Acórdão nº 02857/06.2BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 21 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução21 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório – 1 – A………………, LDA, com os sinais dos autos vem interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13 de janeiro de 2022 que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do TAF do Porto que, com fundamento em duplicação de coleta, julgara procedente oposição à execução fiscal, revogando a sentença recorrida e julgando improcedente a referida oposição.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: i.

O presente recurso tem por objecto o acórdão, de 13-01-2022, decidiu do recurso apresentado pela Fazenda Pública apresentado da sentença proferida em 1.ª instância que havia julgado procedente a oposição, em que, determinando oficiosamente a alteração da decisão factual, entendeu revogar a decisão da primeira instância, julgando improcedente a oposição, a propósito de um julgamento de direito que não esteve na base da decisão da primeira instância e no que, com o respeito que é devido, incorreu em erro de julgamento, por violação das disposições legais aplicáveis (erro na aplicação da lei).

ii.

Daqui decorre, desde logo, que não está em causa uma decisão proferida em 2.ª Instância que haja confirmado a decisão de 1.ª Instância – pelo que não ocorreu, no caso, dupla conforme, pelo que ao abrigo do disposto no art. 671.º n.º 1 do CPC ex vi art. 281.º do CPC, cabe recurso de revista do acórdão proferido pelo TCAN.

De todo o modo: iii. Ainda que assim não se entendesse, sempre seria admissível recurso de revista excepcional no caso dos autos, nos termos do disposto no art. 672.º n.º 1 a) e b) do CPC ex vi art. 281.º do CPC, por se estar perante, por um lado, (i) uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito e, por outro lado, (ii) por estar em causa interesse de particular relevância social.

iv. É que, está em causa a apreciação do que corresponda a “duplicação de colecta”, conceito que não vem directamente definido na lei, o que se compreende por a respectiva previsão na ordem jurídica já resultar da sua natureza confiscatória e atentatória de princípios basilares do Direito fiscal, como o da justiça fiscal e da tributação segundo a capacidade contributiva (arts. 103.º n.º 1 e 104.º nº 2 da CRP e arts. 5º nº 2 e 4º nº 1 da LGT).

v. A duplicação de colecta vem expressamente prevista na lei como fundamento da oposição à execução, na alínea g) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT e previsto no art. 205.º n.º 1 do mesmo diploma, ali não consta a definição de quais sejam os elementos caracterizados daquele instituto e, independentemente do prisma em que pretenda preencher aquele conceito de duplicação de colecta [como fundamento de oposição (inexigibilidade) ou fundamento de impugnação (ilegalidade)], o respectivo preenchimento e, portanto, a interpretação do conteúdo do art. 205.º do CPPT terá sempre de ser efectuado à luz dos princípios basilares de direitos fiscais de que aquela figura decorrer, concretamente, da aplicação desses princípios basilares do Direito fiscal como da justiça fiscal e da tributação segundo a capacidade contributiva (como também dos princípios da proporcionalidade, adequação, tributação do rendimento real), pelo que é manifesta a especial necessidade de aferição dos requisitos para a consideração da verificação da duplicação de colecta como fundamento quer de inexigibilidade quer de ilegalidade da liquidação, tendo em vista a melhor aplicação do Direito, atenta a relevância jurídica da questio decidendi, e não havendo previsão expressa de quais sejam os elementos definidores daquela figura, a apreciação judicial dessa matéria reforça a sua evidente relevância jurídica.

vi. Por outro lado, pelas mesmas razões, estando em causa no presente recurso aferir dos elementos definidores de duplicação de colecta, necessariamente decorrência dos referidos princípios basilares de Direito fiscal em que aquela se funda, para mais no âmbito da liquidação de IRC a sociedades sob o regime de transparência fiscal – em que os rendimentos da sociedade, ou dos sócios obtidos por via da sociedade profissional, devem ser tributados, nos termos da lei, na respectiva esfera pessoal em sede de IRS, é também manifesto que está em causa no presente recurso uma questão de particular relevância social, até por ser passível de ter aplicabilidade numa multiplicidade de casos, mormente quanto à sujeição ao regime de transparência fiscal.

vii. Efectivamente, como se verá, o que está subjacente à decisão recorrida é a ideia de a duplicação de colecta só teria relevância jurídica na circunstância em que correspondesse a uma duplicação de colecta em toda a extensão da liquidação dada à execução e, portanto, que a duplicação de colecta apenas parcial não determinaria a inexigibilidade (também parcial) do tributo dado à execução, ou seja, que a duplicação de colecta parcial não teria consequências jurídicas para a obrigação de pagamento do imposto na parte/proporção em que, reconhecidamente, ocorre duplicação de colecta.

viii. Os requisitos materiais da revista vêm, tal como foram recortados no Acórdão deste STA, de 07.05.2012, Processo n.º 0478/12 (tal como se deixara analisados nos pontos 20. a 25. das alegações supra), verificam-se no caso dos presentes autos, na medida em que, na perspectiva da Recorrente, se verifica uma clara dissonância entre o decidido no Acórdão recorrido e a Jurisprudência, em sinal contrário, quanto à mesma temática – sendo que, para além do acórdão recorrido, inexiste tomada de posição na jurisprudência administrativa fiscal – e, por outro lado, está em causa a definição dos critérios materiais para a duplicação de colecta com fundamento de ilegalidade do acto tributário – cujo escrutínio em última instância cabe, precisamente, a este Supremo Tribunal Administrativo.

ix. Deste modo, e conforme se verificará com maior detalhe, o presente recurso de Revista fundamenta-se na violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da adequação, da justiça fiscal, da tributação do rendimento real e da capacidade contributiva (arts. 103.º n.º 1, 104.º n.º 2, da CRP, 5.º n.º 2 e 4.º n.º 1 da LGT), estando, portanto, verificados os requisitos de admissibilidade do presente recurso como revista (art. 671.º n.º 1 do CPC) bem como de revista excepcional (art. 672.º n.º 1 a) e b) do CPC).

Vejamos agora detalhadamente a matéria sob apreciação: x. Está em causa no presente recurso o acórdão em que – julgando, diversamente da 1.ª Instância – depois de alterada oficiosamente a decisão factual, revogou a decisão recorrida e julgou improcedente a oposição, pelo que o acórdão recorrido começou por aditar factos provados e não provados à decisão factual, o que fez nos termos seguintes (transcrevendo-se apenas a factualidade aditada): «Aditam-se à matéria factual os seguintes pontos, por nos autos constarem elementos que o comprovem: Factos provados: 1.A) – A liquidação mencionada em 1., foi efetuada oficiosamente, em 2001, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 83.º do CIRC, por falta de entrega da declaração de rendimentos para o exercício de 1996 - cfr. fls. 20, 30 e 37 do suporte físico dos autos, aqui reproduzidas; 6. - O sócio da Oponente, B………….., apresentou declaração de rendimentos, conjunta, respeitante ao ano de 1996 – cfr. fls. 16, 31, 32 e 38 do suporte físico dos autos, aqui dadas como reproduzidas; 7. – O sócio B………………., declarou no anexo C1, da declaração de IRS referente ao ano de 1996, o montante de € 3.395,58, a título de lucros da sociedade oponente – cfr. fls. 31, 32 e 38 do suporte físico dos autos, cujo teor se dá por reproduzido; 8 – Na sequência da Declaração de IRS relativa ao ano de 1996, referida nas alíneas precedentes, verificou-se haver lugar a reembolso no valor de 43.833$00 – cfr. fls. 16 dos autos, aqui reproduzidas.

Factos não provados: A – O sócio C………………… entregou declaração de IRS referente ao ano de 1996 – [Para prova deste facto não foi junta qualquer prova que o sustentasse. Na verdade, a Oponente para prova desta factualidade juntou o aviso/ notificação de reembolso relativamente ao outro sócio (documento 2 junto com a PI), documento que não se mostra idóneo para a demonstração da factualidade invocada. Por outro lado, decorre do sistema de consultas do conteúdo das declarações de IRS, junta a fls. 35, e da informação prestada a fls. 38 que o sócio C…………… não entregou a declaração de IRS do ano de 1996]; B) A Oponente comunicou à Administração Tributária e Aduaneira (AT) os rendimentos auferidos pelos seus sócios pagos pela Oponente, nomeadamente do seu sócio C……………... [Para prova deste facto a Oponente juntou cópia do Modelo relativo a Retenções na fonte (doc. 1 junto com as alegações apresentada nos termos do 120.º do CPPT), onde consta identificado como titular dos rendimentos o sócio C……………., todavia, não existe qualquer prova da sua apresentação junto da AT, designadamente prova da sua entrega, com carimbo de recebimento daquela entidade, ou do seu envio, por qualquer meio. Daí que o referido documento não tem a suscetibilidade para a demonstração da factualidade alegada].» (sic pág. 8 e 9 do acórdão recorrido).

xi. Em suma, olhando à decisão factual julgada provada, primeiro em primeira instância e, depois, pelo Tribunal recorrido, está em causa nos autos, comprovadamente: a. uma sociedade sob regime de transparência fiscal [facto provado 5) da decisão factual cristalizada pelo acórdão...

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