Acórdão nº 00083/22.2BECTB de Tribunal Central Administrativo Norte, 16 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelPaulo Ferreira de Magalh
Data da Resolução16 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO A..., Ld.ª [devidamente identificada nos autos] Requerente nos autos de processo cautelar que intentou contra o Município de ... [também devidamente identificado nos autos], em cujo articulado formulou pedido no sentido da ser julgada procedente por provada a providência de suspensão de eficácia de acto administrativo, determinando-se: a) a imediata suspensão de eficácia da decisão final de revogação da licença n.º 25/97 de exploração da pedreira n.º 6101, denominada ..., por nulo e de nenhum efeito – ou, se assim se não entender, anulável –, como todas a legais consequências, e b) O decretamento provisório da autorização de exploração, com todas as legais consequências, inconformada, veio apresentar recurso de Apelação da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 29 de junho de 2022, pela qual julgou improcedente o pedido formulado e a final indeferiu as providências cautelares requeridas.

* No âmbito das Alegações por si apresentadas, a Recorrente elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “CONCLUSÕES I. A Recorrente requereu a suspensão da eficácia da decisão final que revogou a licença n.º 25/97 de exploração da pedreira n.º 6101 e o decretamento provisório da autorização de exploração, com todas as legais consequências, nos termos do artigo 112.º e seguintes do CPTA, a qual foi julgada improcedente por decisão proferida a 30-06¬2022.

  1. Na sua motivação, o tribunal a quo considerou que estava demonstrada uma situação de periculum in mora; no entanto entendeu que “a Requerente não logra demonstrar a existência de fumus boni iuris, porquanto não se afigura expectável que venha a obter vencimento na acção principal”.

  2. Salvo melhor opinião, não pode a Recorrente concordar com tal decisão, dada a existência de vários vícios que a inquinam. Vejamos: IV. Por deliberação de 16 de abril de 1998, foi concedida à Recorrente licença de estabelecimento para exploração de uma pedreira de granito no prédio rústico denominado “...”, sito em ..., freguesia ....

  3. A 04.11.2021 foi a Recorrente notificada pela R./Recorrida da intenção de proceder à revogação da licença de exploração, à qual a Recorrente se opôs em sede de audiência prévia; também em sede de audiência prévia foi dado conhecimento que seria enviada para a Direção Geral de Energia e Geologia o pedido de alteração ao regime de licenciamento, acompanhado de todos os elementos necessários à sua análise – cfr. doc. n.º3 junto com o requerimento inicial.

  4. Pelo que foi com surpresa que a Recorrente foi notificada da revogação definitiva, por ofício com o seguinte teor: “Relativamente ao assunto supra citado, fica pelo presente notificado da revogação da licença n.º 25/97 de exploração da pedreira n.º 6101 (...).

    Mais se notifica V. Exa que deve suspender de imediato qualquer actividade nesta pedreira (...).

  5. A licença de exploração referida tem a natureza de ato constitutivo de direitos (cfr. art. 167.º, n.º 3 CPA).

  6. Nos termos do n.º 2 do artigo 167.º do CPA os atos constitutivos de direitos só podem ser revogados: a) Na parte em que sejam desfavoráveis aos interesses dos beneficiários; b) Quando todos os beneficiários manifestem a sua concordância e não estejam em causa direitos indisponíveis; c) Com fundamento na superveniência de conhecimentos técnicos e científicos ou em alteração objetiva das circunstâncias de facto, em face das quais, num ou noutro caso, não poderiam ter sido praticados; d) Com fundamento em reserva de revogação, na medida em que o quadro normativo aplicável consinta a precarização do ato em causa e se verifique o circunstancialismo específico previsto na própria cláusula.

  7. Não se verifica, no caso concreto, nenhuma das hipóteses previstas no n.º 2 do artigo 167.º do CPA.

  8. De igual forma, não se verifica nenhum dos requisitos previstos no artigo 40.º do D.L. n.º 340/2007, de 12 de outubro.

  9. Pelo que, desde logo, o ato de revogação praticado pela R./Recorrida é manifestamente ilegal.

  10. Acresce ainda que o ato de revogação carece de fundamentação, de facto e de direito, nos termos do artigo 151.º e seguintes do CPA.

  11. O ato de revogação não teve em consideração o facto de a Recorrente estar a proceder à alteração do regime de licenciamento.

  12. Nestes termos, a Recorrente é titular de um direito, direito esse que foi posto em causa com a revogação da licença por parte da R./Recorrida.

  13. A revogação da licença é um ato ilegal, nos termos já referidos.

  14. Na acção principal está em discussão, precisamente, a (i)legalidade do ato de revogação.

  15. Sucede que, até ao termo do processo final, a decisão que venha a ser proferida perde o seu o efeito útil, motivo pela qual a Recorrente apresentou o presente procedimento cautelar.

  16. No seu requerimento cautelar a Recorrente alega e demonstra que o ato de revogação é ilegal (cfr. artigos 39.º e seguintes do requerimento cautelar) e que, a manter-se tal decisão, sofrerá prejuízos de difícil reparação.

  17. Nos termos do artigo 120.º do CPTA 120.º do CPTA as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente (n.º 1), estabelecendo o n.º 2 que “nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.” XX. Acresce ainda que a ponderação dos interesses públicos e privados justificam e determinam o decretamento da providência cautelar, uma vez que a suspensão imediata da exploração impede a recuperação ambiental da pedreira.

  18. Encontram-se, assim, verificados os requisitos que justificam o decretamento da providência cautelar requerida.

  19. Pelo que andou mal o tribunal ao considerar que não se verifica o requisito de fumus boni iuris.

  20. Cfr. consta no douto acórdão do STA, proferido no âmbito do proc. 0229/17.2BELSB 0649/18, de 15-11-2018: I - O fumus boni iuris, apreciado num juízo esquemático e provisório inerente à índole dos autos cautelares, exige para o seu preenchimento a existência, in casu, de probabilidade de sucesso da ação administrativa principal.

    II - Tal juízo na apreciação do requisito do fumus boni iuris não é sinónimo da evidência da concreta ilegalidade e consequente muito provável e evidente procedência da pretensão a deduzir a título principal, nem significa que apenas ocorra ou se mostre preenchido quando as ilegalidades ou questões que as mesmas envolvem se apresentem como simples, ou incontroversas.

  21. E, cfr. explica o Acórdão do STA proferido no âmbito do processo 01081/12 de 30.01.2012: I. Muito sumariamente, podemos afirmar que os requisitos para a procedência do pedido são três: 1.º - existência do periculum in mora; 2.º que haja um fumus boni iuris; 3.º - que haja proporcionalidade e adequação da providência.

  22. Para que esta providência possa ser deferida a verificação destes requisitos tem de ser cumulativa.

  23. O fumus boni juris tem uma formulação positiva e uma formulação negativa. Na formulação positiva é preciso acreditar na probabilidade de êxito na acção principal. Tem de se verificar uma aparência de que o requerente ostenta, de facto, o direito que considera lesado pela atuação administrativa; na formulação negativa basta que acção principal não apareça à primeira vista desprovido de fundamento.

  24. Nas providências conservatórias o fumus boni iuris é apreciado na sua vertente negativa. Assim, o fumus boni iuris tem de dar-se como verificado sempre que a falta de fundamento da pretensão subjacente à providência não seja manifesta (ostensiva, notória), evidentemente, à luz de uma apreciação meramente perfunctória.

    Para este efeito a aparência de uma acção viável é suficiente.

  25. No caso concreto, verifica-se a existência de um direito da qual a Recorrente é titular, o qual foi posto em causa com o ato de revogação praticado pela R./Recorrida.

  26. Tendo alegado e demonstrado a existência desse direito (cfr. artigos 39.º e seguintes do requerimento cautelar), verifica-se, in casu, a aparência de uma acção viável, aparência essa que, a par da verificação do periculum in mora e da ponderação dos interesses envolvidos, é suficiente para decretar a providência cautelar requerida.

  27. Assim, deveria ter sido dado como verificado e provado o requisito do fumus boni iuris e, consequentemente, ser decretada a providência cautelar requerida.

  28. Ao não reconhecer tal requisito, houve uma errada interpretação dos factos e da prova junto aos autos.

  29. Acresce ainda que a decisão de que ora se recorre foi proferida com base nos documentos juntos aos autos, tendo sido dispensada a produção de prova testemunhal.

  30. Pese embora a possibilidade de dispensa da prova testemunhal nos procedimentos cautelares, nos termos do artigo 118.º do CPTA, considera a Recorrente que a prova testemunhal é pertinente para demonstrar os requisitos que motivaram o requerimento cautelar, nomeadamente os requisitos que justificam a sua concessão.

  31. As provas requeridas destinam-se a fazer prova dos factos alegados pelo Recorrente no seu requerimento cautelar, pelo que o indeferimento da inquirição das testemunhas arroladas restringe o direito da Recorrente, constitucionalmente protegido, de fazer prova dos factos por si alegados, e de, assim, obter uma decisão justa do objeto em litígio.

  32. Cfr. se pode ler no Ac. proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no âmbito do proc. 00014/19.7BEMDL se cabe ao interessado o ónus da prova dos factos que alega, não lhe...

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