Acórdão nº 0217/21.4BEMDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução08 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – A…………. - Empresa de Segurança, S.A., com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela (TAF de Mirandela), em 16 de Julho de 2021, acção de contencioso pré-contratual, contra o Instituto Politécnico de Bragança, em que indicou oito contra-interessados, todos igualmente com os sinais dos autos (entre eles, a B…………..– Vigilância, Lda.), na qual formulou o seguinte pedido: “[…] Termos em que deverá a presente ação ser julgada totalmente procedente, por provada, e, em consequência: 1. Ser declarada a nulidade, ou caso assim não se entenda, decretada a anulação do despacho da entidade demandada que aprovou o relatório final do júri e determinou a adjudicação da proposta da Contra-interessada; 2. Ser a entidade demandada condenada a: a) Praticar ato administrativo que simultaneamente i) determine a exclusão das propostas das Contra-interessadas e ii) adjudique a proposta da Autora; […]».

2 – Por despacho liminar de 16 de Julho de 2021, o TAF de Mirandela julgou verificada a incompetência em razão do território e ordenou a remessa dos autos ao Juízo de Contratos Públicos do TAC de Lisboa; 3 - Por sentença de 9 de Novembro de 2021, o Juízo de Contratos Públicos do TAC de Lisboa julgou a acção improcedente.

4 – Inconformada, a A. interpôs recurso para o TCA Sul, que, por acórdão de 31 de Março de 2022, negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida.

5 – Novamente inconformada com a decisão, a A. interpôs recurso de revista para o STA, tendo o mesmo sido admitido por acórdão de 9 de Junho de 2022.

6 – A Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: «[…] A. O Tribunal Central Administrativo Sul considerou improcedente o recurso jurisdicional interposto da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo Lisboa pela ora Recorrente, por considerar – tal aliás como considerou, em parte, o tribunal de primeira instância – que, por um lado, a matéria fática que a ora recorrente entende que deveria ser dada como assente trata-se de matéria que “se encontram evidentemente arredadas da matéria fáctica a dar como assente” e, por outro, que não há erro de julgamento de direito, porquanto não se mostra violado o artigo 5.º-A da Lei n.º 34/2013 de 16 de maio e, consequentemente, é inaplicável a alínea f) do número 2 do artigo 70.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), não devendo, por isso, proceder o pedido.

B. Em face da decisão recorrida, e do disposto no artigo 150.º, do CPTA, a ora Recorrente pretende ver analisadas duas questões que entende consubstanciar significativa relevância jurídica e, igualmente, se entende ser essencial a apreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo para uma melhor aplicação do direito.

C. No presente caso, o Recorrente entende que o recurso é admissível por estar em causa a necessidade de uma melhor aplicação do direito.

D. A boa interpretação e consequente aplicação do artigo 5.º-A da lei demonstra-se essencial na prossecução do interesse público, tendo tal artigo sido aditado à lei precisamente para dar resposta a uma necessidade que há muito se vislumbrava no setor da segurança privada e, concomitantemente, na própria contratação pública.

E. Já relativamente à matéria fática, a Tribunal a quo entendeu que os artigos 29º, 31º, 33º, 45º, 51, 66º, 68º, 69º e 70º da petição inicial devem estar arredadas da matéria fática a dar como assente uma vez que se trata de meras conclusões sobre factos. A recorrente não pode concordar com tal decisão, uma vez que tais conclusões consubstanciam, efetivamente, factos, factos esses que são essenciais para a boa decisão da causa.

F. Como tal, considerando o Tribunal a quo que a matéria fática que se demonstra essencial na análise de processos com esta causa de pedir não devem constar na matéria fática da sentença mostra-se, a nosso ver, uma clara violação da lei e, concomitantemente, representa uma barreira inultrapassável para qualquer parte que pretenda ver anulado um procedimento que, claramente, viola um preceito legal: o artigo 5.º-A da lei.

G. A Recorrente entende que o acórdão recorrido padece de erro de julgamento ao interpretar tal normativo da forma como o fez e, também, por considerar pura e simplesmente que tal matéria não pode constar dos factos dados como assentes, conforme a ora recorrente se propõe explicar.

H. O Tribunal a quo não faz, sequer, a análise crítica do que é invocado pela recorrente e dos meios de prova em concreto que foram indicados e que implicariam necessariamente uma decisão diferente no que à matéria fática diz respeito.

I. Tratando-se de uma matéria tão específica, em que se trata de apresentação de cálculos para se concluir, ou não, da contratação com prejuízo e consequente existência de causa de exclusão nos termos do artigo 70.º do CCP, a Autora da ação terá sempre que demonstrar os cálculos efetuados e a base dos mesmos para, a final, ver a sua pretensão analisada.

J. O Tribunal, dentro das regras da prova e do respetivo ónus, terá que considerar os factos alegados como provados ou não provados, analisando criticamente as provas, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência, conforme estipula o número 4 do artigo 607.º do CPC.

K. Com o respeito que é devido, não foi efetuado nem pelo Mm.º Juiz do tribunal de 1.ª Instância, nem pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo.

L. Efetivamente, a matéria alegada pura e simplesmente não foi alvo de qualquer análise crítica, limitando-se no douto Acórdão recorrido a expor que tais factos não devem constar da matéria fática por se tratar de matéria conclusiva! M. Concluir que tais alegações não devem constar na matéria fática é, desde logo, impossibilitar qualquer parte a ver o seu petitório ser atendido, uma vez que se trata de factos essenciais e que constituem a causa de pedir, tal como definido na lei processual civil.

N. O Tribunal a quo, com o devido respeito, que é muito, não analisou devidamente a impugnação à matéria de facto alegada pela ora recorrente. Como tal, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento relativamente à matéria fática, uma vez que, ao contrário do decidido, os artigos 29.º, 31.º, 33.º, 45.º, 51.º, 66.º, 68.º, 69.º e 70.º da petição inicial deverão constar dos factos dados como provados.

O. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, uma vez que faz uma interpretação do artigo 5.º -A da lei no sentido totalmente oposto ao que o legislador pretendeu implementar, não tendo em conta, na sua análise, uma perspetiva global e enquadrada na realidade do setor da segurança privada, realidade essa que deu origem à alteração legislativa operada pela Lei n.º 46/2019, de 8 de julho.

P. As empresas de segurança privada passaram a ser expressa e especificamente proibidas de propor preços inferiores aos custos que têm de assumir para prestar determinado serviço.

Q. Em face destes dois novos preceitos legais, é indiscutível que o Legislador pretende: (a) reforçar o impedimento de contratação de serviços de segurança privada com prejuízo, considerando-a uma prática desleal; e (b) responsabilizar solidariamente as entidades contratantes dos serviços pelas ilegalidades cometidas pelas empresas de segurança privada – o que significará que o preço da proposta adjudicada não representa o montante máximo que a entidade adjudicante terá de desembolsar com vista à prestação de dado serviço.

R. Os números 1 e 2 da alínea b) do artigo 5.º-A da Lei n.º 34/2013 estabelece, pelo já exposto, de forma clara e objetiva, uma proibição absoluta de as empresas do setor da segurança privada (e os adquirentes dos serviços) contratarem com prejuízo, prática que qualifica expressamente como “prática comercial desleal”.

S. Em face do novo quadro normativo, não está já em causa a violação das normas legais e regulamentares atinentes aos direitos dos trabalhadores, que a jurisprudência considerava que não resultava diretamente da insuficiência do preço face aos custos estimados, mas sim de uma norma – o artigo 5.º-A da Lei n.º 34/2013 – que proíbe expressamente a contratação com prejuízo na área da segurança privada...

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