Acórdão nº 127/22.8 BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Agosto de 2022

Magistrado ResponsávelFREDERICO MACEDO BRANCO
Data da Resolução25 de Agosto de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I – RELATÓRIO A Federação Portuguesa de Futebol, veio interpor recurso da decisão do Tribunal Arbitral do Desporto, de 04.03.2022, que, por unanimidade, julgou procedente o recurso apresentado pelos Recorridos Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD e M....

, tendo revogado a decisão do Conselho de Disciplina da Recorrente, proferida em 11 de maio de 2021, no âmbito do processo disciplinar nº …..-2020/2021, que condenou os Demandantes nos seguintes termos: “(i) a Sporting Clube de Portugal - Futebol SAD, na sanção de multa de 10.200€, por violação do disposto no artigo 67.° do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional “RDLPFP”) aplicável à data; (i) M...., na sanção de suspensão de 15 dias e, acessoriamente, com a sanção de multa no valor de 3.825€, por violação do disposto no artigo 130.° do RDLPFP aplicável à data.” Nas alegações de recurso que apresentou, culminou com as seguintes conclusões: «(…) 1. . O presente recurso tem por objeto o Acórdão Arbitral proferido pelo Colégio Arbitral constituído junto do Tribunal Arbitral do Desporto, notificado em 4 de março de 2022 que julgou procedente o recurso apresentado pelos ora Recorridos, que correu termos sob o n…. 20/2021.

  1. Em concreto, o presente recurso versa sobre a decisão do Colégio Arbitral em anular a sanção de suspensão de 15 dias e sanção de multa de €2.550, aplicadas ao Recorrido M.... pela prática de uma infração disciplinar de "Declarações sobre arbitragem antes dos jogos e sobre a organização das competições" prevista e punida nos termos do artigo 67º, nº 1 ex vi do artigo 130º, nº 1 ambos do RDLP, e bem assim a sanção de multa de €10.200 aplicada à Recorrida Sporting, SAD, pela prática de uma infração disciplinar de "Declarações sobre arbitragem antes dos jogos" prevista e punida nos termos do artigo 67º, nºs 1, 2 e 3 RDLPFP20, sanções aplicadas pelo Conselho de Disciplina no processo disciplinar n.º 29 - 2020/2021, que correu termos naquele órgão.

  2. Em causa nos presentes autos estão declarações produzidas pelo Recorrido M...., Diretor de Comunicação da Recorrida Sporting, SAD, declarações manifesta e objetivamente aptas a condicionar a atuação de agente de arbitragem já nomeado para jogo oficial, naquele específico contexto, consideradas adequadas a um propósito de questionamento da sua competência e/ou de condicionamento do desempenho da equipa de arbitragem.

  3. Nesse sentido, "na emissão de dia 14 de dezembro de 2020, foi exibido pela Sporting TV o programa Raio X, dedicado essencialmente à análise e comentários do futebol profissional, que contou com a participação do Demandante M...." - cfr. ponto n.9 1 dos factos dados como provados - onde este proferiu, entre outras, as seguintes declarações: O apresentador perguntou o seguinte: «(...) começando, precisamente, então, pela nomeação de T.....: é um árbitro de boa memória, para o Sporting?» M.... respondeu: «Não sei se será de boa memória. O que eu espero, sinceramente, é que o T..... tenha mais sorte no jogo de amanhã do que teve nos últimos dois jogos que teve em frente ao Sporting: um como árbitro e outro como VAR. Árbitro, se não estou em erro, foi um jogo contra o Moreirense, e foi o V..... do jogo do Futebol Clube do Porto que, lembro-me, enfim, não assinalou a entrada violenta do Z..... sobre o P..... e terá revertido, ou pedido para o L.....rever o lance do Z..... com o P....., revertendo, depois, a decisão de penalty e de expulsão. Mas acho que o importante aqui é concentrarmo-nos no jogo e não no árbitro, sinceramente.» 5. À data da emissão do referido programa televisivo/' já era conhecida a equipa de arbitragem e observador de árbitro designados pelo Conselho de Arbitragem para o jogo entre a Sporting Clube de Portugal - Futebol, SAD, e a Clube Desportivo de Mafra - Futebol, SDUQ, a contar para os quartos-de-final da Allianz Cup, que teria lugar no dia 15 de dezembro de 2020" - cfr. ponto n.9 2 dos factos dados como provados, sendo que, "a equipa de arbitragem do referido jogo, "foi constituída por T..... (Árbitro), P.....e F.....(Assistentes); M.....(4.9 árbitro); F.....(V.....) e B.....(A.....)" - cfr. ponto n.º 3 dos factos dados como provados.

  4. Entendeu o Tribunal a quo, em suma, que não deveriam ter sido punidos os Recorridos, porquanto as declarações em crise não são aptas a condicionar a atuação do árbitro nomeado, não sendo assim, aplicáveis as normas previstas nos artigos 67.º e 130.º do RDLPFP 7. O Acórdão recorrido padece de graves erros na aplicação do Direito e na subsunção dos factos ao direito aplicável, com os quais a Recorrente não se pode conformar.

  5. Ora, desde logo, cabe chamar à colação que nos situamos no universo das infrações qualificadas como muito graves pelo RDLPDP, sendo que, o que indica que certas declarações sobre arbitragem, pelo momento em que são proferidas e pelo respetivo conteúdo, representam um grau de ilicitude mais elevado, visando punir-se qualquer crítica ou juízo que coloque em causa a nomeação feita pelo Conselho de Arbitragem e a imparcialidade ou competência técnica do árbitro, independentemente de se tratar de declaração com consideração difamatória, injuriosa ou grosseira.

  6. O bem jurídico protegido pelas normas em crise assenta na natureza e na dignidade da tarefa judicativa que está confiada aos árbitros e na inerente preservação dos poderes de autoridade em que estão investidos, sendo imposto a todos os agentes desportivos um dever de lealdade e retidão para com os árbitros, prevenindo tentativas obscuras de aqueles atentarem àquela autoridade através de práticas suscetíveis de condicionar a atuação da equipa de arbitragem na direção e a tomada de decisões de caráter técnico e disciplinar nos jogos para os quais é nomeada, e bem assim, defender o bom e regular funcionamento da competição procurando assegurar que os valores de respeito entre os adversários e entre agentes desportivos imperem e que, dessa forma, a credibilidade da competição, dos competidores e dos cargos desportivos não seja abalada por afirmações, insinuações ou juízos lesivos desses valores.

  7. Do que se trata é de proteger, não só, os árbitros de pressões ilegítimas, mas acima de tudo, garantir que no futebol subsista e permaneça um ambiente ético e deontológico de fair play, devendo os clubes - e aqui entenda-se, o universo dos seus agentes desportivos - conhecer estas e outras normas, assumindo que dali decorre um compromisso ético e deontológico que nenhum deles deve deixar de cumprir.

  8. O regulador desportivo pretendeu foi segregar e qualificar como muito graves certas declarações sobre arbitragem em função de dois critérios: (i) o momento em que são proferidas - apenas se visa as declarações sobre arbitragem proferidas antes dos jogos e num momento em que já é conhecida a equipa de arbitragem e observadores designados para os jogos que vão ser disputados nas competições profissionais; (ii) e o conteúdo - visa apenas as declarações contendo juízos que ponham em causa a imparcialidade ou competência dos elementos da equipa de arbitragem e observadores já nomeados para um determinado jogo, e bem assim, declarações sobre a nomeação, pelo órgão responsável, desses agentes para tais jogos.

  9. Quando uma pessoa (singular ou coletiva), qualquer que seja, aceita aderir a determinada associação ou grupo organizado, aceita também as suas regras, deontológicas, disciplinares, sancionatórias, etc.

  10. As sociedades desportivas, clubes e agentes desportivos não estão impedidos de exprimir publica e abertamente o que pensam e sentem, estando contudo adstritos, a deveres que os próprios aceitaram determinar e acatar mediante aprovação do RD e RC da LPFP, tendo desde logo o dever de «manter uma conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva" (artigo 19.º, n.º 1, do RDLPFP) e de "manter comportamento de urbanidade e correção entre si, bem como para com os representantes da Liga Portugal e da FPF, os árbitros e árbitros assistentes.» (artigo 51.º n.º 1 do Regulamento de Competições da LPFP), sob o chapéu do que determina o artigo 79.º, com a epígrafe "Cultura física e desporto" da CRP que dispõe: «1. Todos têm direito à cultura física e ao desporto. 2. Incumbe ao Estado, em colaboração com as escolas e as associações e coletividades desportivas, promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto».

  11. A efetivação do direito ao desporto requer tanto medidas especificas...

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