Acórdão nº 2180/21.BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 08 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelFREDERICO MACEDO BRANCO
Data da Resolução08 de Setembro de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I Relatório S..... – E....., S.A., no âmbito do identificado Processo de Contencioso Pré-Contratual intentado pela E....., S.A., tendo como 1.ª e 2.ª contrainteressada, respetivamente, a M.....-S....., S.A., e T.... – T......., S.A., tendente a obter “a declaração de ilegalidade de disposições constantes da cláusula 5.ª, n.º 7, da cláusula 9.ª, n.º1, al. d), da cláusula 14.ª, n.º2, al. e),” todas do Programa do Concurso Público com Publicidade Internacional N.º CP032021 para a “Prestação de Serviços de Descarga/Carga de Navios a Efetuar Nos Terminais Portuários do Beato e da Trafaria da S..... – E....., SA, em liquidação”, bem como a anulação do “ procedimento concursal em crise nos autos, incluindo o ato de adjudicação do concurso à Multiterminal e o contrato que entretanto tenha sido celebrado”, inconformada com a Sentença proferida em 13 de junho de 2022, através do qual foi julgada procedente a ação, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

Formula a aqui Recorrente nas suas alegações de recurso, apresentadas em 29 de junho de 2022, as seguintes conclusões: “A. A douta sentença julgou procedente a ação e declarou a ilegalidade das disposições constantes da Cláusula 5.ª n.º 7, da Cláusula 9.ª n.º 1 alínea d), que integra o Anexo III, da Cláusula 14.ª n. 2 alínea e), todas do PC, bem como do Anexo IV do PC.

  1. A Recorrente presta serviços de receção, movimentação, armazenagem, expedição e transporte de granéis alimentares, mediante a utilização de infraestruturas de descarga e armazenagem de inegável importância a nível nacional.

  2. A atividade da Recorrente é vital para a alimentação nacional, pelo que o seu desempenho, em termos da qualidade e dos preços da prestação de serviços, é importante, pela repercussão que tem no consumo final.

  3. A Recorrente indicou na contestação prova testemunhal com o objetivo de comprovar estes factos, bem como os que se relacionam com os demais operadores de carga geral que lhe fazem concorrência e podem afetar sobretudo a qualidade do serviço que presta, e que está na base da introdução das regras do procedimento em crise.

  4. A Recorrente presta serviços de receção, movimentação, armazenagem, expedição e transporte de matérias-primas alimentares e produtos conexos, encontrando-se totalmente dependente da contratação de serviços de mão-de obra portuária para a descarga e carga de navios nos terminais portuários da Trafaria e do Beato.

  5. A qualidade da prestação de serviços da recorrente está intrinsecamente dependente da qualidade do serviço de mão-de-obra que contrata, porquanto esta componente faz parte integrante da prestação de serviços de descarga e carga dos cerais dos navios.

  6. A prestação de serviços da Recorrente não é autónoma, porque obrigatória aquisição de serviços de mão-de-obra a entidades terceiras.

  7. As entidades que a recorrente contrata podem exercer uma atividade concorrencial semelhante no mesmo mercado, de descarga e carga de navios, e simultaneamente, prestar serviços de mão-de-obra portuária.

    I. A Recorrente exerce uma atividade concorrencial semelhante no mesmo mercado, de descarga de navios, mas não pode ter serviços próprios de mão de-obra portuária.

  8. Deste modo, a aquisição de mão-de-obra portuária é vital para a Recorrente e condiciona substancialmente o preço e a qualidade do serviço que presta.

  9. A situação antes descrita é, consequentemente, geradora de um conflito de interesses, na medida em que a futura entidade cocontratante, por exercer uma atividade comercial concorrente, pode interferir na atividade da outra, no caso a Recorrente.

    L. Assim não foi entendido na sentença, que considerou não ser aplicável a aludida alínea k), suportando-se em entendimento doutrinal que confina o conflito de interesses quando emergente de uma relação laboral.

  10. Contudo, a realidade empresarial e comercial é muito mais vasta e rica que a admitida neste texto, pois as relações entre as entidades empresariais não se limitam às relações através dos seus trabalhadores, ainda que estes sejam os seus instrumentos.

  11. As entidades empresariais relacionam-se entre si, mas através da atuação dos seus trabalhadores, como instrumentos das tarefas a praticar ou como seus representantes.

  12. Por isso, a alínea k) não pode ser interpretada de modo tão restritivo, pois se o legislador tivesse querido referir-se apenas aos trabalhadores, certamente o teria indicado explicitamente.

  13. Pelo contrário, a referida disposição tem uma redação suficientemente ampla para não permitir que o conceito de conflito de interesses se cinja ao que emerge da relação laboral de um concorrente.

  14. Por isso, as entidades que concorrem com a Recorrente no mercado de descarga e carga de granéis alimentares estão abrangidas por um efetivo conflito de interesses quando passam a prestar simultaneamente serviços de mão-de-obra portuária à recorrente R. Não pode, portanto, considerar-se que o n.º 5 da Cláusula 7.ª fere o princípio da concorrência, sob pena de se ignorar uma efetiva situação de conflito de interesses expressamente consagrada no artigo 55.º do CCP.

  15. O n.º 2 do artigo 75.º do CCP consagrou uma inovação quando passou a admitir que os fatores e os subfactores podem ser estabelecidos em função dos objetivos e das necessidades da entidade adjudicante.

  16. Os objetivos e as necessidades da Recorrente, por relacionados com a interferência da detenção de cais no porto de Lisboa na qualidade do serviço de mão-de-obra prestado, passaram pela inclusão no Programa de Procedimento de uma metodologia de avaliação que aferisse a qualidade das propostas em função da detenção de cais próprio no porto de Lisboa.

  17. Não aceitar que os pressupostos relativos aos objetivos e necessidades da Recorrente têm correspondência na nova redação do n.º 2 do artigo 75.º corresponde a um apego à noção de fatores subjetivos de avaliação de propostas anteriores à reforma do CCP de 2018.

    V. Na verdade, a partir da alteração introduzida no artigo 75.º do CCP o entendimento da avaliação subjetiva ampliou-se, passando a admitir que se adapte aos objetivos e necessidades da entidade adjudicante.

  18. Portanto, o fator B) não é ilegal, nem foi cometida ilegalidade no ato de adjudicação, porquanto, aquele está diretamente relacionado com o objeto do contrato e corresponde, de forma direta, aos objetivos e às necessidades da entidade adjudicante quanto à qualidade da prestação de serviços a praticar pelo adjudicatário durante a execução do contrato.

    Termos em que, por ser dado provimento ao presente recurso, deverá a sentença recorrida ser revogada e, consequentemente, ser declarada (i) a legalidade das disposições constantes da Cláusula 5.ª n.º 7, da Cláusula 9.ª n.º 1 alínea d), que integra o Anexo III, da Cláusula 14.ª n. 2 alínea e), todas do Programa de Concurso, bem como do Anexo IV do PC (ii) não anulado o procedimento concursal, incluindo o ato de adjudicação.” O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 25 de julho de 2022.

    A aqui Recorrida, veio apresentar contra-alegações de Recurso em 20 de julho de 2022, concluindo: “

    1. A S...., ora Recorrente, não se conformou com a sentença proferida pelo TCA de Lisboa nos termos da qual foi julgada procedente a ação proposta pela ora Recorrida e declarada a ilegalidade das disposições constantes da cláusula 5.ª, n.º 7, da cláusula 9.ª, n.º 1 alínea d), que integra o Anexo III, da cláusula 14.ª, n.º 2 alínea e), todas do programa do concurso, bem como do Anexo IV do programa do concurso, e, em consequência, anulado o procedimento concursal, incluindo o ato de adjudicação; b) Para o Tribunal de primeira instância não existiu dúvida absolutamente nenhuma de que as referidas disposições do programa do concurso introduziram restrições intoleráveis ao princípio da concorrência, entre outros, bem como violaram normas fundamentais da contratação pública, como sejam as regras de seleção dos fatores e subfactores que densificam o critério de adjudicação constantes do artigo 75.º do CCP; c) No que respeita ao capítulo “questões prévias” constante das alegações da Recorrente, a ora Recorrida tem a dizer que reconhece e não nega a importância da atividade S.... a nível nacional, mas não entende é o que é que a importância da atividade da S.... tem que ver com as questões de legalidade que são discutidas na presente ação e recurso; d) Sublinhe-se que o setor da movimentação de cargas em Portugal é muito restrito e ainda mais restrito é no porto de Lisboa, sendo muito poucas as empresas licenciadas para movimentar cargas no porto de Lisboa, pelo que a ora Recorrente bem sabia à partida quem estava exatamente a prejudicar e quem estava exatamente a beneficiar com as referidas disposições do programa do concurso; e) No que respeita à Cláusula 5.ª, n.º 7 do PC, esta cláusula estabelece, tal como concluiu o Tribunal recorrido, uma restrição intolerável ao princípio da concorrência; f) As cláusulas de não concorrência só são admitidas em situações excecionais, devidamente justificadas e com fundamento material bastante, não se conseguindo vislumbrar qual o fundamento material bastante, nem qual o interesse público concreto a acautelar através do impedimento em questão; g) Ao contrário daquilo que pretende fazer crer a Recorrente nas suas alegações, não existe qualquer relação de interdependência, interação ou condicionamento entre a atividade de um concessionário, concorrente da S...., e um prestador de serviços da S.... para o exercício da sua atividade, uma vez que a relação jurídica do prestador de serviços é exclusivamente com a S.... e não com os seus clientes; h) Não existe, pois, razão nem fundamento para que tal impedimento tenha sido imposto aos concorrentes, ainda para mais quando é certo e sabido que a única empresa que se encontra nessa situação no porto de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT