Acórdão nº 0304/15.8BELLE de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução07 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

A………………. Consulting – Mediação Imobiliária, Lda., …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Loulé, em 10 de janeiro de 2022, que julgou totalmente improcedente impugnação judicial, apresentada contra ato de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e juros compensatórios, referente ao exercício de 2013, no montante global de € 732.578,15.

A recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: « 1) A sentença recorrida deu como provado que o proveito de 2.505.600,00, recebido pela recorrente em 2013, respeita à sua quota-parte dos serviços prestados à Sociedade B................................. os quais foram concluídos em 2007 (Facto P)).

2) A sentença deu como provado que a sociedade devedora B............................... efetuou o pagamento, em 2007, de apenas 100.000,00, tendo ficado em dívida o valor remanescente (Facto S)).

3) A sentença recorrida deu como provado que, pelo não pagamento dos mesmos serviços, foram interpostas uma providência cautelar de arresto e uma ação judicial de condenação, contra a devedora, ainda em 2007 (Facto T)).

4) A sentença recorrida deu como provado que o valor a receber pela prestação daqueles serviços estava garantido, por garantia bancária à primeira solicitação, prestada pela sociedade devedora, em 26/12/2007 (Facto U)).

5) A lei (Artº 35º (atual 28º-B), nº 3, alínea b), do CIRC, na redação em vigor em 2007) não permite a constituição de provisão sobre o valor do proveito, integralmente coberto por garantia bancária, por não ser considerado, juridicamente, um crédito de cobrança duvidosa.

6) Consequentemente, de acordo com aquele probatório, ao contrário da subsunção jurídica efectuada pela sentença recorrida, é objectivamente impossível qualificar juridicamente o proveito em questão como sendo imprevisível ou manifestamente desconhecido à data de encerramento das contas de 2007, porque naquela data já o seu valor tinha sido reclamado judicialmente (por providência cautelar de arresto e ação judicial de condenação) e encontrava-se garantido por garantia bancária à primeira solicitação.

7) Aplicando o direito, a situação factual dada como provada não permite a sua subsunção jurídica na norma excepcional do artº 18º, nº 2, do Código do IRC, ao contrário do que entendeu a douta sentença recorrida, sendo de aplicar a regra jurídica do artigo 18º, n.º 1 e nº 3, alínea b), do mesmo Código, sendo o rendimento imputável ao exercício de 2007.

8) Por ser referente aos serviços prestados pela recorrente em 2007, o rendimento de 2.505.600,00 tem de ser imputável a esse exercício, independentemente do seu recebimento. Pelo que a AT só teria o direito de proceder à respectiva liquidação adicional do IRC dentro do prazo de caducidade de 4 anos, previsto no artº 45º, nºs 1 e 4, da LGT, ou seja, até 31/12/2011.

9) A regra de especialização dos exercícios constante do artº 18°, n° 1 e n° 3, alínea b), do CIRC, determina que o proveito em causa deve ser imputável ao exercício de 2007 (ano da realização dos serviços). Aquela norma legal não pode ser derrogada com fundamento no princípio da justiça para, com tal fundamento, permitir-se a tributação do mesmo proveito em 2013 (ano do recebimento), muito para além do decurso do prazo legal de caducidade da liquidação estipulado pelo artº 45º da LGT.

10) Ao contrário do que a sentença recorrida presumiu, o proveito em causa não foi dolosamente ocultado pela impugnante. Porque a impugnante registou tal proveito na sua contabilidade, na conta de resultados transitados – 2007. Tal como a inspeção tributária verificou e a própria sentença reconheceu (Cfr. Facto DD) do probatório).

11) Não se comprovando quaisquer indícios em contrário, a responsabilidade objetiva da impugnante na omissão declarativa do seu proveito em 2007, só lhe poderá ser imputada a título de negligência. E não de dolo, como a sentença presumiu, indevidamente.

12) A jurisprudência consolidada do STA, nos casos em que está em causa a aplicação das regras sobre a especialização dos exercícios, constantes do artº 18º do Código do IRC, tem sempre decidido no sentido de anular os atos tributários de que resulte uma tributação materialmente injusta. Mas não vai no sentido da derrogação daquelas regras para legitimar a tributação pretendida pela administração fiscal.

13) Ao contrário do que entendeu a douta sentença recorrida, não decorre do princípio da justiça nem do disposto nos artº 5º, nº 2 e 55º da LGT, que toda a tributação justa tenha de ser imposta aos contribuintes. Nem é esse o sentido da jurisprudência do STA, a qual vai, inequívoca e justamente, no sentido contrário à interpretação adoptada pela sentença recorrida.

14) A interpretação, na douta sentença recorrida, da norma invocada do artº 55º (nem do artº 5º, nº 2) da LGT, no sentido de que a mesma, com fundamento no princípio da justiça nela referido, permite legitimar uma liquidação de imposto, em derrogação das normas do artº 18º do CIRC e do artº 45º da LGT, enferma de ilegalidade por violação destas normas, e de inconstitucionalidade material, por violação dos princípios da legalidade tributária e da segurança jurídica e da protecção da confiança, consagrados nos artºs 103º, nºs 3 e 4 e 266º da CRP e do próprio princípio da justiça, enquanto limite negativo do poder de tributar, e do princípio do Estado de direito democrático, enunciados nos artigos 2º, 13º e 18º, nº 2, também da CRP.

15) Na medida em que a motivação da sentença recorrida invoca a violação do princípio da justiça, que exorbita o fundamento invocado pelos serviços fiscais para procederem à liquidação impugnada, estamos perante um fundamento do ato tributário, que foi eleito “a posteriori” pelo próprio tribunal, o que, num contencioso de mera legalidade, configura um erro de julgamento de direito da sentença recorrida e uma violação do disposto no artº 77º, nº 1, da LGT.

16) Por todo o exposto, a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito, por violação de lei substantiva e por inconstitucionalidade material, pelo que deverá ser revogada e substituída por Acórdão que julgue a impugnação procedente, por provada e, consequentemente, determine a anulação da liquidação impugnada, por ilegalidade. Conforme peticionado.

17) Normas jurídicas violadas pela sentença recorrida: artº 18°, n° 1 e n° 3, alínea b), do Código do IRC e artº 45º, nºs 1 e 4 e artº 77º, nº 1, ambos da LGT. Bem como o princípio da legalidade tributária consagrado nos artºs 103º, nºs 2 e 3 e 266º da CRP e o próprio princípio da justiça e do Estado de Direito Democrático, enunciados nos artºs 5º, nº 2 e 55º da LGT e nos artºs 2º, 13º e 18º, nº 2, da CRP.

Venerandos Conselheiros, Nos termos sobreditos e noutros que V. Exas., doutamente, suprirão, comprovando-se que a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado, não podendo a sentença recorrida manter-se na ordem jurídica, devendo a mesma ser revogada e substituída por Acórdão que julgue a impugnação procedente e, consequentemente, determine a anulação da liquidação impugnada, por ilegalidade, por violação das normas jurídicas acima indicadas.

Com todos os demais efeitos legais.

V. Exas., porém, melhor decidirão, julgando conforme for de JUSTIÇA.

» * Não foi formalizada contra-alegação.

* O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, no sentido de que deve ser negado provimento ao recurso e mantida, na íntegra, a sentença visada.

* Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

******* # II.

Na sentença recorrida, em sede de julgamento factual, consta: « A) A Sociedade A…………….. Consulting - Mediação Imobiliária, Lda, ora Impugnante, iniciou actividade em 04-09-2003, e é tributada segundo o regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA e para efeitos de IRC, segundo o regime geral (cfr. fls. 38 do Documento n.º 004252927 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido); B) Em 20-03-2000, a sociedade C……………….– Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda, celebrou um contrato de prestação de serviços com as sociedades B............................... Investe – Investimento e Urbanizações Turísticas, S.A., D……………..– Actividades Turísticas, S.A., B............................... Mar – Urbanização e Turismo, S.A, B............................... Sol - Empreendimentos Turísticos, S.A., comproprietárias da Herdade do B..............................., para mediar a compra do referido imóvel, o qual tem o seguinte teor: [IMAGEM] (cfr. fls. 10 a 12 do Documento n.º 004644531 dos autos, idem); C) As sociedades comproprietárias da Herdade do B..............................., fundiram-se na sociedade D…………………. S.A. (facto não controvertido); D) Em 12-09-2002, foi celebrado um anexo ao contrato de prestação de serviços, identificado em B) supra, com o seguinte teor: [IMAGEM] (cfr. fls. 1 do Documento n.º 004644530 dos autos, ibidem); E) Em 12-09-2002, foi celebrado um contrato-promessa de compra e venda, entre D……………….– Actividades Turísticas, S.A., como primeira contraente, e E……………., S.A., como segunda contraente, com o seguinte teor: “(…) [IMAGEM] (…)” (cfr. fls. 15 a 30 do Documento n.º 004644531 dos autos, ibidem); F) Em 03-03-2004, foi emitida declaração pela D………………… - Actividades Turísticas, S.A. e B............................... AG, sociedade de direito suíço, com o seguinte teor: “(…) [IMAGEM] (…)” (cfr. fls. 31 do Documento n.º 004644531 dos autos, ibidem); G) Em 19-05-2004, a sociedade B............................... AG, sociedade comercial de direito suíço, na qualidade de cessionária, celebrou com a sociedade D……………. – Actividades Turísticas, S.A., na qualidade de cedente, um contrato de cessão de posição contratual, com o seguinte teor: [IMAGEM] (cfr. fls. 1 a 5 do Documento n.º 004644531 dos autos, ibidem); H) Em 19-05-2004, no âmbito do...

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