Acórdão nº 1463/12.7BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelJORGE CORTÊS
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

ACÓRDÃO I- Relatório S....... –Sociedade …………………, Lda., incorporada, por fusão, na L……………… – Imobiliária, S.A., deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria impugnação judicial contra os actos de liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, referentes aos anos de 2008 e 2009, respectivamente, nos montantes de €29.609,80 e €58.836,00, pedindo a sua anulação. O Tribunal Tributário, por sentença proferida a fls. 230 (numeração do SITAF), datada de 31 de dezembro de 2019, julgou a acção parcialmente procedente e anulou a liquidações sindicados na parte atinente à correcção respeitante aos “juros suportados com empréstimos,” e absolveu a Fazenda Pública de o tudo o mais que foi peticionado pela Impugnante.

Contra a sentença foram interpostos recursos jurisdicionais, seja por parte da Fazenda Pública, seja por parte da Impugnante, conforme requerimentos, respetivamente, de fls. 291 e 335 e ss. (numeração do SITAF).

I - Recurso jurisdicional da Fazenda Pública A Fazenda Pública alega o seguinte: A.

Em súmula, a sentença sob recurso, no segmento que contra a AT decidiu (desconsideração de custos relativos a juros de empréstimos), estabeleceu que “(…) o que a Autoridade Tributária considerou foi que, caso a S....... não tivesse adoptado a decisão de conceder empréstimos a terceiros – em particular, à sociedade L........ – não teria a mesma necessitado da obtenção de financiamento por via dos empréstimos contraídos. Sucede, porém, que de tal consideração resulta, apenas, um juízo de valor face às opções tomadas pela Impugnante no que tange à concessão de empréstimos a terceiros e não já, conforme se impunha, qualquer indício fundado – susceptível de abalar a credibilidade dos elementos declarados – de que os empréstimos contraídos pela Impugnante e, em consequência, os encargos suportados com os mesmos, não são, à luz do artigo 23.º do CIRC, “manifestamente necessários à obtenção de proveitos da sociedade”; circunstância esta que dita, nesta parte, a procedência da pretensão da Impugnante”.

  1. Em conformidade, julgou a impugnação, nesta parte, procedente, determinando a anulação parcial das liquidações de IRC e Juros Compensatórios, dos anos de 2008 e 2009, no segmento relativo a Juros suportados com empréstimos.

  2. Inconformada, deduz a Fazenda Pública o presente recurso, cujo recorte discordante se centra na respeitosa discordância com a sentença recorrida, quando entende que a AT não logrou cumprir o seu dever de fundamentação substancial do acto, conforme a lei exige, ou seja, a demonstração da falta de indispensabilidade dos custos desconsiderados – juros de empréstimos.

  3. As correcções efectuadas fundaram-se no disposto no artigo 23º do CIRC, na redacção vigente à data dos factos, por se considerar que tais montantes não se haviam revelado indispensáveis à obtenção dos proveitos dos anos de 2008 e 2009, não sendo, por conseguinte, aceites enquanto custos dos exercícios.

  4. Sendo certo que qualquer custo não deve ser fiscalmente aceite quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações que não o interesse societário ou a tal encargo lhe falte um carácter de razoabilidade.

  5. Sobre o conceito de “indispensabilidade”, apelamos ao entendimento vertido no Acórdão do Pleno do STA, datado de 27/06/2018, recurso nº 01402/17, sufragando que “(…) o conceito de indispensabilidade dos custos, a que se reporta o artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas refere-se aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportado no âmbito das actividades decorrentes ao seu escopo societário. (…) Só quando os custos resultarem de decisões que não preencham tais requisitos, nomeadamente quando não apresentem qualquer afinidade com a actividade da sociedade, é que deverão ser desconsiderados”.

  6. A sociedade Impugnante afirmou que as operações em causa assumiam um carácter de normalidade para si e, portanto, que tais juros eram indispensáveis à obtenção dos seus proveitos, mas sem concretizar que relações comerciais as justificariam, ensaiando todavia associá-los a contrato de “factoring” por si celebrado com a empresa “H........ ………………., SA”.

  7. Existe manifesto paradoxo nesta tese, uma vez que, a par da necessidade de, no mesmo período, ter de recorrer a contrato de factoring, no intuito de antecipar prazos de recebimento dos clientes, a Impugnante contrai empréstimos, canalizando uma parte substancial dos mesmos para sócios e outras empresas, designadamente a aludida L........ Imobiliária, SA, mediante empréstimos por si concedidos, e sem cobrar quaisquer juros à empresa beneficiária.

    1. Os encargos financeiros relativos a juros de empréstimos objecto de desconsideração enquanto custo do exercício não se revestiam afinal de um carácter de verdadeira necessidade para a obtenção de quaisquer proveitos sociais.

  8. Ao custo desconsiderado falta-lhe enfim qualquer razoabilidade, dado que nenhuma razão atendível lhe assiste, de molde a justificar a situação em que uma sociedade, sem relações comerciais que o justifiquem, assume encargos financeiros – juros – quanto a empréstimos de que, nomeadamente, outra empresa em larga percentagem beneficia, inclusivamente, sem cobrança de quaisquer juros.

  9. Tudo conforme vertido no relatório inspectivo final, devidamente comprovado por prova documental e testemunhal produzidas pela AT nos Autos L. Donde que não possam ser enquadráveis no conceito de custo fiscal aceite, à luz do disposto no artigo 23º do CIRC, na redacção vigente à data dos factos, conforme defendido pela AT.

  10. A sentença sob recurso enferma de erro de julgamento, seja pela deficiente apreciação da prova documental e testemunhal produzida pela AT, seja pela desacertada interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis, designadamente o artigo 23º do CIRC e os artigos 74º/1 e 77º da LGT.

    XA Impugnante, na qualidade de Recorrida apresentou contra-alegações, tendo afinal concluído do seguinte modo:

  11. Vem a Recorrente Fazenda Pública pleitear a revogação da sentença proferida, em 31.12.2020, pelo Tribunal a quo que julgou parcialmente procedente a presente impugnação, por discordar da decisão de anulação das liquidações impugnadas na parte influenciada pela correção respeitante a "juros suportados com empréstimos".

  12. Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cf. artigos 635º nº 4 e 639º nºl e 2 do CPC), sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, perante as conclusões da alegação da Recorrente, afigura-se que a Fazenda Pública não põe em causa a existência do custo, alegando, apenas, ter cumprido o dever de fundamentação substancial do ato, quanto à demonstração da falta de indispensabilidade dos custos desconsiderados, em discordância com o disposto na sentença recorrida.

  13. Afigura-se, assim, a questão em recurso ser a de saber se padece a sentença recorrida de erro no julgamento que a Fazenda Pública lhe aponta, nomeadamente por: - Deficiente apreciação da prova documental e testemunhal produzida pela AT; - Erro na fundamentação da decisão, "pela desacertada interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis, designadamente o artigo 23º do CIRC e os artigos 74º/1 e 77º da LGT”.

  14. Desde já se diga que bem andou o Tribunal a quo que, ao conhecer da matéria, verifica que não tendo sido efectuada pela AT a prova da dispensabilidade dos gastos, tenha considerado a impugnação procedente quento a esse assunto.

  15. Porquanto, não logrou a Recorrente demonstrar, como lhe competia de acordo com as regras de repartição do ónus da prova, que a sociedade S......., S.A., incorreu num gasto irrazoável que devesse ser desconsiderado.

  16. Com efeito, analisada toda a matéria factual provada elencada pela sentença recorrida, não se evidencia qualquer distorção da realidade ou na aplicação do direito cometida pelo Tribunal a quo, nem quanto à apreciação das provas, nem na interpretação e aplicação dos artigos 23º do Código do IRC e os artigos 74, nº1 e 77º da Lei Geral Tributária (LGT). Vejamos.

  17. Antes da reforma do Código IRC operada em 2014, versão em vigor à data dos factos, o artigo 23º dispunha que "consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora".

    (sublinhado nosso) H) O conceito de indispensabilidade deu azo a um vasto acervo jurisprudencial, porém "é hoje bastante consensual que a indispensabilidade dos gastos deve, num plano geral, ser entendida como considerando dedutíveis aqueles que sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades. Tem-se afastado a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos." (Relatório da comissão de reforma do IRC, página 128 - disponível em https://www.occ.pt/fotos/editor2/relatorioirc.pdf).

  18. Conforme refere o Acórdão do STA, proferido a 04-09-2013, no processo nº 0164/12, disponível em http://www.dgsi.pt/: "um conceito de indispensabilidade que, afastando-se definitivamente da ideia de causalidade entre os gastos e rendimentos, põe a tónica na relação dos gastos com a atividade prosseguida pelo sujeito passivo, ou seja, considerando que o referido conceito de indispensabilidade se verifica sempre que os gastos sejam incorridos no interesse da empresa, na prossecução das respetivas atividades." J) Ora, in casu, o contrato de factoring, celebrado com a "H........ ……………, S.A.", é um instrumento que permite às empresas efetuar uma gestão adequada da sua tesouraria tendo por base a sua carteira de clientes, possibilitando o acesso a uma linha de financiamento, o qual tem por base a cedência dos créditos a receber sobre os seus Clientes, a uma empresa especializada - o Factor - permitindo às empresas financiar esses créditos por forma a melhorar a sua gestão de tesouraria. Tal operação assume, então, um caráter de normalidade, e...

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