Acórdão nº 540/22 de Tribunal Constitucional (Port, 16 de Agosto de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução16 de Agosto de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 540/2022

Processo n.º 752/2022

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (o ora recorrente) foi detido em execução de um Mandado de Detenção Europeu (doravante, MDE) emitido pelas autoridades do Reino Unido e executado nos termos da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto (que aprovou o Regime do MDE, doravante RMDE), e dos artigos 596.º e ss. do Acordo de Comércio e Cooperação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, por outro (JO L 149 de 30/04/2021, pp. 14 e ss., doravante Acordo UE/RU). Realizada a audiência do detido no Tribunal da Relação de Lisboa (onde o processo correu com o número 1252/22.0YRLSB), o detido declarou consentir na execução do mandado e consequente entrega à autoridade judiciária do Reino Unido, não renunciando ao princípio da especialidade. Foi, então, proferida decisão no sentido da homologação do consentimento, sendo pedida a prestação de garantias às autoridades do Reino Unido, nos termos do artigo 604.º, alínea a), do Acordo UE/RU, à qual ficou condicionada a entrega.

1.1. Foram prestadas as garantias pelas autoridades do Reino Unido e, nessa sequência, foi determinada, por despacho, a execução do mandado.

1.1.1. O detido interpôs recurso das decisões referidas em 1. e 1.1., supra para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Das respetivas alegações consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

26.º

Do Princípio da Recusa de Cooperação, a recusa de cooperação [alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto].

A Constituição da República Portuguesa proíbe a extradição «por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena de morte ou pena de que resulte lesão irreversível da

integridade física» [artigo 33.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa], proibição essa que fundamenta, de acordo com a lei ordinária, a recusa de cooperação [alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 144/99, de 31 de agosto].

27.º

No caso concreto, três dos crimes por que foram pedidos pelo Ministério Público a extradição são puníveis, em abstrato, em face do Código Penal do Reino Unido com pena de prisão perpétua.

28.º

O Reino Unido na sua garantia generalista não assegurou, caso fosse aplicado pelos tribunais uma pena superior, que esta seria reduzida a 25 anos de prisão, o que inviabiliza a cooperação e a extradição nos moldes propostos

29.º

A validade e a suficiência e do poder vinculativo das garantias prestadas pelo Estado requerente ao Estado Português, quanto à insusceptibilidade do extraditando vir a ser condenado numa pena superior a 25 anos de prisão será uma prerrogativa de imperativo Constitucional .

[…]

36.º

Na lei constitucional (artigo 33.º, n.º 4), só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, se, nesse domínio, o Estado requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja vinculado e oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada (exigência Constitucional).

37.º

No caso concreto nenhuma garantia foi dada pelo Reino Unido, limitou-se ‘num brevíssimo resumo’ a elencar algumas regras da Prisão Perpétua não dando quaisquer garantias que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada.

38.º

No caso vertido caso o recorrente seja extraditado o Tribunal do reino Unido pode aplicar a ‘Prisão Perpétua’ com aquele tipo de acordo.

39.º

O Acordo celebrado entre o Reino Unido e a União Europeia e a garantia dada (ver neste processo) viola a lei constitucional Portuguesa numa forma geral e não casuística .

40.º

Encontra-se violado o artigo da lei Constitucional artigo 33.º, n.º 4, nos termos expostos. Artigo 280.º alínea b) da CRP (Fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade) Cabe Recurso b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Artigo 72.º Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, Legitimidade para recorrer, 1 – Podem recorrer para o Tribunal Constitucional: b) As pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso.

41.º

A Constituição proíbe expressamente sanções de duração vitalícia, ilimitada ou indefinida. Ao impor um limite máximo de 25 anos na sentença condenatória, a Constituição República Portuguesa não perfilha a solução da lei Penal Britânica, estando assim em contradição.

[…]

[O processo e/ou a decisão está] em desacordo com a Lei fundamental viola a as exigências da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

[…]

Ou seja, no regime do Reino Unido um recluso pode estar detido em reclusão sempre para toda a vida, mesmo [com] as referidas revisões cumprindo uma só pena ate á morte. Daí o regime ser de prisão perpétua e não outro.

Ainda mais se porventura for libertado permanecerá ligado ao regime da prisão perpétua ate ao fim da vida.

Este regime vai contra a nossa lei constitucional que não admite que uma pessoa seja condenada a pena superior a 25 anos e viola o artigo 33.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa .

Entendemos que a garantia prestada pelo Reino Unido não serve e discordamos do Tribunal a quo, aplicando-se aqui a recusa de cooperação [alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º 144/99], de 31 de agosto e viola o artigo o artigo 33.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa havendo assim uma inconstitucionalidade .

[…]” (sublinhados acrescentados).

1.1.2. O recurso foi admitido apenas relativamente à decisão de homologação do consentimento do detido.

1.1.3. No STJ, o recurso foi rejeitado, por acórdão de 01/06/2022, com os fundamentos seguintes:

“[…]

Como supra se deixou transcrito, no caso foi proferida decisão homologatória do consentimento que, segundo o artigo 20.º, n.º 3, da Lei n.º 65/03, de 23 de agosto, equivale, para todos os efeitos, à decisão final do processo de execução do mandado de execução europeu.

E, nos termos do n.º 1 do citado normativo o consentimento na entrega à autoridade judiciária de emissão prestado pelo detido é irrevogável e tem como consequência a renúncia ao processo de execução do mandado de detenção europeu.

Ou seja, das citadas disposições legais, resulta que:

Só há recurso da decisão final. O detido ao dar o consentimento renunciou ao processo. A decisão de homologação equivale à decisão final, mas no caso não é decisão final porque houve renúncia ao processo.

Por seu turno do artigo 26.º da Lei n.º 65/03, de 23 de agosto, resulta que a decisão judicial de homologação do consentimento é definitiva.

O detido prestou o consentimento declarado expressamente com inteira consciência do seu significado e de livre vontade, como resulta do respetivo auto de audição do mesmo, motivo pelo qual foi homologado o consentimento, para todos os efeitos legais de acordo com o disposto nos artigos 20.º e 26.º da Lei 65/2003,

Foi prestada a garantia que foi solicitada pelo Tribunal da Relação de Lisboa ao Estado emissor, prevista no artigo 604.º, alínea a), do Acordo entre a União Europeia e o Reino Unido, e estando já homologado o consentimento livre do detido na entrega à autoridade judiciária de emissão do mandado, foi determinada que esta fosse executada no mais curto prazo possível.

Neste sentido, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

[…]”.

1.1.4. Desta decisão pretendeu o detido reclamar, nos termos do artigo 405.º do CPP, para o Presidente do STJ.

1.1.5. A reclamação foi indeferida, por inadmissibilidade legal do meio processual.

1.2. O detido interpôs, então, recurso do acórdão do STJ de 01/06/2022 para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – recurso que deu origem aos presentes autos –, tendo em vista um juízo de inconstitucionalidade [A/] da norma contida nos artigos 20.º, n.º 3, e 26.º do RMDE, interpretados no sentido segundo o qual “[…] o consentimento na entrega à autoridade judiciária de emissão prestado pelo detido é irrevogável e tem como consequência a renúncia ao processo de execução do mandado de detenção europeu”, e [B/] da norma contida no artigo 24.º do RMDE, interpretado no sentido segundo o qual “[…] o detido que deu o seu consentimento à extradição não pode recorrer do despacho que homologou o consentimento, para entrega à autoridade emissora do mandado de detenção e – após validação da garantia prestada – determinou a execução da sua entrega”.

1.2.1. O recurso foi admitido no STJ, com efeito suspensivo.

1.2.2. No Tribunal Constitucional, o relator proferiu despacho com o seguinte teor:

“[…]

1. Nos presentes autos, o recorrente tem em vista juízos de inconstitucionalidade relativamente [A/] à norma contida nos artigos 20.º, n.º 3, e 26.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, interpretados no sentido segundo o qual ‘o consentimento na entrega à autoridade judiciária de emissão prestado pelo detido é irrevogável e tem como consequência a renúncia ao processo de execução do mandado de detenção europeu’, e [B/] à norma contida no artigo 24.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, interpretado no sentido segundo o qual ‘o detido que deu o seu consentimento à extradição não pode recorrer do despacho que homologou o consentimento, para entrega à autoridade emissora do mandado de detenção e – após validação da garantia prestada – determinou a execução da sua entrega’.

2. O recurso visa o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de...

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