Acórdão nº 742/21.7BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução15 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acórdão I- Relatório R………………., veio na qualidade de legatário e testamenteiro de sua tia, M ……………………, deduzir reclamação, ao abrigo do preceituado nos artigos 276º e ss. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra o despacho da Directora Geral das Finanças, datado de 15.11.2021, que determinou, por referência ao período compreendido entre 1 de Janeiro de 2013 a 14 de Julho 2014, o levantamento do sigilo de todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou de instituições de crédito portuguesas da titularidade de sua tia, que faleceu em 14.7.2014.

Em sentença datada 31 de Janeiro de 2022, constante a fls. 91 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou-se incompetente, em razão do território, para conhecer da presente acção administrativa comum, atribuindo essa competência ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja.

Neste tribunal, por sentença proferida a fls. 117 e ss. (numeração em formato digital – sitaf), datada de 5 de Abril de 2022, a presente reclamação foi julgada improcedente.

Desta sentença foi interposto o presente recurso em cujas alegações de fls. 237 e ss.

(numeração do processo em formato digital - sitaf), o recorrente, R ………………….., alegou e formulou as conclusões seguintes: A. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida nos autos, que decidiu o recurso apresentado contra a Decisão de Derrogação de Sigilo Bancário, pelo período de 1.1.2013 a 14.7.2014, proferida pela AT sobre contas bancárias de I……… ……., que faleceu em 14.7.2014.

  1. Esta Decisão foi proferida no âmbito de um procedimento de inspeção instaurado ao Recorrente, que é sobrinho da titular das contas visadas na Decisão de derrogação.

  2. Por manifesto erro na apreciação dos factos, o Tribunal a quo entendeu que as contas bancárias objeto da Decisão de derrogação seriam apenas aquelas em que o Recorrente era cotitular, mas tal não corresponde à verdade, pois esta Decisão é muito clara quanto à incidência sobre todas as contas bancárias de I………. ….

  3. Este erro manifesto consta por diversas vezes da fundamentação da sentença recorrida (págs. 90, 91 e 97), e surge também no parecer da DMMP (p. 7), tendo tido um papel preponderante para o sentido da sentença sub judice, pois tal erro não permitiu ao Tribunal a quo perceber que se tratava de contas bancárias de um familiar/terceiro em relação ao sujeito passivo inspecionado, em relação ao qual a derrogação tem critérios formais bastante mais exigentes.

  4. O Recorrente apresentou a p.i. em nome próprio, conforme prerrogativa prevista no artigo 146.º-B, n.º 3, do CPPT, e não foi notificado, presume-se que por lapso da secretaria, da oposição da AT nos autos, onde terão sido alegadas exceções.

  5. Tal configura, salvo melhor entendimento, uma nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório ao abrigo do artigo 195.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi, artigo 2.º do CPPT, pois, embora tais exceções tenham sido julgadas improcedentes pelo Tribunal a quo, a verdade é que a falta de pronúncia pelo ora Recorrente influiu na decisão da causa, uma vez que o Tribunal a quo, confundindo os temas, acaba por não se pronunciar sobre um dos vícios expressamente invocados pelo ora Recorrente na p.i..

  6. O Recorrente invocou a preterição de formalidade essencial, consubstanciado na falta de notificação para o exercício do direito de audição previsto na 2ª parte do n.º5 do artigo 63.º B da LGT, não tendo o Tribunal a quo abordado – e muito menos decidido – esta questão.

  7. Com efeito, o Tribunal a quo parece ter confundido a invocação deste vício de preterição de formalidade essencial, consubstanciada na falta de notificação para o exercício de direito de audição prévia por parte da AT (invocado nos parágrafos 9 a 35 da p.i.), com uma pronúncia relativa a uma exceção de preterição de litisconsórcio ativo necessário, que terá sido invocada pela AT nos autos, tendo decidido este último tema mas não a primeira questão I. O Recorrente invocou também outra preterição de formalidade essencial, consubstanciado na decisão de derrogação do sigilo bancário de I…………… fora de um procedimento de inspeção referente ao ano de 2013, uma vez que a AT só instaurou um procedimento inspetivo para o ano de 2014 (cfr. parágrafos 36 a 40 da p.i.).

  8. Quanto a esta ilegalidade invocada pelo Recorrente, suscetível de anular o ato administrativo recorrido, o Tribunal a quo não profere qualquer decisão, nem faz qualquer referência.

  9. Ora, visando a presente ação a anulação da Decisão, designadamente, por ilegalidade decorrente do incumprimento da obrigatoriedade de notificação dos herdeiros/legatários, enquanto sucessores dos direitos do terceiro visado da derrogação do sigilo bancário, bem como por ilegalidade decorrente da inexistência de uma inspeção tributária para o ano de 2013, impunha-se que o Tribunal a quo proferisse decisão quanto a estas questões.

    L. Termos em que se conclui pela nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, impondo-se a sua anulação, nos termos do disposto no artigo 125.º, n.º 1, do CPPT, o que se requer.

  10. Caso se considere que a sentença não é nula (o que apenas se admite por dever de patrocínio), ainda assim deverá ser anulada a Decisão, por preterição de formalismo essencial, uma vez que não foram notificados para exercer o direito de audição prévia todos os legatários da titular das contas, conforme obrigava o artigo 63.º-B, n.º 5, da LGT, atendendo a que o direito à intimidade da vida privada não se enquadra na administração ordinária da herança.

  11. A AT parece convencida que basta ter notificado o testamenteiro para exercer esse direito, mas tal não procede, bastando ter em conta quais os deveres do testamenteiro nos termos da lei aplicável.

  12. A AT resolveu notificar apenas o testamenteiro porque o mesmo é familiar da terceira visada da derrogação do sigilo bancário e – ademais – é o contribuinte inspecionado.

  13. No entanto, esta confusão é particularmente gravosa, se tivermos em conta que os testamenteiros podem perfeitamente ser terceiros contratados e até remunerados, não tendo os mesmos qualquer relação pessoal com o falecido, muito menos estando capazes (e aí sim, sem qualquer interesse em agir) para defender direitos fundamentais de personalidade do falecido.

  14. Até porque o testamenteiro cessa as suas funções com a execução do testamento, esvaziando-se aí as suas funções.

  15. Deste modo, mesmo que se considerasse que não tinham de ser notificados todos os herdeiros/legatários para o exercício de direito de audição prévia, sempre se impunha a conclusão de que não seria, como pretende o Tribunal a quo, o testamenteiro a pessoa legítima para ser notificada da Decisão de Derrogação do Sigilo Bancário de I………………...

  16. Resulta da vasta jurisprudência cível que todos os herdeiros deveriam ter sido notificados para exercer o direito de audição, e não o foram. Ou, caso assim não se entenda, deveria a AT ter notificado os herdeiros/legatários a quem foi legado os montantes depositados nas contas bancárias, ao invés do testamenteiro.

  17. Em face do exposto, deve a sentença ser revogada na integra e anulada a Decisão por preterição de formalismo essencial.

  18. Uma interpretação dos artigo 63.º a 63.º-B da LGT, segundo a qual as contas bancárias da titularidade do de cujus não merecem a tutela do sigilo bancário enquanto protecção da reserva íntima da vida privada, após a morte do titular, não ficando a AT obrigada a seguir o procedimento aí previsto, nomeadamente não notificando todos os herdeiros/legatários para exercer o direito de audição previsto no n.º 5 desta norma, é manifestamente inconstitucional, por violação do direito de personalidade consubstanciado na reserva sobre a intimidade da vida privada.

    V. Mas mesmo que assim não se entenda, deverá a Decisão ser anulada pois abrange o sigilo bancário referente ao ano 2013, quando não foi aberta uma inspeção para esse ano.

  19. A Decisão refere que foi proferido um Despacho n.º DI………. de 06.05.2021, ao abrigo do qual terá sido determinada a “consulta, cruzamento e recolha de elementos referentes ao ano de 2013” do ora Recorrente.

    X. Sucede que este Despacho nunca foi notificado ao Recorrente (quer na sua qualidade de inspecionado, quer na sua qualidade de testamenteiro), facto alegado pelo Recorrente, não tendo o mesmo sido contestado pela AT. No entanto, o Tribunal a quo não o dá como provado ou não provado, pois nunca se debruça sobre este tema, pelo que se requer o seu aditamento ao rol de factos provados, nos termos do CPC, aplicável ex vi artigo 2.º do CPPT.

  20. Ora, se a AT sentiu a necessidade de aceder a informação coberta pelo sigilo bancário referente a 2013 de um terceiro, então tal significa que a ação de inspeção não tem apenas por objeto a “consulta, cruzamento e recolha de elementos”, sob pena de se considerar que esta expressão abrange, afinal, todo o tipo de inspeção.

  21. Desta forma, o acesso a informação bancária coberta pelo sigilo decidida ao abrigo de um mero Despacho que determina a “consulta, cruzamento e recolha de elementos”, é ilegal, devendo ser revogada a sentença e anulada a Decisão por preterição de formalismo essencial.

    AA. Mas mesmo que assim não entenda, o que somente se equaciona, sem conceder, por cautela de patrocínio, deverá a sentença recorrida ser anulada por enfermar de erro de julgamento da matéria de direito.

    BB. Com efeito, a AT está a diligenciar com base num pressuposto incorreto, uma vez que confunde o contribuinte alvo do procedimento de inspeção tributária – Recorrente -, com a contribuinte titular das contas cujo sigilo bancário determinou derrogar – I…………….- e que alegadamente fez transmissões gratuitas sujeitas a Imposto do Selo.

    CC. Com efeito, sempre se dirá que, de acordo com a argumentação apresentada pela AT, se I ……………. terá, em vida, efetuado transmissões gratuitas que alegadamente não sujeitou a Imposto do Selo ou se auferiu rendimentos que não...

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