Acórdão nº 690/22.3BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 15 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução15 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I-RELATÓRIO P...

(doravante Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a derrogação do sigilo bancário deduzida contra a decisão da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA), proferida em 11 de novembro de 2021, que autorizou o acesso a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem: “I - A interposição do presente Recurso visa sindicar (apelar a Roma melhor informada) a bondade da decisão plasmada na Sentença Recorrida, que entendeu estender a mão ao Fisco, através do “Amen”, validando assim a sua actuação ilegal e merecedora de censura.

II - Para tanto e na sua ânsia e sofreguidão de acudir à tese peregrina do Fisco, o próprio Tribunal violou o princípio do contraditório, ao decidir questões de facto e/ou de direito sem dar conhecimento às partes ou a possibilidade de sobre eles se pronunciarem.

III - Que foi exactamente o que aconteceu ao fixar, autoritária e unilateralmente, o valor da causa sem a pronúncia prévia do Recorrente e das suas razões.

IV - Aliás o mesmo se diga da fulminante decisão surpresa, violando o mesmo princípio, ao desprezar e postergar a demais prova processual invocada e produzida pelo Recorrente.

V - As referidas omissões, voluntárias ou involuntárias, são uma violação do ritualismo processual, o que é fulminada com a nulidade da Sentença, já que consubstanciam a violação das garantias da imparcialidade e independência, impossibilitando o correcto funcionamento do direito de defesa que assiste ao Recorrente (proibição de indefesa).

VI - Além disso a Sentença Recorrida também cometeu um grave erro de julgamento ao ter dito o que realmente pretendia, mas decidiu mal, não só porque decidiu contra-legem, mas também quanto aos factos apurados.

VII - Porquanto não reconhecer a ocorrência de uma preterição de uma formalidade essencial (maior que a Torre de Belém), caracterizada pela intempestividade assacada à decisão administrativa da derrogação do sigilo bancário, a qual teria, forçosamente, nos termos da lei, de ser notificada no prazo de 30 dias após a sua prolação, o que viola o Art.º 63.º-B, n.º 4, da LGT.

VIII - Também a mesma Sentença ao não reconhecer que aquela mesma decisão administrativa carecia da menção expressa dos fundamentos, ou seja, a mesma deveria carrear as razões de facto e de direito que justificam a pretendida derrogação, como impõe a referida disposição legal.

IX - E ao não ter decidido assim, entendeu, não só que o legislador fiscal, menos avisado e de certa maneira apoucadinho, não soube consagrar ou verter em lei as soluções mais acertadas, como também não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, para além de ter minimizado e desvalorizado as opiniões dos ilustres tratadistas e processualistas antes identificados, que pelos vistos não sabem o que escrevem e os seus manuais são autênticas ratoeiras para os utentes.

X – Por fim a Sentença Recorrida também sofre de nulidade, pois pecou por excesso de pronúncia ao exceder os seus poderes de cognição, ousando pronunciar-se sobre factualidade não limitada ao período em causa, ou seja, só quanto ao ano de 2018, que era o exercício para que o Fisco estava autorizado.

XI - Além da patente e ostensiva errada aplicação da matéria de facto e de direito constante dos autos, a qual se fosse apreciada criteriosa e conjugadamente não levaria a solução jurídica abraçada na Sentença.

XII - Razão pela qual a Sentença Recorrida deve ser revogada, face aos indicados vícios de violação da lei e aos vícios de forma de que a mesma padece e que fulminam a decisão plasmada na mesma.

Assim, nestes termos, e nos demais de direito que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser considerado procedente e provado e por via dele, deve ser revogada a douta Sentença Recorrida.

Como é de Justiça.” *** A Recorrida devidamente notificada contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma: “i) Inconformado com a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, que julgou improcedente o recurso, e em consequência absolveu a entidade Recorrida do pedido, vêm o Recorrente interpor recurso para esse Venerando Tribunal alegando em síntese que Que o Tribunal violou o princípio do contraditório ao fixar unilateralmente o valor da causa sem a pronuncia prévia do Recorrente; que o Tribunal violou o princípio do contraditório ao desprezar e postergar a demais prova processual, violando as garantias de imparcialidade e independência impossibilitando o direito de defesa do Recorrente; que a sentença cometeu erro de julgamento tendo decidido contra legem ao não ter reconhecido a intempestividade assacada à decisão administrativa, por o Recorrente não ter sido notificado no prazo de 30 dias, nos termos do disposto no n.º 4 do Art.º 63.º -B da LGT, invocando ainda a nulidade da sentença por excesso de pronuncia ao exceder os poderes de cognição pronunciando-se sobre factualidade não limitada ao período em causa, ou seja só quanto ao ano de 2018.

ii) Em sentido contrário, entende a entidade aqui Recorrida que o douto Tribunal “a quo” fez uma exacta apreciação dos factos e correcta aplicação do direito, maxime das normas legais aplicáveis, razão pela qual deverá ser mantida a douta sentença proferida.

iii) Suscita o Recorrente que a sentença enferma de nulidade por violação do princípio do contraditório, assentando a sua pretensão no fundamento de que a sentença fixou unilateralmente o valor da causa sem a pronuncia prévia das partes.

iv) Todavia, os argumentos invocados pelo Recorrente são claramente infundados e descabidos desde logo porque a sentença recorrida escorou que nos termos do Art.º 31.º, n.º 4 do CPTA aplicável ex vi alínea c) do artigo 2.º do CPPT, o valor da causa foi fixado em € 30.000,01 por aplicação conjugada do Art.º 34.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, com o Art.º 6.º, n.º 3 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, artigo 44.º, n.º 1 da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, e Art.º 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT.

  1. O contraditório consagrado no n.º 3 do Art.º 3.º do CPC, trouxe uma noção mais lata de contraditoriedade, com origem na garantia da participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influirem em todos os elementos (factos, provas questões de direito) que se encontram em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão, e implicando facultar sempre às partes a oportunidade de antes da decisão ser proferida, se pronunciarem sobre qualquer questão que as possa afectar e que ainda não tenham tido a possibilidade de contraditar, mesmo que sejam questões de direito e que sejam de conhecimento oficioso.

    vi) Como se refere no Acórdão proferido por esse Venerando Tribunal proferido no âmbito do Proc. n.º 1564/12.1BEBRG, de 12.04.2013 o qual refere que “Por conseguinte, o escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência no sentido positivo do direito de influir positivamente, no desenvolvimento e no êxito do processo [neste sentido confirmar Lebre de Freitas in Introdução ao Processo Civil conceitos e Princípio Gerais à luz do Código revisto, 1996, pag. 96]. Daí que mesmo relativamente a questões de direito, a norma proíba, as decisões surpresa, ou seja, decisões baseadas em fundamento que não tenha sido considerado previamente pelas partes, enquanto violadora do princípio do contraditório – conforme aliás, o Supremo Tribunal de Justiça tem tido oportunidade de afirmar, nos acórdãos de 18.11.1999, Proc. n.º 791/99, de 16.02.2000 Proc. n.º 732/99, de 05.12.2000, Proc. n.º 3247/00 e de 05.07.2001 Proc. n.º 2038/01”. (destacado nosso).

    vii) É neste contexto que se justifica e compreende que nenhuma decisão deve ser tomada pelo juiz sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade à parte contra quem é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar, com vista a evitar decisões surpresa.

    viii) Por outro lado, as nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos Art.ºs 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, estando, por seu turno, as nulidades secundárias/irregularidades incluídas na previsão geral do Art.º 195.º CPC, cujo regime de arguição está sujeito ao contemplado no artigo 199.º CPC, pelo que a omissão do exercício do contraditório não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos Art.º 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, sendo certo que a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreve, subsume-se normativamente no Art.º 195.º do CPC, pelo que configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no Art.º 199º CPC.

    ix) Resulta assim de forma clara e evidente que a falta de notificação das partes para efeitos de pronunciar acerca da determinação do valor da causa nunca consubstanciaria uma nulidade processual e muito menos uma irregularidade, porquanto influi na decisão da causa.

  2. Como se entendeu no Acórdão do TCAS proferido no âmbito do Proc. n.º 3/20.9BELRA de 25.06.2020, o qual acerca de idêntica matéria entendeu que “Nos processos sobre acesso a documentação bancária estão em causa interesses não quantificáveis, pelo que será aplicável, subsidiariamente, por força do preceituado no artigo 2º, alínea c), do CPPT, o artigo 34º, nº 2, do CPTA, que estabelece que, quando o valor da causa seja indeterminável, considera-se superior ao da alçada do Tribunal Central...

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