorrente porquanto, alegadamente, se encontra impossibilitado de cumprir pontualmente as suas obrigações por carência de meios económicos e por falta de crédito.

2) Porém, salvo o devido respeito, insurge-se o recorrente com os termos da douta decisão porquanto face aos factos e ao direito aplicável, deveria ter sido proferida decisão diversa.

3) Ora, em face do regime legal, nomeadamente o art.º 3º nºs 1 e 2 do CIRE, o critério legal para poder ser considerado insolvente é a impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas.

4) Pois que, demonstrada a solvência do requerido, mesmo que o requerente tivesse feito prova dos “factos índice” previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do art.º 20º do CIRE, daí não decorreria a procedência da sua pretensão à insolvência do requerido, porquanto tais factos são apenas “indício” ou presunção de insolvência, e não de efetiva impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações vencidas.

5) Tal como decorre do nºs 3 e 4 do art.º 30º do CIRE, tais normas regem para os fundamentos de oposição de qualquer devedor, e são perfeitamente coerentes com o facto de o único pressuposto exigível para deferir a pretensão do credor ser a “situação de insolvência” do devedor, ou seja, encontrar-se o devedor impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, 6) O que não é o caso, uma vez que o requerido tem um património que a ser liquidado (voluntária ou judicialmente), é suscetível de satisfazer o pagamento das suas obrigações vencidas perante o requerente.

7) “In casu”, as circunstâncias do incumprimento, nomeadamente o facto de o requerido/recorrente ter deixado de cumprir as obrigações decorrentes dos contratos celebrados com o Banco 1..., S.A. a partir de 11-01-2011 e 25-01-201, não pode, nem deve ser valorado como revelador de impossibilidade de satisfação da generalidade das outras obrigações, pois tais créditos encontram-se garantidos por duas hipotecas sobre um imóvel para garantir o pontual cumprimento das obrigações contraídas pelos contratos celebrados.

8) Destarte, a questão que importa dilucidar e resolver relaciona-se com o facto de se saber se estão verificados os pressupostos legais para decretar a insolvência do recorrente.

9) Com efeito, o CIRE, depois de estabelecer nos arts.º 1º e 2º, respetivamente, qual a finalidade do processo de insolvência e quais os sujeitos que podem ser objeto do mesmo, é claro no sentido de definir como critério de insolvência a situação do “devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas” (cfr. art.º 3º nº 1).

10) Na verdade, pese embora os créditos do requerente poderem considerar-se de substancial valor à data da propositura da ação, e não obstante o requerido ser devedor a outros credores, embora não resulte da factualidade provada que estes outros débitos estejam vencidos, não menos verdade é que o recorrido não fez prova de que o património do recorrente é superior a todos aqueles débitos, pelo que, subsiste a dúvida perante tais factos.

11) Significa isto que o requerente, não efetuou prova dos “factos índice” previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do art.º 20º, como propugna, mesmo assim, daí não decorreria necessariamente a procedência da sua pretensão à insolvência do requerido, pois tais factos são apenas “indício” ou presunção de insolvência e não de efetiva impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações vencidas.

12) Ora, temos por certo que, perante aqueles factos do caso, não está provado que o conjunto do passivo do requerido evidencie a sua incapacidade para satisfazer as obrigações vencidas perante a requerente.

13) Pelo que, é de considerar que a leitura dos factos-índice previstos pelo artigo 20º do CIRE, deve ser compaginada com o disposto no artigo 3º do mesmo diploma, no qual se consagra o núcleo base da noção de insolvência pois, na verdade, nem sempre a lógica que impregna o elenco dos factos-índice permite conduzir, de per si, à conclusão de que deve ser declarada a insolvência.

14) Importa, pois, ter presente a configuração concreta das dívidas do requerido e os meios que lhe assistem para lhes fazer face (montantes em causa; corresponsáveis; garantias; património do devedor, etc).

15) Não é, pois, de decretar a insolvência sempre que face às concretas circunstâncias do caso, não esteja suficientemente caracterizada a situação de impossibilidade de cumprimento generalizado das obrigações vencidas (artigo 3º do CIRE).

16) O processo de insolvência – que consubstancia uma execução universal – somente deve ser proposto quando, à luz de critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, seja o meio ajustado à prossecução dos direitos e legítimos interesses do demandante.

17) Ora, não se descrevendo em concreto a situação patrimonial, afigura-se excessivo e inadequado o recurso, sem mais, ao processo de insolvência.

18) Porquanto, no uso dos meios processuais ao seu dispor, o Autor, ou Requerente, está sujeito aos princípios da “indispensabilidade do meio”, “proibição do excesso” e “proporcionalidade”, sob pena de, tendo, embora, legitimidade processual, se considerar que não demonstra interesse em agir.

19) Como decorre do quadro traçado, os factos provados pelo tribunal “a quo” terão de ser lidos numa dupla lógica, que terá de ser concatenada para se obter a justiça do caso: já vimos que nem sempre a lógica que impregna o elenco dos factos-índice permite conduzir, de per si, à conclusão de que deve ser declarada a insolvência.

20) Ora, compulsado o teor da sentença aqui em reapreciação, verifica-se que o tribunal “a quo” considerou que, no caso vertente, o requerido não alega que o Banco 1..., S.A. não é seu credor, afirmando apenas que não o demostra.

21) Ademais, o crédito invocado pelo Banco requerente resulta do incumprimento de dois contratos de mútuo, os quais se encontram provados através de documentos autênticos (escritura pública).

22) Nesta senda, tribunal “a quo”, no que concerne ao período de prescrição da dívida, alega que o Banco Requerente poderia exercer o seu direito até Janeiro de 2021, sob pena de ver prescrever o seu direito.

23) Ora, a verdade é que, compulsados os autos, tal prazo se encontra precludido, uma vez que o recorrido apenas fez valer o seu direito em 03/02/2022, portanto, após mais de um ano do que a sentença prescreve.

24) Nessa conformidade, a Lei entende que o credor perdeu o interesse no pagamento da dívida. É neste cenário que surge a prescrição - um instituto jurídico que determina a extinção de um direito (neste caso, de cobrança), quando este não é exercido no período...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT