Acórdão nº 107/19.0T8CBA.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA e BB instauraram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra CC e CC, pedindo: «a) o reconhecimento da propriedade dos Autores sobre o prédio urbano sito na antiga Rua ..., atual Rua ..., ..., em ... ..., inscrito na matriz urbana com o n.º 328, e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o artigo ...06; b) o reconhecimento que o prédio acima descrito é servido, pelo menos há mais de 50 anos, por um caminho de acesso ao seu logradouro e destinado à passagem de pessoas, animais (porcos, galinhas), transporte de lenha e utensílios agrícolas com o auxílio de carro de mão, com uma largura de 2 metros e uma extensão de 8 metros, que se inicia no portão de acesso ao prédio dos Réus; c) o reconhecimento que assiste ao prédio dos Autores, o direito à constituição de uma servidão de passagem, por usucapião, para passagem de pessoas, animais, transporte de lenha e utensílios agrícolas com o auxílio de carro de mão, com uma largura de 2 metros e uma extensão de 8 metros até atingir a extrema do prédio dos AA. sobre o prédio dos RR., prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo ...28 da freguesia ..., concelho ... e descrito sob o n.º ...26; d) a condenação dos Réus a demolir a parede que colocaram no seu prédio e que impede o acesso ao logradouro do prédio dos Autores; e e) a condenação dos Réus a pagar a cada um dos Autores, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 1.000,00, acrescida de € 230,00 a título de IVA, num total de € 2.460,00, e a quantia de € 500,00 a cada um dos Autores a título de danos não patrimoniais.

».

Para tanto, alegam os AA. que, desde 11 de Junho de 1966, usam o caminho descrito nos autos, de forma pública e pacífica, utilizando-o para o trânsito de pessoas e animais, bem como para o transporte de lenha e ferramentas agrícolas com o auxílio de carro de mão.

Mais alegam que, no final de Julho de 2018, os RR. impediram o acesso dos AA. ao referido caminho, devendo estes ser responsabilizados pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados aos AA..

Por fim, concluem que se encontram verificados os requisitos para a constituição da servidão de passagem, por usucapião.

Contestaram os RR. por excepção, invocando a ilegitimidade dos AA.; e por impugnação, alegando que não se encontram verificados quaisquer sinais permanentes e visíveis, reveladores da servidão e que nunca existiu posse por parte dos AA., mas sim uma mera tolerância por parte dos RR.. Além disso, alegam que existe acesso ao logradouro dos AA. pela via pública, uma vez que tanto o prédio dos RR. com o dos AA. confinam com a mesma.

Concluem pugnando pela improcedência do pedido.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade arguida pelos RR..

Por sentença de 11de Junho de 2021 foi proferida a seguinte decisão: «Nestes termos, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se condenar os Réus CC ao reconhecimento da propriedade dos Autores AA e BB, sobre o prédio urbano sito na antiga Rua ..., actual Rua ..., ..., em ... ..., inscrito na matriz urbana com o n.º 328, e descrito na Conservatória do Registo Predial ..., freguesia ... sob o artigo ...06, absolvendo-se os Réus do demais peticionado.

Condena-se os Autores e Réus no pagamento das custas do processo, na proporção de 90% para os Autores e 10% para os Réus.».

Inconformados, os AA. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora, pedindo a modificação da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 16 de Dezembro de 2021 foi proferida a seguinte decisão: «Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida na parte impugnada e: - Reconhece-se que assiste ao prédio dos autores, o direito de servidão de passagem, constituída por usucapião, para passagem de pessoas, transporte de lenha e utensílios agrícolas com o auxílio de carro de mão, com uma largura de 2 metros e uma extensão de 8 metros, até atingir a extrema do mesmo, sobre o prédio dos réus, prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo ...28 da freguesia ..., concelho ... e descrito sob o n.° ...26; - Condena-se os réus a reconhecer tal direito e a demolir a parede que colocaram no seu prédio e que impede o acesso ao logradouro do prédio dos autores; - Condena-se os réus a pagar a cada um dos autores, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 500,00.

Custas de parte por apelantes e apelados na proporção de 93% para estes e 7% para aqueles (cfr. disposições combinadas dos artigos 663° n.° 2, 607° n.° 6, 527° n.°s 1 e 2, 529° n.° 4 e 533° n.°s 1 e 2 do CPC).».

  1. Vem o R. CC interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «A.- As conclusões delimitam o objecto do recurso, tendo presente, que se apreciam questões e não razões.

    B.- No presente recurso a questão está em saber se os factos dados como provados são suficientes para reconhecer o direito de servidão de passagem sobre o prédio dos réus em benefício do prédio dos autores, adquirida por usucapião.

    C.- Nesta questão particular, o Tribunal de primeira instância disse “não existe nenhum elemento que permita o Tribunal classificar a servidão como aparente…” D.- Tendo julgado improcedente o pedido nos termos do art.1548.º n. 1 do Código Civil.

    E.- Fundamentou o Tribunal de Primeira Instância a posição na jurisprudência produzida pelo douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no processo n.º 30/15.8T8SAT.C1 de 04.04.2017 F.- Refere o indicado arresto que “…um portão que separa o prédio serviente da via pública ou de outro prédio que não o dominante, em nada revela a existência de uma qualquer passagem através do prédio serviente para o prédio dominante.” G.- Inconformados os AA recorreram para o Tribunal da Relação de Évora, tendo este Tribunal julgado parcialmente procedente a apelação.

    H.- Refere o douto acórdão revidendo que “o portão que veda o acesso, de quem circular na via pública, à aludida passagem com uma largura de cerca de 2 metros e extensão de 8 metros, situada no prédio dos réus, do qual os autores se vêm utilizando, é elucidativo até do interesse de salvaguardar a intromissão de transeuntes em qualquer das propriedades.” I.- A fundamentação patente na decisão da primeira instância é a de que o portão retira o carácter aparente à servidão, enquanto que a posição do Tribunal da Relação é a de que o portão visa salvaguardar a intromissão de transeuntes.

    J.- Aqui chegados, temos de perguntar se um portão fechado (como é o caso dos autos) que deita directamente sobre a via pública, retira ou não o carácter aparente a uma servidão de passagem.

    L.- Não merece dúvida que, um observador médio que passe na rua não vê ali uma servidão de passagem.

    M.- Tal portão, independentemente de ter sido cedido a título gratuito pelos AA retira o carácter visível à servidão, ou seja, a aparência.

    N.- É inequívoco que para a servidão ser constituída por usucapião os sinais têm de ser aparentes.

    O.- Também têm de ser permanentes, claros e inequívocos.

    P.- Dos factos provados não consta qual a frequência com que os AA utilizavam a servidão – ficando por preencher o requisito da permanência.

    Q.- Salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal da Relação de Évora quando no refere “os autores reiteradamente usavam aquela passagem como meio de acesso a logradouro do seu prédio.”, uma vez que, tal não resulta de nenhum dos pontos da matéria de facto dada como provada (v. ponto 1 a 13 dos factos provados).

    R.- Resulta sim, que “ambos os prédios urbanos confinam com a via pública, sendo os respectivos logradouros acessíveis através da mesma” (v. ponto 5 dos factos provados) S.- A interpretação do Tribunal da Relação de Évora é inadmissível, ilegal e incorrecta e consubstancia uma interpretação extensiva inconstitucional dos juízos de prognose, pois não existem argumentos que confirmem a existência de sinais visíveis, permanentes, claros e inequívocos da existência de uma servidão de passagem.

    T.- O Tribunal da Relação de Évora, ao julgar, ao contrário do que consta da Douta Sentença dos autos, que há sinais visíveis e permanentes de servidão, viola Lei substantiva, por erro na sua interpretação e aplicação, bem como viola e aplica erradamente a lei do processo.

    U.- Caso o Tribunal da Relação de Évora tivesse entendido, e não o fez, que a sentença proferida em primeira Instância não estava bem fundamentada, deveria como dispõe o artigo 662.º n.º 2 alínea d) determinar que não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

    V.- Acontece que o Tribunal da Relação, sem mais, alterou o sentido da decisão.

    X.- O juiz a quo fez uma análise muito ponderada da prova produzida que completou com uma inspecção judicial ao local, onde avaliou directamente o carácter não aparente da servidão em causa.

    Z.- No douto Acórdão recorrido é referido que: “resulta, assim, a existência de sinais visíveis e permanentes elucidativos de que os autores utilizam o prédio para acesso ao logradouro do seu prédio, sendo tais sinais necessariamente constatáveis por estes, enquanto proprietários servientes”.

    AA.- Ora, por estes, até podem ser constatáveis, mas não o são por um qualquer terceiro – o que teria de ser para efectivamente estar preenchido o requisito da aparência...

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