Acórdão nº 5/22.0GAPTM-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório.

Nos autos de inquérito que correm termos no Juízo de Instrução Criminal de Portimão -J1 do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, com o n.º 5/22.0GAPTM-A, no qual se investiga a pática do crime de tráfico de estupefacientes, por despacho do JIC, datado de 27.04.2022, foi indeferido o requerimento apresentado pelo Ministério Público de autorização para registo de voz e imagem, com recolha de imagens dos suspeitos e dos consumidores de forma a confirmar as transações e ainda com vista a apurar a identidade do fornecedor, ao abrigo do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro.

Inconformado com tal decisão, veio o Ministério Público interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever: “i. O presente recurso vem interposto no seguimento do despacho proferido pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal, no dia 27.04.2022, no Processo n.º 5/22.0GAPTM, em fase de inquérito, que indeferiu o pedido de autorização de registo de voz e imagem nos termos e com os fundamentos ali expostos.

ii. O presente inquérito teve origem no auto de notícia, através do qual se dá conta que, no dia 22.02.2022, na Escola Básica e Integrada ..., em ..., AA, aluna daquela escola, nascida em .../.../2008 (13 anos de idade), estava na posse de uma beata de cigarro composto por tabaco e cannabis (resina), vulgo “charro”, produto estupefaciente que adquirira no dia anterior a BB, nascido em .../.../1996, na residência deste, sita na Rua ..., ..., em ....

iii. Em acréscimo, no dia 24.02.2022, foi elaborado Relatório de Serviço, pela GNR ..., a relatar que, no âmbito do programa “Escola Segura”, foram recolhidas informações junto da comunidade escolar da sobredita Escola Básica, no sentido de que o mencionado suspeito, BB, fornece produtos estupefacientes, designadamente cannabis, cocaína e ácidos, a CC, nascido em .../.../2007 (15 anos de idade), o qual, por sua vez, abastece alguns alunos dos 7.º, 8.º e 9.º anos, que consumem, nas imediações do recinto escolar.

iv. Nessa sequência, foram iniciadas as diligências de investigação, sendo que das diligências externas efectuadas, durante o mês de Março de 2022, logrou observar-se uma grande afluência de indivíduos à residência do mencionado suspeito, BB, e do seu irmão, DD, existindo indícios de que os mesmos se dedicam à venda de produtos estupefacientes a vários indivíduos (aquele a indivíduos mais jovens, nomeadamente menores) que ali se dirigem, e permanecem por curtos espaços de tempo, nomeadamente após prévio contacto telefónico, a fim de se encontrarem com os mesmos para tal fim.

  1. Acresce que é comum os suspeitos, antes da saída das pessoas que aí se deslocam, espreitarem para ambos os lados da rua, junto à porta da entrada da habitação, cujo acesso é exclusivamente pedonal e estreito, dificultando a vigilância e a identificação destas.

    vi. Ademais, tudo indica que a companheira do suspeito DD, EE, tenha conhecimento, visto que, em algumas das ocasiões em que se dirigiram indivíduos à residência comum, a mesma estava em casa, com os 3 (três) filhos menores.

    vii. Nessa sequência, por se entender que se encontra indiciado o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, e face à necessidade da continuação da realização de diligências externas (vigilâncias) e operações de seguimento aos suspeitos por forma a apurar a identidade do fornecedor, além do registo das tansacções efectuadas com os vários indivíduos que ali se dirigem e que com eles contactam, foi requerida, ao abrigo do disposto no artigo 6.º da Lei n.º 5/2002, de 1101, a recolha de imagens e som, mediante o recurso aos meios técnicos necessários, nomeadamente filmagens de vídeo e fotografia na via pública.

    viii. O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, tem lugar sempre que a ilicitude se mostrar consideravelmente diminuída, em função do desvalor da acção e do resultado, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade ou a qualidade das plantas ou substâncias estupefacientes, como factos-índice a atender numa valoração global, não isolada.

    ix. Dos elementos probatórios carreados para os autos resultam já indícios, e não apenas suspeitas, de que os suspeitos vendem a um indeterminado número de indivíduos quantidades não apuradas de estupefaciente, ou seja, existem já indícios, e não somente suspeitas, de que não estamos perante uma considerável diminuição da ilicitude.

  2. Com efeito, existem indícios seguros de que, pelo menos, o suspeito BB, fornece produto estupefaciente, onde se incluem drogas “pesadas”, a menores– sendo acentuada a sua (deles) tenra idade (13 – 15 anos) –, um dos quais inclusivamente já abastecerá outros menores de idade, pelo que tal suspeito não procederá tão-só à cedência directa de produto estupefaciente, mas com recurso a uma cadeia de distribuição, envolvendo no circuito crianças e jovens menores de idade.

    xi. Nesta senda, não se afigura razoável o enquadramento dos factos investigados num contexto de ilicitude diminuída, menos ainda de ilicitude consideravelmente diminuída, o mesmo é dizer no domínio da desqualificação do ilícito típico ínsito no artigo 25.º do D.L. n.º 15/93, de 22.01.

    xii. Contrariamente à situação de facto subjacente ao douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 08.04.2014, citado no despacho a quo, o registo de voz e imagem não só não constituiu o primeiro meio de obtenção de prova de que se lançou mão no inquérito, como inclusivamente resultam índicos suficientes (e não só suspeitas) de crime de catálogo.

    xiii. S.m.e., encontram-se já verificados os pressupostos requeridos para a recolha de voz e imagem, pelo que a ter acolhimento a posição do despacho recorrido e a seguir-se a metodologia pelo mesmo preconizada, tal meio de obtenção de prova não seria necessário ou muito raramente seria utilizado pelos investigadores, porquanto demandaria que, no inquérito, existisse a prova necessária para imputar ao agente tal ilícito criminal.

    xiv. Somente com o decurso da investigação se poderá apurar, em concreto, a dimensão da actividade investigada, nomeadamente o período temporal, o número de indivíduos a quem foi vendido produto estupefaciente, bem como que tipo(s) de produto(s) estupefaciente e as quantidades vendidas.

    xv. O único critério para aferir da considerável diminuição da ilicitude não consiste no facto de a actividade ilícita constituir o modo de vida do agente do crime, como parece resultar do despacho recorrido.

    xvi. Sem embargo, se assim fosse, e pese embora não constasse do requerimento apresentado pelo Ministério Público, constava dos autos que não era conhecida a um dos suspeitos qualquer actividade profissional lícita, ou seja, os elementos probatórios constantes dos autos indiciavam a conclusão contrária invocada no despacho recorrido para fundamentar a qualificação jurídica dos factos.

    xvii. A apreciação da promoção do Ministério Público, pelo Juiz de Instrução Criminal, terá que incindir sobre todos os elementos probatórios constantes dos autos, sob pena de se esvaziar por completo a competência e funções atribuídas no ordenamento jurídico português a esta Autoridade Judiciária, na fase de inquérito.

    xviii. Salvo o devido respeito, impõe-se ao Mmo. Juiz de Instrução Criminal decidir sobre o promovido e não efectuar sugestões sobre as diligências que devem (ou devem continuar a) ser realizadas e relegar a decisão para momento posterior, como parece resultar do despacho recorrido, visto que o dominus do inquérito e da inerente investigação é o Ministério Público e não o Juiz de Instrução Criminal, cabendo a este decidir apenas sobre o que lhe é promovido/requerido, em tal momento, e, oficiosamente, sobre eventuais nulidades.

    xix. Destarte, s.m.e., o despacho a quo deverá ser revogado, por ter violado o disposto nos artigos 21.º, n.º 1 do Decreto Lei n.º 15/93, de 22.01, 6.º, n.º 1 da Lei n.º 5/2002, de 11.01 e 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, e substituído por outro que, ao abrigo do disposto nos ora mencionados preceitos legais, autorize a captação de imagens e som, nos termos promovidos pelo Ministério Público..” Termina pedindo a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que autorize o registo de voz e imagem dos suspeitos e dos consumidores nos termos solicitados.

    *O recurso foi admitido.

    *A Exm.ª Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação emitiu parecer, tendo-se pronunciado no sentido da procedência do recurso.

    *Atendendo à inexistência de sujeitos processuais afetados pelo recurso – uma vez que os suspeitos não foram ainda constituídos arguidos – não foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP.

    Procedeu-se a exame preliminar.

    Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

    ***II – Fundamentação.

    II.I Delimitação do objeto do recurso.

    Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

    Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

    No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação...

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