Acórdão nº 515/22 de Tribunal Constitucional (Port, 14 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução14 de Julho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 515/2022

Processo n.º 905/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A., S.A., e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, o primeiro interpôs recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada «LTC»), do acórdão daquele Tribunal de 30 de junho de 2021, em que se decidiu não admitir o recurso para uniformização de jurisprudência, interposto de uma decisão do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), por se ter entendido não ter ocorrido, à data da interposição do recurso, o trânsito em julgado da decisão-fundamento.

2. Ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC foi proferida a Decisão Sumária n.º 281/2022, em que se concluiu não ser possível conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos:

«4. O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) n.º 1 do artigo 70.º da LTC, dependendo a sua admissibilidade de estarem reunidos os seguintes pressupostos: além de ter esgotado as vias de recurso ordinário admitidas, é necessário que o recorrente tenha suscitado durante o processo e de forma adequada uma questão de constitucionalidade que corresponda ao objeto do recurso e incida sobre normas jurídicas coincidentes com a ratio decidendi da decisão recorrida.

Uma vez que a decisão que admitiu o recurso não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3, da LTC), cumpre, antes de mais, decidir se é possível conhecer o objeto do presente recurso.

5. Cabendo aos recorrentes enunciar em termos claros e precisos, no requerimento de interposição de recurso, a norma ou interpretação normativa cuja inconstitucionalidade pretendem ver apreciada por este Tribunal, é por referência a esse enunciado e à decisão recorrida que devem ser aferidos os pressupostos de admissibilidade do presente recurso.

Pretende o recorrente que este Tribunal se pronuncie sobre a «interpretação normativa dos artigos 628.º do CPC, 2.º e 80.º, n.º 4, da LTC, em conjugação com os artigos 25.º n.º 3 do RJAT, 140.º n.º 3, 152.º do CPTA e 688.º n.º 2 do CPC tal como perfilhada pelo Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que o trânsito em julgado deve ser aferido sobre a totalidade da decisão, não sendo destacável um segmento decisório que ficou arredado do objeto de recurso para o Tribunal Constitucional como configurando, desde logo, caso julgado, o que, consequentemente, inviabiliza a interposição de recurso para uniformização de jurisprudência com fundamento no segmento decisório que não foi objeto de recurso e, por esse motivo, deve decidir-se pela não admissão do mesmo por falta de verificação dos requisitos legais viola os princípios do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, da segurança jurídica e da coerência sistemática, e, bem assim o artigo 20.º da CRP».

Tal como enunciado pelo recorrente, o objeto do recurso manifestamente não corresponde a qualquer norma ou interpretação normativa, extraível dos preceitos legais citados, que possa ser dissociada do caso concretamente apreçado e constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade. A formulação da norma denuncia, aliás, uma crítica que se dirige exclusivamente à decisão recorrida, na parte em que recusou reconhecer que um segmento da decisão, de que o recorrente pretendia interpor recurso para uniformização de jurisprudência, poderia ser considerado destacável e transitado em julgado, para efeitos de admissão desse mesmo recurso.

No entanto, e como é sabido, nos termos do artigo 280.º da Constituição, a este Tribunal compete apenas pronunciar-se sobre a inconstitucionalidade de normas ou interpretações normativas efetivamente aplicadas nas decisões recorridas. Não cabe a este Tribunal ajuizar da validade de decisões (administrativas ou judiciais), substituindo-se aos tribunais recorridos no exercício das competências que lhes são exclusivamente atribuídas, designadamente no que respeita à apreciação da prova e à interpretação do direito infraconstitucional em face das concretas circunstâncias do caso. Esta é, segundo jurisprudência estável deste Tribunal, uma consequência do âmbito normativo dos recursos de constitucionalidade que distancia assumidamente o processo português de fiscalização concreta de constitucionalidade da figura do recurso de amparo existente em algumas jurisdições.

Não cabendo a este Tribunal substituir-se ao tribunal recorrido na apreciação sobre a verificação em concreto dos requisitos de que dependeria a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência, resta concluir que a «norma» formulada pelo recorrente não configura objeto idóneo do recurso de constitucionalidade, o que por si só obsta a que este possa ser admitido.

6. Acresce que, tal como o recorrente assume no requerimento de interposição do presente recurso, a questão de constitucionalidade não foi oportuna e adequadamente suscitada diante do tribunal a quo, nos termos exigidos pelo artigo 70.º, n.º 1, alínea b) e pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC.

O recorrente invoca, é certo, que o cumprimento desse ónus não lhe era exigível in casu, «na medida em que o artigo 628.º do CPC não determina que o trânsito em julgado seja aferido quanto à totalidade de uma decisão», configurando assim a decisão recorrida uma «decisão-surpresa». Mas, não lhe assiste razão.

Este Tribunal tem constantemente admitido, é certo, que em face de uma «decisão-surpresa» é inexigível o cumprimento do ónus de suscitação prévia e adequada da questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade que se pretende ver apreciada por este Tribunal. Todavia, esta exceção à regra da suscitação prévia tem tido um entendimento jurisprudencial muito estrito, aplicando-se apenas às situações excecionais em que os recorrentes são confrontados com soluções objetivamente insólitas, que um litigante diligente, analisando prudentemente as interpretações razoáveis das normas convocáveis para dirimir o litígio, não poderia razoavelmente antecipar (mais recentemente, v., entre outros, os Acórdãos n.os 88/2021, 133/2021, 281/2021, 466/2021, 936/2021, 40/2022 e 137/2022).

À luz deste estrito e constante entendimento, não pode no presente caso considerar-se que o recorrente se encontrava dispensado do cumprimento do ónus da suscitação prévia das questões de constitucionalidade que pretende ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional. Pelo contrário, do requerimento dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo em 5 de maio de 2021 (cf. supra o n.º 1), depreende-se que a recorrente não só antecipou a possibilidade de o «o artigo 25.º n.ºs 2 e 3 do RJAT [ser interpretado] no sentido de que o recurso por oposição só poderá ser interposto após o trânsito em julgado do acórdão fundamento e que, para efeitos deste artigo, a noção de trânsito em julgado compreende o recurso para o Tribunal Constitucional», como pugnou expressamente pela interpretação das demais normas pertinentes e aplicadas pelo tribunal recorrido no sentido de se considerar que «a parte da decisão fundamento utilizada para efeitos do presente recurso já transitou em julgado.»

Torna-se assim claro que, não apenas não estão em causa interpretações normativas objetivamente imprevisíveis, inesperadas ou insólitas, como há evidência de o recorrente as ter antecipado em momento em que ainda teria tido oportunidade processual de suscitar adequadamente as questões de inconstitucionalidade.

Não sendo, enfim, possível identificar qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que haja sido prévia e adequadamente suscitada, resta concluir, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, que não pode ser conhecido o objeto do presente recurso.»

3. O recorrente vem agora apresentar reclamação para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, alegando, abreviadamente, o seguinte:

«A., S.A., Recorrente melhor identificado nos autos em epígrafe, notificado da decisão sumária n.º 905/21, proferida pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, que decide não conhecer do objeto do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, vem interpor reclamação para a conferência do Tribunal Constitucional da mesma, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, nos termos e com os seguintes fundamentos:

(…)

7.º

Ora, não pode o Reclamante, salvo o devido respeito, conformar-se com a decisão sumária proferida, motivo pelo qual deduz a presente reclamação.

II. DO DIREITO

8.º

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