Acórdão nº 1030/19.4T8VCD.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 15 de Julho de 2022
Magistrado Responsável | FRANCISCA MOTA VIEIRA |
Data da Resolução | 15 de Julho de 2022 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Processo n.º 1030/19.4T8VCD.P1 Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO AA, divorciado, NIF ..., residente na ...., na freguesia e concelho de Vila do Conde instaurou acção declarativa sob a forma de processo comum contra BB e mulher CC, cartão de cidadão n.º ..., residentes na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho de Vila do Conde pedindo que a acção seja julgada procedente, por provada, e os Réus condenados a pagar ao Autor a quantia de €.23.500,00 (vinte e três mil e quinhentos euros), acrescidos de juros de mora desde a citação até efetivo e integral pagamento à taxa de juro civil.
Alega o autor, em síntese, que os Réus são casados sem convenção antenupcial. O Autor é empresário e detém uma sociedade em Angola. Entre o Réu marido e o Autor existia uma relação de amizade e confiança, pelo facto de o Réu ser irmão da ex-mulher do Autor e por isso o Autor ajudou o Réu marido quando este passava dificuldades financeiras. O Autor tudo fez para que o Réu marido se estabelecesse em Angola, auxiliou-o a obter um visto de trabalho, tendo para o efeito registado o Réu marido como trabalhador da sua sociedade, elemento essencial para obter o visto de trabalho em Angola. O Réu marido fixou-se em Angola, mas nunca trabalhou para a dita sociedade, pois estabeleceu-se por conta própria.
Entretanto, o Réu marido começou a atravessar dificuldades financeiras e pediu ao Autor que lhe emprestasse dinheiro para fazer face às necessidades familiares em Portugal. Assim, a solicitação do Réu marido, o Autor realizou 15 transferências, no valor total de €.24.850,00 para uma conta bancária titulada por ambos os Réus em Portugal. Dos valores emprestados, o Réu apenas restituiu €.1350,00. Houve interpelação da Ré mulher para pagamento, mas o valor em dívida não foi pago.
Os réus foram válida e regularmente citados e defenderam-se por excepção e por impugnação. A título de excepção invocam a ilegitimidade passiva da Ré mulher e a incompetência absoluta dos Tribunais portugueses.
No mais impugnam a factualidade alegada pelo Autor, defendendo que o Réu marido foi trabalhador de duas sociedades, pelo que não tem qualquer sentido dizer que o Réu marido apenas foi registado como trabalhador apenas com o propósito de o auxiliar no visto de permanência em Angola. Se o objectivo fosse esse, bastava a outorga de um contrato-promessa de trabalho, para além de que o contrato foi outorgado por um ano, quando se o objectivo era fabricar um contrato de trabalho, fazia mais sentido outorgar um contrato sem termo. O Réu marido trabalhou para a sociedade comercial que o Autor detém até Julho de 2018. Todas as quantias recepcionadas na conta dos Réus entre Fevereiro e Julho de 2018, foram a título de retribuição pelo trabalho prestado pelo Réu marido. Os Réus não passavam dificuldades financeiras. O Autor arquitectou esta acção com o propósito de importunar os Réus, em virtude de as relações e amizade terem cessado.
O Autor litiga com má fé, pois deduz pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, alterou conscientemente a verdade dos factos e fez do processo um uso manifestamente reprovável e por isso deve o Autor ser condenado a pagar aos Réus a quantia de €.3000,00 sendo €.2000,00 a título de despesas com o Mandatário e €.1000,00 a título de danos não patrimoniais.
Terminam pedindo que a acção improceda por não provada e que as excepções deduzidas procedam e ainda que o Autor seja condenado como litigante de má fé e, em virtude disso, que seja condenado a pagar aos Réus a quantia de €.3.000,00.
O Autor, a fls. 43 e ss., veio pronunciar-se quanto às excepções deduzidas, pugnando pela sua improcedência e relativamente ao pedido de condenação como litigante de má fé, defendeu também a sua improcedência. Juntou documentos.
Foi realizada audiência prévia e aí foram conhecidas as excepções de incompetência absoluta do Tribunal e de ilegitimidade passiva da Ré mulher, ambas improcedentes, foi proferido despacho a fixar o valor da causa, despacho a identificar o objecto do litígio e os temas da prova e ainda a admitir os meios de prova e a designar data para realização da audiência de julgamento.
Procedeu-se à realização de audiência de julgamento conforme resulta das respectivas actas de fls. 70 a 71v e 75 a 76 e no dia 7.12.2021 foi proferida sentença que condenou os Réus BB e CC a restituir ao Autor AA a quantia de €.23.500,00 (vinte e três mil e quinhentos euros), a que acrescem juros de mora civis relativamente à ré CC desde a citação e relativamente ao réu BB desde 27.09.2019 (vinte e sete de Setembro de dois mil e dezanove) e até efectivo e integral pagamento e absolveu o Autor AA do pedido de condenação como litigante de má fé.
Inconformados os réus apelaram e formularam as conclusões que a seguir se reproduzem: 1 - Argui-se, com todos os efeitos legais, a nulidade da sentença por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão - art. 615.º n.º 1 al. b) do CPC; porquanto no segmento factos provados [pontos: 6), 9) e 10)] encontram-se apostos excertos de documentos que foram juntos aos autos, subsistindo a dúvida se o Tribunal a quo quis dar como provado os factos insertos nesses documentos ou se tencionou dar como provado a existência desses mesmos documentos; ora, tal cenário prejudica os direitos de defesa dos Apelantes em sede recursiva, nomeadamente no que concerne à impugnação da matéria de facto.
2 - O Tribunal a quo entendeu que a causa de pedir apresentada pelo Autor/Apelado reportava-se a 15 mútuos (porquanto existiram 15 transferências); em nenhum momento dos factos dados como demonstrados se retira a circunstância de o Apelante marido ter recorrido ao Autor/Apelado várias vezes (até pelo contrário, no ponto 17) desses factos retira-se que o Apelante marido alegadamente recorreu uma única vez ao Apelado… não se retira que tenha recorrido várias vezes; perfilhamos que a sentença recorrida não tinha por que entender, pelo facto de se trataram de 15 transferências, estarmos na presença de 15 mútuos; vejamos o caso dos mútuos celebrados com as financeiras: celebra-se 1 único mútuo sendo que o valor mutuado será prestado em várias tranches ou transferências; o que é certo é que em nenhum momento da causa de pedir, faz o Apelado alusão à existência de 15 mútuos; sendo este facto um facto essencial da causa de pedir; o Tribunal a quo ao reconhecer que estamos na presença de alegados 15 mútuos contraídos entre as partes, proferiu uma verdadeira decisão surpresa porquanto tal enquadramento jurídico-factual não foi precedido do contraditório, como era imposto pelo art. 3.º n.º 3 do CPC; a preterição do exercício do contraditório a que os Apelantes tinham direito, configura uma nulidade nos termos do art. 195.º n.º 1 do CPC, na medida em que influi no exame e na decisão da causa; nulidade que, para todos os efeitos legais, vai desde já invocada 3 - O Tribunal a quo condena os Apelantes a restituir, de forma global, a quantia in casu, quando o peticionado pelo Autor/Apelado foi o cumprimento de uma obrigação por via do pagamento e não da restituição (sendo mais do que certo que “restituição” e “pagamento” são formas diversas de extinção obrigacional, na sequência de decorrerem de factos geradores de obrigações distintas); assim, facilmente se vislumbra que a sentença sobre a qual os Apelantes ora ser insurgem é nula nos termos do disposto no art. 615.º n.º 1 al. e) in fine, porquanto condena os Apelantes em objeto diverso do peticionado.
4 - Sufragamos que a norma do art. 607.º n.º 3 do CPC quando interpretada no sentido de se afigurar admissível a prova de determinados factos com recurso à inserção - no segmento da sentença onde são discriminados os factos provados - de documentos, se afigura inconstitucional porquanto a violação do dever de fundamentação e o princípio da segurança e certeza jurídica a que o art. 205.º n.º 1 da Lei Maior faz alusão; inconstitucionalidade que se requer que seja declarada.
5 - Na sentença, vislumbramos, entre outras, uma contradição que concerne no facto de o Tribunal recorrido ter dado como provado no ponto 12) em que é expressamente mencionado que a A..., Lda registou o Apelante como seu trabalhador; porém, no ponto g) dos factos dados como não provados vislumbra-se o seguinte: “A..., Lda. procedia às respetivas retenções – por ser seu trabalhador – do imposto do Réu marido para efeitos de IRT.”; destarte, deverá a decisão da primeira instância ser anulada, nos termos do disposto no art. 662.º n.º 2 al. c) do CPC.
6 - Bebemos o entendimento de que o facto previsto no ponto 8) apenas seria passível de prova mediante certidão da respetiva Conservatória do Registo Comercial, e não por via da prova testemunhal; destarte, por força do disposto no art. 662.º n.º 2 al. c) do CPC requer-se a anulação da decisão ora posta em crise, com todas as consequências legais.
7 - Perfilhamos que o contrato de trabalho celebrado entre a A... (assinado pelo punho do Recorrido) e o Apelante marido (fls…) - atendendo à falta de impugnação e de invocação expressa da sua falsidade - é um documento particular com valor confessório, o que significa, tal como já referirmos, que as declarações nele insertas nunca poderiam ser infirmadas pelos depoimentos das testemunhas; posto isto, o Tribunal equivocou-se na forma como aplicou o direito, violando os arts. 444.º, 447.º n.º 1 ambos do CPC, bem como os arts. 374.º, 376.º e 313.º todos do CC.
8 - Atendendo ao depoimento/declarações de parte do Apelado (Gravação 20211105141409_15521828_39995029 Min 0:01 - 1h:00m); ao depoimento da testemunha DD, Gravação 20211105153058_15521828_3995029 Min. 01:00m -4 5: 4 4; depoimento da testemunha EE Gravação o 20211105162622-15521828_3995029 20:37m - até final; ao contrato de trabalho celebrado entre a A..., Lda e o Apelante marido (fls…); aos recibos de vencimento (fls…); ao facto de o Apelante marido estar inscrito como trabalhador da sociedade comercial referida retro; ao facto de...
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