Acórdão nº 43/22.3 BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 22 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelLINA COSTA
Data da Resolução22 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: Municípia – Empresa de Cartografia e Sistemas de Informação, E.M., S.A., entidade requerida nos autos de acção de intimação para prestação de informações, consulta de processos ou passagem de certidões instaurados por S..., Lda., inconformada, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida em 1.4.2022, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, que decidiu julgar a presente intimação procedente e, em consequência, intimou a Entidade requerida a, no prazo de 10 (dez) dias, emitir certidão de cada um dos documentos administrativos cujo acesso foi requerido pela Requerente em 22 de Dezembro de 2021, se existentes, e/ou certidão negativa, caso esses documentos não existam.

Nas respectivas alegações, a Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem: «A. O presente Recurso de Apelação, vem interposto da decisão proferida na data de 01.04.2022 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a intimação para prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões contra a ora Recorrente, no âmbito do processo n.º 43/22.3BESNT.

  1. A sentença objeto do presente recurso condenou a Recorrente a dar satisfação integral aos pedidos formulados pela Autora S... ..., Lda. (“Autora”).

  2. A Recorrente não se conforma com o entendimento e decisão do Tribunal a quo.

  3. A Recorrente entende, com o devido respeito, que a decisão proferida pelo Tribunal a quo padece de ilegalidade por erro na aplicação do direito, nomeadamente, por interpretar erroneamente os artigos 3.º e 6.º, nº 6 da Lei n.º 26/2016, de 22 de Agosto (“LADA”) e por violação dos princípios constitucionalmente consagrados da legalidade, estado de direito e proporcionalidade, vertidos nos artigos 2.º, 3.º e 18.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”) e do artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (“EOA”). Escalpelizemos, E. Existe um extenso histórico de litigância entre a Recorrente e a Autora que antecede o presente litígio.

  4. O presente litígio reveste-se de caráter persecutório e vexatório.

  5. O direito de informação dos administrados não é absoluto pelo que carece de ser considerado no quadro do princípio da proporcionalidade e do conflito de direitos.

  6. A Autora instrumentaliza o regime de acesso a documentos administrativos consagrado na LADA, bem como os princípios da administração aberta e da transparência consagrados na CRP aos seus interesses pessoais e com o propósito de subverter as mais basilares normas da concorrência.

    I. A violação manifesta dos princípios constitucionais é suficiente para julgar totalmente improcedentes os pedidos da Autora e nesse sentido revogar a decisão do Tribunal a quo por manifestamente ilícita por efeitos da violação dos artigos 2.º, 3.º e 18.º da CRP.

  7. No que diz respeito aos elementos requeridos relativamente ao procedimento de contratação pública que esteve na base da emissão do parecer jurídico emitido pelo Professor Doutor P..., o conceito de documento administrativo vertido na alínea a), do nº 1 do artigo 3.º da LADA, impõe que os documentos aos quais se requer acesso sejam “documentos pré-constituídos ou materializados em poder da Administração.” K. Entende a Recorrente que andou mal o Tribunal a quo quando decidiu genericamente que todos os elementos requeridos se qualificam como documentos administrativos, quando manifestamente não podem ser considerados como tal à luz do conceito normativo aplicável.

    L. Em caso algum poderiam estar materializados, e nesse sentido não se consideram documentos administrativos, os elementos requeridos nas alíneas 5. a [“a. A razão para a não publicação do contrato no portal dos contrato públicos, basegov.pt;”]. e b5 [“b. Considerando que nos termos do disposto no artigo 127.º, n.º 3, do CCP, a publicitação naquele portal é condição de eficácia do respetivo contrato, independentemente da sua redução ou não a escrito, nomeadamente para efeitos de quaisquer pagamentos, se já procederam ao pagamento dos honorários.

    ».

  8. Pelo que quanto ao referidos, incorreu o Tribunal a quo em erro na aplicação do conceito de documento administrativo vertido no artigo 3.º da LADA, por não se tratar de “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detida em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material”.

  9. Quanto aos restantes elementos requeridos, não pode colher a argumentação esgrimida pelo Tribunal a quo, considerando que está em causa um procedimento para a emissão de parecer por Advogado, ficando os respetivos documentos protegidos pelo segredo profissional consagrado no artigo 92.º do EOA.

  10. O segredo profissional é a regra de ouro da Advocacia e um dos mais sagrados princípios deontológicos.

  11. Além do mais é historicamente considerado um dos deveres fundamentais a ser cumprido não só para o advogado como também pelos demais intervenientes judiciários, de forma a assegurar o adequado funcionamento do sistema judicial.

  12. Como pode ler-se a este respeito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/2/2018, Proc. n.º 1130/14.7TVLSB.L1. S1, disponível em www.dgsi.pt: “O dever de guardar segredo profissional tem as suas raízes no princípio da confiança, no dever de lealdade do advogado para com o constituinte, mas também na dignidade da advocacia e na sua função de manifesto interesse público.

    A obrigação de segredo transcende, por consequência, a mera relação contratual, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação do advogado não apenas para com o seu constituinte, mas também para com a própria classe, a Ordem dos Advogados e a comunidade em geral.

    ” Isso mesmo foi afirmado no acórdão da Relação de Lisboa de 23.02.2017: “A par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos, protegem-se igualmente valores ou interesses de índole supra-individual e institucional que, por razões de economia, poderemos reconduzir à confiança sobre que deve assentar o exercício de certas profissões”.

    Por isso, consideram-se abrangidas pelo segredo profissional todas as situações que sejam susceptíveis de significar a violação da relação de confiança entre o advogado e o seu patrocinado e também todas as situações que possam representar quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue. [Parecer do Conselho Geral de 02.04.1981, em ROA, ano 41, páginas 900 e seguintes].” R. Quando estando em causa o segredo profissional, impõe-se ao julgador pugnar pela tutela e respeito do mesmo uma vez que se trata de um pilar do sistema judicial, com consagração constitucional nos artigos 208.º, 20.º, n.º 2 e 32.º, n.º 8 da CRP.

  13. O Tribunal a quo aparenta defender que sendo os elementos a que a Autora requereu acesso anteriores à contratação ficam excluídos do âmbito do segredo profissional.

  14. Trata-se manifestamente de uma interpretação incompatível com o espírito bem como com os princípios que subjazem ao segredo profissional, e consequentemente merecedora de censura.

  15. O facto de o autor do parecer não ser mandatário da Recorrente não tem relevância para a vertente análise uma vez que fica vinculado ao dever de segredo profissional pela sua qualidade de Advogado e não de mandatário.

    V. Ainda que o autor do parecer não seja mandatário forense da Recorrente é Advogado.

  16. O parecer foi proferido no exercício das suas funções.

    X. Nessa medida encontra-se sujeito ao dever de segredo profissional.

  17. Estão em causa documentos relativos a um procedimento para a contratação da emissão de um parecer por Advogado que foi utilizado no âmbito de uma ação judicial em que a Autora é parte contrária à Recorrente.

  18. Os documentos/informações a que o Tribunal a quo decidiu conceder acesso determinam o âmbito do apoio jurídico prestado à Recorrente uma vez que deles constam informações da relação jurídica a estabelecer entre a Recorrente e o autor do parecer, bem como detalhes sobre a relação controvertida entre a Recorrente e a Autora.

    AA. Entende a Recorrente que a tutela concedida pelo regime jurídico do segredo profissional é manifestamente extensível aos documentos a Autora requereu acesso, pelo que não se compreende a argumentação do Tribunal a quo quando vem dizer que não a restrição ao “livre acesso depende da fundamentação das razões da recusa (cfr. artigo 15.º, n.º 1, alínea c), da LADA)”.

    BB. Em sede de resposta/contestação a Recorrente trouxe à colação de forma clara, concisa e enxuta a tutela garantida pelo segredo profissional.

    CC. Reitera-se que da mesma forma que o acesso aos documentos administrativos constitui um direito fundamental, também o segredo profissional se encontra constitucionalmente tutelado.

    DD. Na situação vertente, pugna a Recorrente pela prevalência do segredo profissional, ao abrigo de ponderação jurídica que atravesse o crivo do princípio da proporcionalidade.

    EE. Por efeitos de os documentos relacionados com a emissão do parecer jurídico estarem cobertos pelo segredo profissional a sua disponibilização constituiria uma violação grosseira do segredo profissional.

    FF. Ademais, conceder acesso aos elementos requeridos seria conceder uma vantagem infundada à Autora no âmbito da ação judicial em que o parecer foi proferido, desta forma constituindo violação do direito de defesa da Recorrente.

    GG. Perante todo o exposto, padece a decisão do Tribunal a quo de erro na aplicação do direito por erroneamente ter aplicado o conceito de documento administrativo vertido no artigo 3.º da LADA e por efeitos da violação dos princípios da legalidade, proporcionalidade e sigilo profissional, consagrados, nos artigos 3.º, 18.º, 208.º, 20.º, n.º 2 e 32.º, n.º 8 da CRP e 92.º do EOA.

    HH. Relativamente ao pedido de informações a respeito do financiamento da Recorrente está em causa o acesso a informação intimamente ligada com a...

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