Acórdão nº 13790/19.8T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DA GRAÇA TRIGO
Data da Resolução13 de Julho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Banco Primus, S.A.

, pedindo que o R. seja condenado a indemnizar o A. no montante de € 75.000,00, sendo € 55.000,00 a título de danos patrimoniais e € 20.000,00, a título de danos não patrimoniais, com fundamento na ruptura ilegítima das negociações estabelecidas entre as partes e no incumprimento de um acordo entre ambas celebrado com vista à repristinação do contrato de mútuo celebrado e à desistência da acção executiva intentada pelo R.

contra o A., mediante a cedência de crédito a terceiro.

Contestou o R., impugnando parcialmente a factualidade invocada, alegando não ter celebrado com o A. qualquer acordo e não ter lhe ter causado quaisquer danos.

Mais alegou que o A. litiga de má fé e concluiu pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.

A final, foi proferida decisão que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou o R. a pagar ao A. o montante de € 16.600,00 (dezasseis mil e seiscentos euros), acrescido de juros calculados à taxa legal de 4%, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento e a quantia de € 3.500,00 (três mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4%, contados desde a data da sentença e até efectivo e integral pagamento, absolvendo o R. do demais peticionado.

Não se conformando com o assim decidido ambas as partes interpuseram recurso para o Tribunal da Relação, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito.

Por acórdão de 21 de Março de 2022 foi proferida a seguinte decisão: «Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta pelo Autor improcedente por não provada, e procedente por provada a apelação interposta pelo Banco Réu e, consequentemente, revogando a decisão recorrida absolve-se o mesmo do pedido contra ele formulado.».

  1. Novamente inconformado, vem o A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «1. O presente Recurso de Revista é intentado pelo Recorrente/Autor AA, do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, que julgou procedente o recurso de apelação interposto pelo BANCO PRIMUS S.A. Réu/Recorrente e consequentemente revogou a decisão do Tribunal de Primeira Instância, absolvendo-o do pedido contra ele formulado.

  2. Não pode o aqui Recorrente concordar com a decisão consubstanciada no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que, com o devido respeito, deverá ser alterada, pois não configura uma correta interpretação e aplicação das regras jurídicas concernentes aos factos provados nos autos e em função da prova produzida na audiência de discussão e julgamento, nomeadamente na prova documental e testemunhal.

  3. In casu, é da maior relevância salientar que o Banco Réu, aqui Recorrido, interrompeu as negociações encetadas com o Recorrente, abrupta e unilateralmente, sem razão justificável e ou defensável, pelo que tendo-se verificado, essa interrupção, tal comportamento configura violação dos princípios da boa fé pré-contratual, ínsito, preconizado e previsto no art.º 227.º do Código Civil (C.C.) 4. Ora, os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, aceitaram que o acordo existiu na fase das negociações pré-contratuais, isto é, o acordo verbal a que se chegou entre mandatários das partes, existiu verdadeiramente, sendo que este, iria dar lugar à celebração escrita do acordo definitivo, em que perante a entrega de 41.110,34€, a título de amortização da dívida, em que, de seguida o Banco Réu/Recorrido, negociaria o quantum mensal a liquidar e iria suspender a instância executiva; 5. Ora, tais negociações, configuram um verdadeiro acordo na fase pré-negocial, conforme o próprio Tribunal da Relação do Porto reconheceu no seu douto acórdão, pelo que, ao não lhe ter sido dada continuidade e a devida concretização, suspendendo-se abrupta e unilateralmente, se traduz em violação dessas negociações.

  4. Ora, na opinião do aqui Recorrente, o Tribunal da Relação do Porto não faz transparecer na decisão a que chegou, a apreciação que realizou, e é aqui recorrida.

  5. O Recorrente entende que há efetiva violação das negociações pré-contratuais, porque há acordo negocial atingido, ao qual não iria ser dado o devido seguimento, configurando assim uma verdadeira violação da boa fé que deve preceder as negociações pré contratuais, previstas no 227.º do CC.

  6. Quando os Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, fixam e admitem no ponto 23 dado como provado, ao terem admitido que apesar de estarem em curso negociações entre as partes através dos mandatários, concomitantemente o Banco Réu, aqui Recorrido, estava a ceder o crédito a terceiros, tendo chegado a esta apreciação, não retiraram daí nenhuma consequência, como deveria ter acontecido, o que não compreende.

  7. Ao contrário do que decidiram os Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, a constatação de que enquanto as partes discutiam um acordo negocial entre os seus mandatários e o Banco Réu, aqui Recorrente, este por seu lado, cedia o crédito, deveriam ter entendido que as negociações inter partes protagonizadas pelos mandatários correspetivos, vinculavam as partes e por isso teriam necessariamente consequências, em vez de terem desonerado o Recorrente de tal dever de respeito pelas negociações que estavam em curso.

  8. Constata-se que no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, os factos dados como provados, foram julgados em sentido diverso daquele que deveria ter sido acolhido, nomeadamente a configuração de um verdadeiro rompimento de negociações pré-contratuais, que deverá, com o devido respeito, ser alvo de reparação por parte do Supremo Tribunal de Justiça.

  9. O Tribunal da Relação do Porto não teve em consideração os emails trocados entre os mandatários das partes que se encontram juntos aos autos, nem sequer as conversações tidas entre estes mesmos mandatários, conforme ficou demonstrado e provado em audiência de discussão e julgamento.

  10. Não se compreende que o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, refira que não houve propriamente negociações entre as partes a anteceder a realização de um “tal acordo”, visto que estando os mandatários a dialogar entre si, fazem-no em representação das partes, são verdadeiras negociações inter partes e vinculativas e não simples “manobras de distração”, pelo que ignorar este facto, cedendo o crédito enquanto estas negociações decorriam, é certamente uma manifestação de intolerável má fé.

  11. Do ponto de vista do Recorrente, é inadmissível que o Tribunal da Relação Porto entenda que as conversações havidas não foram idóneas a criar a convição de negociação de um acordo, conforme referem: “Portanto, nesta fase, o Banco Réu limitou-se a entrar em negociações com vista ao acordo de suspensão da execução, não podendo ser tida como idónea para criar na outra parte uma convicção séria e fundada na conclusão desse acordo ou seja, havia a simples esperança de que tal sucedesse...”., não considerando, portanto, toda a extensão das conversações existentes, como idóneas, reitera-se, para criaram a expetativa de um acordo em negociação, como efetivamente na altura estava em curso.

  12. O Tribunal da Relação do Porto, acrescenta na sua fundamentação que “... Na sequência dessa comunicação o Autor e as irmãs conseguiram que um familiar se predispusesse a emprestar-lhe o referido valor, tendo então solicitado ao Banco Réu a marcação de reunião para acerto de contas e reduzir a escrito o respectivo acordo, sendo que, em resposta, este lhe comunicou que tinha cedido os créditos a outra entidade, a I....”, o que a ter acontecido, o Recorrente não compreende como é que os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto entenderam este comportamento como aceitável.

  13. Em função de tal constatação vertida no douto Acórdão, o Recorrente entende que o Tribunal da Relação do Porto ao considerar que apenas faltava reduzir a escrito o acordo atingido nas conversações, considerou estarem as mesmas negociações realmente realizadas e com um concreto ponto de entendimento atingido, que ao ser renegado e subsequente ter sido dada como resposta que já foi cedido o crédito, se traduziu num claro desrespeito pelas negociações ocorridas entre as partes até àquele momento.

  14. Desde modo, não pode retirar-se outra conclusão que não seja a de que o Banco Réu/Recorrido atuou com clara deslealdade e desrespeito, com claro prejuízo do Recorrente, traduzindo assim evidente má fé, ao contrário do decidido pelo Tribunal da Relação do Porto e que deve merecer a competente retificação desse Supremo Tribunal de Justiça.

  15. O direito do Banco Réu, aqui Recorrido, ceder o crédito conforme previsto no 557.º do C.C., não se coloca em questão, naturalmente desde que o faça sem atropelar os deveres de lealdade e boa fé que devem preceder as negociações quer preliminares quer concludentes, em que se envolveu com o seu cliente aqui Recorrente.

  16. O Recorrente entende, que não esteve bem o Tribunal da Relação do Porto, porque mesmo tendo admitido a ruptura das negociações, entendeu que esta não implicava necessariamente a violação das regras da boa-fé, e que por isso não se podia concluir que só pelo facto de ter havido ruptura tivesse havido má fé; isto é, concluiu erradamente que a ruptura de negociações no caso concreto, não se poderia traduzir em má-fé por parte do Banco Réu, aqui Recorrente, o que deve merecer julgamento diferente.

  17. O Recorrente vem ainda pugnar por entendimento diferente daquele que foi retirado, pelo Tribunal da Relação do Porto, quanto à aplicação, do direito, quando decidiu não se ter verificado no caso em análise, violação das regras previstas no art.º 227.º do C.C., ou seja que o Banco Réu, aqui Recorrido, não violou os deveres de boa fé, nas...

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