Acórdão nº 168/18.0T8FVN.C2.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA SOTTOMAYOR
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1. AA, intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Seguradoras Unidas, SA ambos já identificados nos autos, peticionando a condenação da ré, no seguinte: - na quantia de 34.000,00 €, relativa ao valor do veículo sinistrado, deduzida a franquia de 250, 00 €; - a pagar a quantia a liquidar em execução de sentença, referente à privação de uso do veículo sinistrado, com base no custo de aluguer diário do veículo equiparado ao do autor, que as empresas de rent-a-car fixam em 200,00 €, por dia, desde o 21.º dia após a ocorrência do acidente e; - a quantia que a S... vier a debitar ao autor, a título de parqueamento do veículo, desde o dia do acidente e até ao pagamento integral do valor da viatura.

Alegou, para tanto e em síntese, que é dono de um veículo automóvel, de matrícula ..-SE-.., marca Mercedes Benz, modelo ... E ..., versão E ..0 CDI Elegance BE auto, tendo, nessa qualidade, celebrado, com a então Tranquilidade, um contrato de seguro, opção “Valor Mais”, por forma a transferir para esta a responsabilidade civil emergente da circulação de tal veículo, com início em 07/12/2016, com a duração de um ano e seguintes. No âmbito do que contratualizou a cobertura de danos próprios do identificado veículo, designadamente, choque, colisão ou capotamento, tendo, aquando da respetiva celebração, sido indicado como valor seguro, o montante de 34.000,00 €.

Mais alega que, no dia 16 de novembro de 2017, pelas 19 h e 30 m, quando circulava na EM ...63, conhecida por Estrada ..., que liga as localidades de ... a ..., freguesia ..., ..., em consequência de ter sido surpreendido, ao que supõe, por javalis, perdeu o controle do seu veículo, em consequência do que veio a sair da estrada, acabando por embater numa oliveira, que se encontrava implantada a cerca de 1,25 m do limite da faixa de rodagem, vindo a viatura, após tal embate, a capotar e a ficar imobilizada. Acrescenta que face à violência do embate, a viatura foi considerada como irreparável, por a respetiva reparação ser superior ao seu valor venal.

A ré apenas lhe facultou veículo de substituição pelo período de 20 dias e não dos 30 contratualizados, não lhe facultando essa possibilidade desde 8/12/2017, nem lhe disponibilizou qualquer quantia para que pudesse adquirir outra viatura, por declinar a responsabilidade pelo pagamento da reclamada indemnização.

O autor, como não dispunha de quantia para tal, não adquiriu outra viatura, reclamando a tal título uma indemnização, tomando como referência o aluguer de uma viatura idêntica.

Para além do que, a viatura se encontra parqueada nas instalações da S..., que o notificou para pagar a quantia de 5,00 €, por dia.

Contestando, a ré, impugnou a versão dada pelo autor acerca do modo como ocorreu o acidente, alegando que se tratou de um “suposto acidente”, “em que o veículo é colocado na posição final de embate”.

Impugnou, ainda, o indicado valor do veículo, bem como a existência e amplitude dos invocados danos, designadamente, que tratando-se como se trata, de um seguro de danos próprios, só pode responder de acordo com o contratado e não foram previstos nem os danos de privação de veículo, para além do prazo contratado, nem os decorrentes do parqueamento do veículo, acrescentando, quanto a este, que o autor sabe que se trata de veículo com perda total e que a ré declinou a responsabilidade pelos invocados pagamentos, pelo que não se justifica que o veículo permaneça parqueado, nas condições referidas pelo autor.

Com dispensa de audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar e fixou-se o objeto do litígio e os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 212 a 219, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respetiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte: “Nos termos e fundamentos expostos, 1. Julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, 2. Condeno a Ré SEGURADORAS UNIDAS, S.A., a pagar ao Autor AA a quantia de €17,133,00 (dezassete mil, cento e trinta e três euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo pagamento.

  1. Condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença pelo parqueamento do seu veículo durante o período de tempo em que o mesmo aí se encontre até ao trânsito em julgado da sentença.

  2. Absolvo a Ré do restante pedido.

  3. Absolvo o Autor do pedido de condenação como litigante da má-fé. 6. As custas são a cargo de Autor e Ré, na proporção do decaimento.”.

    Irresignados com a mesma, dela interpuseram recurso ambas as partes, tendo os recursos sido admitidos, na sequência do que foi proferido o Acórdão que antecede, de fls 266 a 276, no qual se anulou a sentença proferida, a fim de ser ampliada a matéria de facto a considerar, como do mesmo melhor consta.

    Após a baixa dos autos à 1.ª instância, reaberta a audiência, procedeu-se à inquirição de uma testemunha, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 326 a 333 v.º, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respetiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte: “Nos termos e fundamentos expostos, 1. Julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, 2. Condeno a Ré SEGURADORAS UNIDAS, S.A., a pagar ao Autor AA a quantia de €17,133,00 (dezassete mil, cento e trinta e três euros), acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo pagamento.

  4. Condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia que se vier a apurar em liquidação de sentença pelo parqueamento do seu veículo durante o período de tempo em que o mesmo aí se encontre até ao trânsito em julgado da sentença.

  5. Absolvo a Ré do restante pedido.

  6. Absolvo o Autor do pedido de condenação como litigante da má-fé. 6. As custas são a cargo de Autor e Ré, na proporção do decaimento.”.

  7. De novo, inconformados com a mesma, interpuseram recurso a ré Seguradoras Unidas e o autor AA, recursos, esses, admitidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fls 371), tendo o Tribunal da Relação decidido o seguinte: «Julgar procedente o presente recurso de apelação interposto pela ré e improcedente a apelação interposta pelo autor, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, na parte em que condenou a ré a pagar ao autor a quantia de 8.655,00 € (oito mil seiscentos e cinquenta e cinco euros), pela privação de uso e ainda na quantia relativa ao parqueamento do veículo; Absolvendo a ré de tais pedidos; Mantendo-a, quanto ao mais nela decidido.

    Custas a suportar por autor e ré, na proporção dos respectivos decaimentos, em ambas as instâncias».

  8. Inconformado, o autor interpõe recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: «1 – A inexistência no contrato de seguro celebrado entre o A. e Ré, da cobertura do risco de privação do uso do veículo, não desobrigou a Ré a proceder ao pagamento da indemnização devida, a título de privação do uso, porquanto, ocorreu por parte da Ré a violação dos seus deveres contratuais, e que dimanam das normas do RJCS, conjugadas com o disposto no artigo 762.º/2 do Cod. Civil, mercê de não ter colocado à disposição do A. qualquer quantia; 2 - A Ré ao não liquidar qualquer quantia, ao A. de forma atempada a título de indemnização, não atuou de forma séria, honesta e leal, pelo que, não procedeu de harmonia com o princípio da boa-fé; 3 - A indemnização a atribuir ao A. não pode limitar-se ao dano resultante da mora, como foi o entendimento do Tribunal de que se recorre, devendo também contemplar o dano da privação do uso.

    4 – O dano de privação do uso, peticionado pelo A. decorre da violação por parte da Ré, dos deveres acessórios de conduta e, por conseguinte, constitui um dano autónomo do dano proveniente da mora e, ambos além de não se sobreporem, são ambos devidos ao A. conforme pelo mesmo alegado foi.

    5 – O facto de se verificar a existência de sobresseguro, a mesma não é, imputável ao A., como foi provado, pelo que não retira à Ré a obrigação de cumprir a sua prestação no prazo contratual fixado pelo RJCS, tanto mais que declinou qualquer responsabilidade na liquidação do mesmo, mas nunca por este facto.

    6 – Apesar de o veículo do A. haver ficado em situação de perda total, assistia à Ré a obrigação de cumprir com celeridade, por forma a que com a entrega do capital, fosse ele total ou parcial, houvesse permitido ao A., como beneficiário do seguro, a compra de um outro veículo em substituição.

    7 – Igualmente nesta situação de perda total, o A. tem direito a ser indemnizado pela privação do uso do veículo, por ter ficado impossibilitado de o usar em seu próprio benefício.

    8 – No que diz respeito ao valor do veículo jamais poderá ser o fixado na sentença proferida em 1.ª instância, como resultante da avaliação eurotax, porquanto, no valor atribuído não foi tido em conta o equipamento extra que possuía para exercer as funções de táxi e identificado no VIN do veículo junto pela Ré na sua contestação, o qual, necessariamente aumenta o seu valor.

    9 – Atenta a omissão deste equipamento e fazendo uso do princípio da equidade, e, uma vez que a atribuição do valor apenas poder ser imputado à Ré, através do seu mediador, e não ao A. o valor a atribuir ao veículo, não sendo o correspondente à desvalorização, pelo menos deverá ser o indicado como preço de aquisição por parte do A. (Facto 31).

    10 – O A. atendendo a que a Ré não lhe disponibilizou qualquer quantia a título de indemnização, e, sabendo que o veículo se encontrava aparcado nas instalações da marca para poder efetuar qualquer peritagem, atentas as irregularidades invocadas para declinar a sua responsabilidade pela liquidação, tem direito a ser indemnizado do valor do parqueamento do veículo, a liquidar em...

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