Acórdão nº 2100/14.0TBVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 13 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução13 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo n.º 2100/14.0TBVIS.C1 (Juízo de Comércio de Viseu - Juiz 1) 1.Relatório AA e BB, ids nos autos, apresentam o seguinte requerimento: “Em face do relatório apresentado nos autos pela Exma Fiduciária, vêm dizer: Entendem os Insolventes que o relatório apresentado está ferido por um pressuposto errado que deverá ser corrigido.

Na verdade a Exma Fiduciária considerou que o rendimento disponível era de 1.115,76€ porque nos meses de subsidio de férias e de Natal os requerentes excedem o salário mínimo Nacional .

Salvo o devido respeito o que o legislador pretende com a proteção do Salário Mínimo Nacional (no caso o valor disponível para os insolventes) não respeita a cada mês individualizado, mas sim a um período relativo.

Em tese, se uma pessoa auferir os seus rendimentos de três em três meses, no mês em que recebesse o seu rendimento teria que disponibilizar o que nesse mês excedesse o SMN mesmo que nos dois meses anteriores nada tivesse recebido, e não tivesse direito a subsistir.

No caso, Os rendimentos considerados devem igualmente reportar-se a um período relativo – idealmente de um ano – impondo-se apenas a obrigação de dispor o que nesse período de tempo exceder o valor do SMN multiplicado por 12 meses.

Tem sido entendimento maioritário da Jurisprudência que o SMN é impenhorável, mas já não o são os subsídios de Natal e de Férias porque o SMN garante cada um dos meses o mínimo de subsistência.

Aplicado tal critério ao caso concreto, o que deve ser considerado indispensável à subsistência dos requerentes será o valor do SMN vezes 12 meses no ano, que somará, para o ano de 2021, o valor total de 15.960,00€ Ora, verifica-se que os Insolventes auferiram no ano de 2021 ( em pensões de reforma) a quantia total de 13.215,16€ correspondentes a 943,94€ vezes 14 meses, incluindo por isso os meses de subsídios de férias e de Natal.

Tal valor dividido por 12 meses apenas atinge os 1.101,30€ , que é bastante menos que os 1.330,00€ indispensáveis a garantir a proteção constitucional do mínimo de Subsistencia.

Pelo exposto, Requerem a dispensa na cedência do valor constante do relatório Anual.” Pelo Juízo de Comércio de Viseu - Juiz 1, foi proferida a seguinte decisão: “Vi o relatório anual relativo ao 4º ano do período de cessão de rendimentos, do qual já foi dado conhecimento aos credores.

Nada sendo requerido por estes, aguardem os autos pelo próximo relatório anual, sem prejuízo do adiantamento da remuneração anual fixada à Sra. Fiduciária para a hipótese de ausência de rendimento cedido.

Advirta os Devedores que, caso não entreguem o rendimento que deveriam ter cedido no 4º ano, dentro do período de cessão, poderá não lhes ser concedida, a final a exoneração do passivo restante. Atento o teor do relatório que antecede, e considerando o requerimento que antecede dos Devedores, e a fim de evitar equívocos quanto à posição do tribunal sobre esta matéria, importa consignar o seguinte: A obrigação central dos Devedores (central porque produz efeitos na esfera jurídico-patrimonial dos credores) é a prevista na al. c) do nº4 do art. 239º do CIRE: “Durante o período de cessão, o devedor fica ainda obrigado a: … c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão.” Os rendimentos objecto de cessão são todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão dos elencados nas duas alíneas do nº3 do art. 239º do CIRE. A exclusão relativa ao rendimento necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar (art. 239º, nº3, al. b), ponto i) é fixada em salário mínimos nacionais (Rendimento Mínimo Nacional Garantido) que tem uma periodicidade mensal. Este valor é referencial pois nem todo o rendimento obtido pelo Devedor é proveniente da retribuição do trabalho prestado por conta de outrem, pese embora ser esta a forma mais comum da obtenção de rendimentos. Saliente-se uma vez mais que o nº3 do art. 239º do CIRE prevê que “Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao Devedor …” Assim, o Rendimento Mínimo Nacional garantido a que alude o artigo referido só releva quanto ao montante, sendo indiferente a configuração concreta do direito de crédito que proporciona a obtenção do rendimento.

Logo, é também indiferente saber se o rendimento é obtido por via de uma relação laboral ou por outra via, e se no primeiro caso o Devedor tem outros direitos laborais com conteúdo patrimonial (subsídios de férias, de natal, ajudas de custo, etc.) Estas normas apenas autorizam a interpretação de que o rendimento disponível é aferido numa base mensal.

Daí que o facto de o cumprimento desta obrigação ser apreciado no relatório do fiduciário que reveste uma periodicidade anual (art. 240º, nº2 parte final), não significa que a obrigação do Devedor de entregar o rendimento objecto de cessão tenha em conta o seu rendimento anual. A análise da declaração de impostos sobre o rendimento obtido anualmente é, por isso, apenas um meio de aferir se o Devedor incumpriu o dever de entregar o rendimento disponível. Já não garante, porém, que o Devedor tenha cumprido esta obrigação quando esse rendimento declarado seja inferior a 12 vezes o montante fixado para os efeitos do disposto no ponto i) da al. b) do nº3 do art. 239º do CIRE. E, como vimos acima, uma vez que o rendimento a considerar não é o anual, não tem interesse saber se este é divisível por 12 ou por 14.

O que poderá acontecer, em determinadas circunstâncias, é que o juiz exclua do rendimento disponível, ao abrigo do disposto no ponto iii do nº3 do art. 239º despesas que ocorram em determinados períodos do ano (férias ou Natal), coincidentes com os subsídios que as entidades patronais pagam aos trabalhadores nesses períodos e por essas razões. Todavia, isso terá que ser alegado e justificado pelo próprio Devedor.

No nosso caso, apenas resulta da decisão proferida que foi fixado em 2 s.m.n., o montante necessário para garantir o sustento dos Devedores AA e BB para os efeitos do disposto no ponto i) da al. b) do nº3 do art. 239º do CIRE, não...

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