Acórdão nº 3220/20.8T8FAR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelMANUEL AGUIAR PEREIRA
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM, em nome do POVO PORTUGUÊS, os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: * RELATÓRIO I – Introdução 1 – AA e BB, residentes em 4 A ..., ..., ... 1, Dubai, demandaram através da presente acção declarativa de condenação, Meynell Limited – Sucursal em Portugal com sede em Ribeiro ..., ..., Vila Real de Santo António.

Os autores pediram a condenação da ré nos termos seguintes: “a) Declarar-se resolvido o contrato promessa do contrato promessa outorgado a 04/10/2019 pelo qual a Ré prometeu vender aos AA o prédio urbano, uma área total registada de 195,10m2, área coberta 71,20m2, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...09 e inscrito na matriz predial urbano com o artigo ...21 da freguesia ..., por se ter verificado incumprimento definitivo e culposo por parte da Ré; b) Em consequência do pedido formulado em A), ser a Ré condenada a pagar aos AA a quantia de 594.000,00 €, corresponde ao valor do sinal recebido em dobro (…); c) Ser a Ré condenada ao pagamento de juros desde a data da citação, até integral pagamento, sobre a quantia peticionada; d) Ser a Ré condenada ao pagamento das custas e demais encargos com o processo, com as demais consequências legais.” Subsidiariamente pediram a condenação da ré nos termos seguintes: “e) Ser declarada a nulidade do contrato promessa de compra e venda, celebrado entre AA. e Ré, em 04/10/2019, que tem por objeto o prédio identificado em 1 da p.i. - prédio urbano, uma área total registada de 195,10m2, área coberta 71,20m2, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...09 e inscrito na matriz predial urbano com o artigo ...21 da freguesia ... - nos termos e efeitos do artigo 280º e 294º, ambos do Código Civil; f) Ser a Ré condenada a restituir aos AA. os montantes que lhe foram entregues por conta da celebração do contrato promessa, no montante de 297.000,00 € (duzentos e noventa e sete mil euros); g) Ser a Ré condenada ao pagamento de juros legais à A., calculados à taxa legal, 148.500,00 € calculados desde 04/10/2019 até entrada da PI, os restantes 148.500,00 € calculados desde 27/12/2019 até entrada da PI, acrescido de juros vincendos até integral pagamento; h) Ser a Ré condenada ao pagamento das custas e demais encargos com o processo, com as demais consequências legais.” Alegaram os autores, em síntese: Que os autores e a ré celebraram em 4 de outubro de 2019, um contrato promessa que teve por objecto a celebração de um contrato de compra e venda de um imóvel para habitação, pelo preço global de 990.000,00 euros, sendo certo que nessa data o mencionado imóvel se encontrava em fase de construção; Que a título de sinal e princípio de pagamento os autores entregaram à ré na data da celebração do contrato promessa a quantia de 148.500,00 euros, e, a título de reforço de sinal e parte de pagamento, igual quantia em 27 de dezembro de 2019, devendo o remanescente do preço ser pago aquando da celebração da escritura do contrato prometido que deveria ter lugar até ao final do mês de janeiro de 2020, em data a definir pelos autores e a comunicar à ré.

Que a data de celebração do contrato de compra e venda era meramente indicativa uma vez que, conforme acordado entre as partes, se tornava necessário proceder a alterações no projecto de construção aprovado; Que em resultado de circunstâncias relativas à obtenção de crédito bancário – de que foram dando conhecimento à ré – e à pandemia provocada pelo vírus COVID-19 e consequente interdição de tráfego aéreo com destino e a partir de Portugal, os autores apenas em 23 de junho de 2020 iniciaram o processo de alteração do projecto de construção da moradia unifamiliar objecto do contrato; Que solicitaram à ré o reagendamento da data para realização da escritura de compra e venda, tendo como limite 31 de dezembro de 2020, o que a ré viria a aceitar; Que em 7 de agosto de 2020 comunicaram ao procurador da ré que estavam reunidas as condições para a celebração do contrato de compra e venda, tendo eles agendado a respectiva escritura para o dia 22 de setembro de 2020 e disso dado conhecimento à ré; Que a ré se recusou a celebrar o contrato de compra e venda e não forneceu os elementos necessários à celebração da escritura do contrato prometido nem compareceu na data agendada para o efeito, assim incumprindo definitivamente o contrato promessa celebrado.

Relativamente ao pedido formulado em via subsidiária, e para o caso de se considerar que não ocorre incumprimento definitivo da ré, alegam os autores que a transmissão do imóvel destinado a habitação sempre estaria legalmente impossibilitada por falta de licença de utilização do imóvel para o efeito, sendo consequentemente nulo o contrato promessa celebrado.

* 2 – A ré, tendo sido regularmente citada contestou o pedido alegando, em síntese: Ser o Juízo Central Cível de Faro territorialmente incompetente para conhecer do pedido formulado, sendo competente o Juízo Central Cível de Portimão, porque com jurisdição sobre a área do domicílio da ré; Que a não celebração da escritura de compra e venda no prazo previsto no contrato promessa e no prazo posteriormente concedido pela ré para o efeito se ficou a dever exclusivamente aos autores, bem sabendo eles que o contrato se encontrava definitivamente incumprido por ser da sua responsabilidade a não realização da escritura do contrato de compra e venda até 1 de junho de 2020.

Que a partir dessa data a ré retomou a execução da obra que tinha sido suspensa a aguardar indicação dos réus sobre os moldes em que deveria prosseguir.

Que os autores encenaram artificiosamente o agendamento de uma escritura de compra e venda em setembro de 2020, bem sabendo que foram eles quem, em data anterior, tinha deixado de cumprir definitivamente o contrato promessa.

Que o contrato de compra e venda do imóvel em fase inicial de construção podia ser realizado sem qualquer impedimento legal já que o imóvel a transacionar era uma obra em construção, com alvará e licença de construção em vigor, e não de um imóvel destinado desde logo a habitação.

Que os autores incorrem em litigância de má-fé.

* 3 – Tendo sido dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a arguida excepção de incompetência territorial, definiu o objecto do processo e enunciou os temas da prova.

Teve depois lugar a audiência de julgamento.

* 4 – Foi proferida sentença em primeira instância que, julgando a acção procedente, condenou a ré nos seguintes termos, dando acolhimento ao pedido formulado a título principal: “A) Declaro resolvido o contrato promessa de compra e venda em causa, com fundamento em incumprimento imputável, de modo exclusivo, à ré sociedade; B) Consequentemente, condeno a ré requerida à restituição, em dobro, do valor do sinal pago pelos autores, no montante de € 594.000,00 (quinhentos e noventa e quatro mil euros), acrescido dos respetivos juros vencidos e vincendos, a contar da citação e até integral pagamento.” * 5 – Inconformada a ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.

Conclui a alegação da apelação, no essencial, pedindo a alteração da decisão sobre a matéria de facto (alguns factos considerados provados e não provados e aditamento de outros factos) descrita na sentença impugnada e a sua revogação, com o fundamento de que foram os autores os únicos responsáveis pelo incumprimento do contrato promessa, não tendo, por isso, direito ao reconhecimento do direito à resolução do contrato promessa com base em culpa da ré.

Pede ainda a condenação dos autores como litigantes de má-fé.

* 6 – Os autores apresentaram articulado de resposta às alegações no qual, defendendo a correção da sentença impugnada, pugnaram pela integral improcedência da apelação.

* 7 – Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 10 de março de 2022, foi a apelação julgada parcialmente procedente e revogada a decisão recorrida, sendo a acção julgada improcedente e a ré absolvida do pedido.

O sumário do mencionado acórdão é do seguinte teor: “I – É notório que, da pandemia com início em dezembro de 2019 – como caso de força maior – ocorreu, senão uma impossibilidade, pelo menos um acréscimo de dificuldade temporária de cumprimento dos contratos.

II – Só a falta definitiva e culposa de cumprimento legitima a resolução do contrato-promessa que, por sua vez, a sanção cominada no nº 2 do artigo 442º do Código Civil pressupõe.

III – A declaração de não querer cumprir deve ser dirigida à outra parte e deve ser uma recusa categórica e definitiva de cumprimento e não pode confundir-se com a declaração como reação à representação feita do comportamento supostamente inadimplente da outra parte.

IV – A perda do interesse na celebração do negócio prometido, deve ser objectivamente aferida.

V – O não comparecimento na data marcada para celebrar a escritura de compra e venda, acarreta a mora, que é insuficiente para a resolução do contrato, para a qual é necessário transformar a mora em incumprimento definitivo, com a interpelação admonitória.” *** II – A Revista 1 – Os autores interpuseram então recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Évora para o Supremo Tribunal de Justiça.

São do seguinte teor integral as Conclusões das alegações apresentadas: “1.

Os Autores, não se conformando com a decisão da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, que julgou parcialmente procedente a apelação interposta pela Ré, revogando, em consequência, a decisão proferida em 1ª instância, absolvendo a Ré do pedido formulado, pretendem apresentar o presente recurso de revista, porquanto o Tribunal da 1ª instância julgou a ação totalmente procedente, por totalmente provada, tendo declarado o contrato promessa de compra e venda em causa, com fundamento em incumprimento imputável, de modo exclusivo, à ré/sociedade e condenado a ré/Recorrida à restituição, em dobro, do valor do...

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