Acórdão nº 01186/17.0BEAVR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelGUSTAVO LOPES COURINHA
Data da Resolução21 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 Alegações A……….., LDA., com os demais sinais nos autos vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, exarada a fls. 80 a 95 do SITAF, que julgou improcedente ação por ele deduzida, contra aplicação de coima no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 01242017060000004733 no valor de € 825,00, acrescida de custas processuais no montante de € 76,50.

Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões: 1) O presente recurso vem da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (Unidade Orgânica 2) em 31/12/2019, na qual foi decidido julgar improcedente o recurso interposto pela Recorrente e manter a decisão de aplicação de coima proferida pelo Exmo. Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Murtosa, em 04/10/2017, nos autos do PCO nº 01242017060000004733.

2) No recurso por ela interposto da decisão de aplicação de coima impugnada, a Recorrente alegou, designadamente, violação do disposto no art. 55º-1/b do RGIT, por a mesma haver sido proferida quando os autos do processo de contra-ordenação deviam, ex vi do citado normativo legal, ter sido e ter-se mantido suspensos até ao termo do prazo de interposição de reclamação graciosa ou de impugnação judicial das liquidações de imposto.

3) Com efeito, o Serviço de Finanças de Murtosa não havia suspendido os autos do processo de contra-ordenação, e tinha, inclusive, proferido a decisão de aplicação da coima, quando, encontrando-se a decorrer o prazo de impugnação administrativa ou contenciosa de todas as liquidações decorrentes da acção de inspecção efectuada à escrita da Recorrente, o processo devia encontra-se suspenso ex vi do art. 55º-1/b do RGIT.

4) Todavia, o tribunal a quo, depois de ter concluído que, com esse comportamento, a AT havia incorrido em irregularidade, decidiu julgar improcedente o recurso, porquanto, no seu entender, não tendo a Recorrente impugnado as liquidações de imposto, sempre o processo de contra-ordenação “culminaria com uma decisão de aplicação da coima, possivelmente, idêntica à do caso dos autos”, e que seria “completamente destituído de sentido determinar a anulação da decisão recorrida para que, mal chegasse à autoridade administrativa que aplicou a coima fosse proferida nova decisão em tudo idêntica a esta”.

5) Ao assim ter decidido, a Sentença recorrida enferma de erro na aplicação do direito.

6) Com efeito, depois de ter concluído que, ao ter sido proferida a decisão de aplicação da coima, foi cometida uma irregularidade, decorrente de violação do art. 55º-1/b do RGIT, a Sentença recorrida, na apreciação da legalidade da decisão impugnada, bem como dos efeitos resultantes da ilegalidade dessa decisão, deveria ter tido em consideração, sob pena de violação do princípio da actualidade, a situação existente no momento em que essa mesma decisão foi proferida, e não quaisquer circunstâncias verificadas posteriormente à ocorrência da irregularidade.

7) Concretamente, do facto de a ora Recorrente, depois de ter sido proferida a decisão de aplicação da coima, não ter deduzido reclamação ou impugnação das liquidações, não podia o tribunal a quo concluir que aquela irregularidade se sanou com o decurso desses prazos.

8) Assim, ao ter concluído pela irrelevância da irregularidade (que reconhece ter sido cometida) mercê da ocorrência de factos verificados depois de ter sido proferida a decisão de aplicação da coima (concretamente, o decurso do prazo de reclamação graciosa e de impugnação judicial sem que essa reclamação ou essa impugnação tivessem sido deduzidos), a Sentença recorrida incorreu em erro manifesto, por violação do referido princípio da actualidade.

9) A Sentença recorrida enferma ainda de erro quando conclui que, ainda que por ela viessem a ser declarados os efeitos legais da violação do art. 55º-1/b do RGIT, os mesmos não poderiam operar na prática, porquanto, se a coima fosse aplicada depois de ter terminado a suspensão do processo de contra-ordenação, este “culminaria com uma decisão de aplicação da coima, possivelmente, idêntica à do caso dos autos”, e que “Seria completamente destituído de sentido determinar a anulação da decisão recorrida para que, mal chegasse à autoridade administrativa que aplicou a coima fosse proferida nova decisão em tudo idêntica a esta”.

10) Esta conclusão representa um manifesto erro de julgamento, não sendo sequer compreensível como é que o tribunal a quo pode ter assegurado, como assegurou, que, no caso de, em vez de ilegalmente ter considerado sanada a irregularidade da decisão de aplicação da coima, ter vindo a ordenar a reparação da irregularidade que concluiu ter ocorrido, seria proferida pela AT uma “nova decisão”, e que a mesma seria “em tudo idêntica” àquela que foi considerada enferma de irregularidade.

11) Aliás, são variadíssimas as razões de ordem objectiva (v.g., o facto de o comportamento da Recorrente deixar de integrar os ilícitos contra-ordenacionais, o pagamento do imposto, o valor da coima diminuir, amnistia, prescrição, ou extinção da pessoa colectiva) e subjectiva (v.g., desde que foi proferida a decisão de aplicação da coisa, ter entretanto sido alterada a interpretação legal da Administração Tributária acerca do tipo de ilícito ou até as directrizes de graduação das coimas) que poderiam levar a diferente resultado.

12) A decisão recorrida é também incompreensível à luz dos direitos de defesa que para os arguidos representa o próprio recurso a tribunal.

13) Com efeito, não estando o Sistema de Contra-Ordenações (SCO) programado para operar a suspensão prevista no art. 55º-1/b do RGIT, o processo de contra-ordenação chega até à fase da decisão e, sendo esta proferida, resta ao arguido, no caso de com ela não concordar, a sua impugnação através de recurso, sob pena de, não o fazendo, transitar em julgado aquela decisão de aplicação de coima e o contribuinte, no caso de a reclamação ou a impugnação deduzidas virem a ser julgadas procedentes, ter de apresentar recurso extraordinário de revisão.

14) Todavia, a ser seguido o entendimento vertido na decisão ora recorrida – ou seja, o de que, apesar de a AT ter incorrido na irregularidade consubstanciada na não suspensão do processo de contra-ordenação legalmente imposta, a mesma se sanaria se o contribuinte não viesse a deduzir reclamação graciosa ou impugnação judicial das liquidações –, nem o recurso aos tribunais seria bastante para obrigar a AT a cumprir o legalmente determinado.

15) Na verdade, a AT não teria sequer de se preocupar em suspender a progressão do processo no SCO quando o mesmo legalmente tivesse de estar suspenso, pois das ilegalidades decorrentes da omissão desse dever resultariam benefícios para si, com os concomitantes prejuízos para o contribuinte, e sem que os tribunais censurassem essa ilegalidade com a anulação das decisões prevaricadoras.

16) No recurso por ela interposto da decisão de aplicação de coima impugnada, a Recorrente invocou ainda a violação do art. 79º-1/b do RGIT, decorrente da contradição existente entre a descrição sumária dos factos e as normas violadas e punitivas.

17) Todavia, o tribunal a quo, depois de concluir que “a descrição sumária dos factos não foi concretizada da melhor forma”, decidiu julgar improcedente o alegado pela Recorrente, uma vez “que a arguida, com os elementos que constam das decisão recorrida /…/ ficou em condições de se poder defender convenientemente [o que, aliás, fez com o presente recurso]”.

18) Ao ter concluído como concluiu, a Sentença recorrida incorreu em outro erro de direito, também ele manifesto, decorrente de uma errada interpretação e aplicação do disposto no art. 79º-1/b do RGIT.

19) Com efeito, os requisitos constantes neste dispositivo legal, designadamente, a exigência de a decisão de aplicação de coima conter a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas, visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados.

20) Se a decisão de aplicação da coima for contraditória, tal obsta a que um normal cidadão consiga alcançar o conteúdo e sentido da sua condenação, isto é, que o mesmo consiga alcançar por que factos é que está a ser censurado o seu comportamento e que critérios é que presidiram à graduação da coima que lhe foi aplicada, não se podendo falar de uma decisão em que tenham sido afastadas quaisquer dúvidas fundadas do arguido sobre todos os pontos do acto que o afecta.

21) Por esse motivo, e contrariamente àquele que foi o entendimento do tribunal a quo, da manifesta contradição existente entre a descrição sumária dos factos e as normas violadas e punitivas constantes na decisão de aplicação da coima impugnada, a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT