Acórdão nº 12022/20.0T8PRT.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 13 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelFERNANDO VILARES FERREIRA
Data da Resolução13 de Setembro de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

PROCESSO N.º 12022/20.0T8PRT.P1 [Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo Central Cível do Porto - Juiz 6] Relator: Fernando Vilares Ferreira Adjunta: Maria Eiró Adjunto: João Proença SUMÁRIO: ……………………………… ……………………………… ……………………………… ACORDAM os Juízes do Tribunal da Relação do Porto: I.

RELATÓRIO 1.

AA e BB intentaram a presente ação declarativa de condenação em processo comum contra D..., Lda.

Alegaram, em síntese, que no exercício da sua atividade comercial, em 21.08.2019, a R. prometeu vender aos AA. e estes prometeram comprar prédio urbano que identificam, pelo preço de 550.000,00€, tendo para o efeito celebrado contrato-promessa com eficácia real; a R. não pagou aos AA. a importância de 55.000,00€, correspondente ao sinal prestado, na sequência de declaração de resolução do contrato-promessa pelos AA., por carta de 24.02.2020.

Pediram que: - Seja a Ré condenada a pagar-lhes a quantia de 55.000,00€, acrescida de juros à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento; - Seja declarado que lhes assiste o direito de retenção sobre o imóvel prometido vender.

  1. A Ré contestou, por impugnação e por exceção, pugnando pela improcedência da ação.

  2. No seguimento de prestação de caução pela Ré, foi declarada a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de declaração do direito de retenção.

  3. Foi prolatado despacho saneador, que julgou válida e regular a instância, fixou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

  4. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte DISPOSITIVO: [

    1. Julga-se improcedente a presente ação intentada por AA e BB absolvendo-se a R. D..., Lda. do pedido.

    2. Custas da ação pelos AA., art. 527.º do CPC.] 6.

    Inconformados, os Autores interpuseram o presente recurso de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo, versando matéria de facto e de direito, assente nas seguintes CONCLUSÕES:

    1. A douta decisão e a razão da discordância 1.

    Segundo a douta sentença a decisão dos AA de porem termo (resolução) ao contrato promessa é infundada.

  5. Discute-se o sentido e finalidade da cláusula 5ª, nº 3 do DOC 1 da pi - a interpretação da expressão “obter ou providenciar” e se estamos perante uma cláusula de garantia e resolutiva -, tendo o Tribunal a quo considerado inexistir incumprimento definitivo por parte da R que legitimasse a declaração de resolução da promessa por parte dos AA.

  6. Segundo a douta sentença a R “providenciou” pela obtenção da licença de construção e mesmo que da referida cláusula 5ª, nº 3 só constasse a palavra “obter” ainda assim não havia fundamento para a declaração de resolução porque as partes continuaram a interagir, para além do prazo de 90 dias (prazo para obtenção da licença de construção), sem indícios de desistência do negócio pelos AA.

  7. Razão de discordância: a cláusula 5ª nº 3 é uma cláusula resolutiva que nasceu por recomendação da ré - com o acordo dos AA - para evitar que estes desistissem do negócio de aquisição do imóvel.

  8. Nesse sentido, as partes, de comum acordo, estipularam um termo essencial que permitia aos AA desistirem do negócio se decorridos 90 dias sobre a data de celebração da promessa não estivesse emitida a licença de construção do prédio a reabilitar, contra a restituição, em singelo, pela ré, do sinal prestado (e não em dobro, como previsto na Lei).

  9. A cláusula 5ª, nº 3 - convencionada para que os AA na fase pré-negocial não desistissem do negócio, como resulta dos factos provados 25 e 26 - configura uma obrigação de garantia, porque vinculada a uma dupla finalidade: evitar atrasos no início da obra de reabilitação do prédio prometido vender e servir de travão a desvios de preço no custo da empreitada.

  10. Embora os AA pudessem ter posto termo ao contrato promessa decorrido o prazo de 90 dias não o fizeram porque a R, através do Sr. arquiteto CC, assegurou que a licença estava prestes a ser emitida e os orçamentos da empreitada de reabilitação do prédio que ia recebendo estavam em linha/conformes ao preço por si indicado (inicialmente) de 260/280 M€ (a este propósito podem ver-se os factos provados 18, 19 e 20).

  11. A surpresa do enorme desvio do custo de empreitada determinou os AA a resolverem a promessa, sendo que não o fizeram mais cedo porque a R - através do Sr. arquiteto CC - foi “entretendo” os AA com a promessa de que estava prestes a ser emitida a licença de construção e que não havia desvio de preço de empreitada relativamente ao preço que indicara no momento da negociação que antecedeu a celebração do contrato.

  12. A razão pela qual as partes continuaram a interagir após o decurso do prazo de 90 dias não tem outro significado que não seja o de que os AA confiaram na informação do Sr arquiteto CC de que a emissão da licença estava iminente e que não havia desvio quanto ao custo inicial estimado para a empreitada de reabilitação do prédio.

  13. Já depois da resolução operada chegou a má fé: a R, pela mão do Sr. arquiteto CC, alegou que a causa do atraso na emissão da licença e do enorme desvio do orçamento de obra se ficou a dever aos AA que solicitaram várias alterações de material que obrigou a refazer o projeto de especialidades e foi a causa do aumento do preço.

  14. Esta alegação é completamente falsa, como tentaremos demonstrar mais abaixo, e foi impeditiva de se chegar a um consenso, quando foi proposto aos AA uma redução de preço de compra e venda em €:75.000,00, como forma de compensar a diferença de valores do custo da empreitada.

  15. Com efeito, os AA tinham perdido totalmente a confiança no Sr. arquiteto CC - autor do projeto de arquitetura e que iria acompanhar toda a obra de reabilitação - que “montou” e “cavalgou” uma falsidade (pedido de alteração de materiais e do projeto) para justificar o seu comportamento ab initio de acenar com um preço de empreitada já totalmente desconforme com a realidade da obra e dos materiais envolvidos, para convencer os AA (leigos em questões de imobiliária, de projetos e materiais) a adquirirem o prédio.

    1. Objeto do recurso 13.

    O recurso incide sobre o pedido de alteração de respostas a factos provados e não provados e a análise jurídica da cláusula 5ª, nº 3 do contrato promessa de compra e venda, visando sustentar a licitude da declaração de resolução operada pelos AA.

  16. Para o efeito será feita uma análise crítica da motivação/fundamentação dos factos julgados o que permitirá enquadrar os pontos de discórdia e, em articulação com a prova documental, apresentar respostas diferentes das dadas pela douta sentença a quo.

    1. Análise crítica da motivação/fundamentação das respostas dadas à matéria de facto.

  17. Este ponto destaca a parte dos depoimentos que, do nosso ponto de vista, justificariam respostas diferentes das que foram dadas (nos pontos de discórdia).

  18. Para evitar um ainda maior número de conclusões indica-se, o mais sinteticamente possível, o que de relevante disse cada testemunha e os declarantes de parte, remetendo-se os pontos mais relevantes para o corpo das alegações (indicando-se as páginas e os minutos do depoimento que se pretende pôr em destaque), articulando-os com a prova documental.

  19. Começando pelo Sr. arquiteto DD sinaliza-se que esta testemunha tem particular importância pelo facto de ser arquiteto de profissão e ter analisado os projetos de arquitetura e de especialidades dos anos de 2018 e 2019 e demais documentos juntos com a contestação.

  20. O seu depoimento foi credível e dele se pode retirar que a versão da ré não está suportada nos documentos a que acedeu - projetos de arquitetura de 2018 e 1019 e projetos de especialidades de 2018 e 2019, ofícios da Câmara e orçamentos (juntos com a contestação).

  21. A partir da análise que fez é possível concluir que o pedido de alterações de material e do projeto - como causa do enorme aumento do custo da empreitada de reabilitação do prédio - foi uma construção engendrada pelo Sr. arquiteto CC para encobrir o engano em que fez incorrer os AA - que foi determinante para a sua decisão de avançar no negócio - e que teve a ver com a indicação de um custo de empreitada de reabilitação desconforme com a realidade.

  22. Declarou que era plausível um orçamento de 260.000,00/280.000,00 euros desde que os materiais fossem os que constavam do projeto de arquitetura de 2018 (ou, como referiu aos 14m30s, se a reabilitação do prédio fosse uma espécie de “lavar a cara”), mas já não era possível se, como resulta do projeto de especialidades de 2018, a obra previsse uma estrutura em betão (em vez de madeira) e caixilharias duplas (16m38s).

  23. Da análise que fez ao projeto de especialidades de 2018, confirmou que já estava contemplada a estrutura do prédio em betão (em vez de madeira) e a alteração das caixilharias (que passaram a ser em madeira com vidros duplos, o que obrigava à substituição das armações em madeira das janelas existentes por caixilharia nova), o que era incompatível com um custo de obra entre os 260/280M€ (preço que consta dos factos provados 19 e 20).

  24. O que está em oposição com o depoimento da testemunha Sr. arquiteto CC que disse que as alterações foram pedidas, em meados de setembro de 2019, pelos AA.

  25. Em suma, o projeto de especialidades de 2018, já englobava materiais que, na versão (falsa) da ré, foram pedidos pelos AA depois da celebração da promessa de compra e venda (em meados de setembro de 2019, segundo a versão do Sr. arquiteto CC) e que teriam sido a causa principal do brutal aumento do custo de empreitada.

  26. Acresce que o projeto de especialidades de 2018 previa revestimento de azulejos industriais (e não manuais como foi dito em julgamento pelo Sr. arquiteto CC e testemunhas que consigo trabalham) e madeira em contraplacado/MDF (e não maciça como foi dito em julgamento também pelo arquiteto CC e testemunhas que consigo trabalham).

  27. Não obstante estas duas das alterações (azulejos manuais e madeiras maciças), invocadas falsamente pela ré para justificar (também) o aumento do custo da...

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