Acórdão nº 02428/07.6BELSB 0717/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Setembro de 2022

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução07 de Setembro de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I - Relatório 1 – EDP - Energias de Portugal, S.A., com os sinais dos autos, impugnou no Tribunal Tributário de Lisboa o indeferimento tácito da Reclamação Graciosa apresentada contra a liquidação de IRC respeitante ao exercício de 2002.

2 – Por sentença de 3 de Fevereiro de 2014, o Tribunal Tributário de Lisboa julgou a impugnação parcialmente procedente e anulou a liquidação na parte respeitante ao erro de cálculo que deu como verificado, no montante de €1.090,96.

3 – Inconformada com aquela decisão, a Impugnante recorreu para o TCA Sul, que, por acórdão de 19.02.2015, negou provimento ao recurso. Esta decisão seria ainda complementada com um acórdão de 10.07.2015 que julgou improcedente o incidente de nulidade da primeira decisão.

4 – Igualmente inconformada com o teor do decidido pelo TCA Sul, a Impugnante apresentou neste STA recurso de revista, o qual foi admitido por acórdão de 29 de Setembro de 2016.

5 – Nas alegações que apresentou em sede de recurso de revista, a Recorrente concluiu da seguinte forma: «[…] A. O presente recurso respeita apenas ao julgamento efectuado no que concerne à correcção relacionada com a ‘anulação de provisão para clientes de cobrança duvidosa' (tendo em conta os vários fundamentos do recurso interposto pela Recorrente e analisados pelo Tribunal Central Administrativo Sul) - cfr.

pp. 62 a 67 do acórdão recorrido -, sendo quanto a esta que a Recorrente considera ser necessária a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para corrigir uma sucessão de erros jurisdicionais e com vista a assegurar, de ora em diante, uma melhor aplicação do Direito em matéria tão importante da vida das empresas.

B. A questão submetida à apreciação deste Supremo Tribunal Administrativo no presente recurso de revista consiste em saber se, nos casos em que um contribuinte procede à anulação, por se ter verificado a incobrabilidade dos créditos, de provisão para créditos de cobrança duvidosa anteriormente constituída de acordo com a Lei Fiscal relativa a créditos em mora há mais de dois anos e já totalmente provisionados (anulação efectivada mediante operação neutra para efeitos contabilísticos e fiscais), depende da demonstração em juízo da verificação dos requisitos subjacentes à constituição daquela provisão dois anos antes - vertentes do artigo 35.º do Código do IRC -, os quais nunca foram questionados, ou da demonstração do preenchimento dos pressupostos da consideração imediata de créditos incobráveis como custos, nos termos previstos no artigo 39.º do Código do IRC, que nunca estiveram em causa, tanto mais tendo em conta o previsto no artigo 74.º da LGT, no artigo 100.º do CPPT e no artigo 18.º do Código do IRC.

C. Constitui jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que o recurso excepcional de revista previsto no artigo 150.º do CPTA é admissível no contencioso tributário - cfr.

acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 7 de Janeiro de 2015, emitido no processo n.º 0285/14.

D. De acordo com o disposto no artigo 150.º do CPTA, é admitida revista para o Supremo Tribunal Administrativo das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo em dois tipos de situações: a) quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental; b) quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

E. No caso dos Autos verificam-se ambas as situações descritas.

F. Por um lado, deve considerar-se que se encontra em causa uma questão de importância fundamental, pela sua relevância jurídica, já que a controvérsia possui uma elevada capacidade de expansão que não se esgota na situação individual em apreço.

G. Basta pensar-se na elevada frequência com que ocorrem factos semelhantes aos dos presentes Autos - isto é, no elevadíssimo número de provisões para créditos de cobrança duvidosa que são constituídas e deduzidas para efeitos fiscais pelas empresas portuguesas; nas inúmeras vezes em que aqueles créditos nunca chegam a ser satisfeitos pelos respectivos devedores e que se encontram totalmente provisionados, porque em mora há mais de dois anos, têm de ser anulados pelas empresas simultaneamente com a anulação da provisão anteriormente registada.

H. Não obstante ser uma questão que se levanta em inúmeras situações, a mesma não é tratada pela Lei Fiscal (o que se deve, quer crer-se, ao facto de a mesma não dever produzir efeitos fiscais), o que gera compreensíveis dúvidas hermenêuticas aos actores da relação jurídico-fiscal (maxime fisco e contribuintes).

I. Deste modo, fica assente que a questão ora suscitada possui elevadíssima capacidade de expansão, o que lhe confere a "importância fundamental", a que se refere o n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

J. In casu deve também entender que a admissão da revista se mostra claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito, uma vez que o decidido pelo Tribunal a quo enferma de um erro grave, pressupondo interpretação legal insólita e injustificada, que dá lugar a um resultado juridicamente inaceitável, por duas ordens de razões.

K. Primeiramente, a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul pressupõe que se considere como sustentável a interpretação segundo a qual uma provisão constituída de acordo com a Lei e deduzida para efeitos fiscais em anos anteriores - dedutibilidade que nunca foi posta em causa - só pode ser anulada se se provarem, no ano da anulação, como verificados os riscos de incobrabilidade vertentes do artigo 35.º, n.º 1, do Código do IRC em vigor à data dos factos, crédito a crédito; riscos esses que se materializam no ano da constituição da provisão, i.e., dois anos antes.

L. Seguidamente, a decisão do Tribunal Central Administrativo Sul pressupõe que se tenha como sustentável a interpretação segundo a qual uma provisão constituída de acordo com a Lei e deduzida para efeitos fiscais em anos anteriores - dedutibilidade que nunca foi posta em causa - só pode ser anulada se se provarem nesse ano como verificados os requisitos da incobrabilidade definitiva vertentes do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IRC em vigor à data dos factos, crédito a crédito.

M. Assim sendo, perante o descabidamente ilógico das interpretações vindas de enunciar e o carácter injustificado das mesmas, cedo se constata a necessidade de intervenção deste Supremo Tribunal para uma melhor aplicação das normas legais em apreço, de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.

N. Avançando para a questão objecto de revista e que a Recorrente já acima enunciou, cumpre salientar que a Recorrente alegou, desde o primeiro momento, não ter procedido, em 2002, à consideração imediata de determinados créditos como custos, com base na sua (alegada) incobrabilidade definitiva, situação esta que vem prevista e regulada no artigo 39.º do Código do IRC.

O. Ademais, a Recorrente nunca alegou ter procedido, em 2002, à constituição de provisão dedutível para efeitos fiscais, situação esta regulada artigo 35.º do Código do IRC.

P. Concretamente, em 2002, a Recorrente efectuou uma simples operação contabilística, sem impacto no respectivo resultado, mediante a qual anulou provisão para créditos de cobrança duvidosa registada e deduzida para efeitos fiscais em anos anteriores, com referência a créditos em mora há mais de dois anos, já totalmente provisionados e considerados não recuperáveis, o que se percebe atento o regime de extinção dos créditos da Recorrente, por prescrição, no prazo de 6 meses, como resultado do disposto no artigo 10.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho (Lei dos Serviços Públicos Essenciais).

Q. A provisão em causa foi constituída em 2000, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 35.º do Código do IRC, por existirem determinados créditos, em mora há mais de seis meses, relativamente aos quais as diligências de cobrança encetadas tinham sido infrutíferas.

R. Dois anos volvidos, estando os créditos fiscalmente provisionados a 100% e não tendo sido possível a sua cobrança, procedeu-se à anulação da relevante provisão, tendo-se efectuado um lançamento a crédito numa conta de proveitos, mais especificamente na conta "redução de provisões para créditos de cobrança duvidosa" e um lançamento a débito numa conta de custos, mais especificamente na conta "dívidas incobráveis".

S. Ora, como...

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