Acórdão nº 2672/12.4TBPDLL1 -A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Julho de 2022

Magistrado ResponsávelTIBÉRIO NUNES DA SILVA
Data da Resolução07 de Julho de 2022
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça: -A- Foi, nos presentes autos de reclamação deduzida ao abrigo do disposto no art. 643º do CPC, proferida, neste Supremo Tribunal, a seguinte decisão em singular: «I Na acção declarativa intentada por Pescatum – Conservas e Pescas, SA contra Cofaco Açores – Indústria de Conservas de Peixe, SA, Santa Catarina – Indústria Conserveira, SA, Pão-do-Mar – Associação de Conserveiras de Peixe dos Açores e AA, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Interposto recurso, pela A., para o Tribunal da Relação de Lisboa, foi prolatado acórdão que julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.

Ainda inconformada, a A. recorreu para este Supremo Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 671º, nº1, do CPC, concluindo as suas alegações pela seguinte forma: «I. A Recorrente é uma indústria conserveira: o seu objeto, que resulta da sua certidão do registo comercial (...85) é “A pesca de atum e outros, por todos os meios e artes de pesca, a conservação dos produtos de pesca por todos os métodos e a sua conservação”, sendo o seu CAE principal o 10203: Conservação de produtos da pesca e da aquicultura em azeite e outros óleos vegetais e outros molhos.

  1. Ainda que, por razões circunstanciais e conjunturais, em determinado momento a Recorrente apenas se ocupe de uma ou mais determinadas fases do processo de conservação do atum, não invalida que ela seja tanto uma indústria conserveira, como todas as demais associadas da Pão-do-Mar (que é uma associação de indústrias conserveiras).

  2. É aliás requisito essencial para se ser associado da Pão-do-Mar ser uma indústria conserveira com sede nos Açores, pelo que se a Recorrente não o fosse, ou nem sequer poderia ser admitida como associada, ou então deveria ter sido expulsa (e não só não foi como em vários momentos integrou a Direção da Associação).

  3. Erra, pois, o acórdão recorrido na afirmação de que a Recorrente não era uma “sociedade conserveira”, asserção que constitui a única razão quo acórdão fornece para decidir pela improcedência do recurso e para ignorar sumariamente as alegações da apelação formuladas pela Recorrente.

  4. Aliás, o douto acórdão recorrido contradiz ele próprio a afirmação de que a Recorrente está de todo excluída da eficácia do Protocolo de 2005, ao admitir, pouco depois no seu raciocínio, que no Protocolo se previa que pudesse vir a beneficiar das verbas protocoladas “se viesse a adaptar as suas instalações e equipamentos à produção do produto final em lata nos Açores e demais condições exigidas na cláusula terceira do protocolo”.

  5. Tendo a 3.ª Ré, associação de que são associadas a Recorrente e as 1.ª e 2.ª Rés, obtido um mútuo bancário junto do Banco 1... no valor de €13.117.350,60, destinado a dotá-la dos meios financeiros necessários ao apoio das iniciativas empresariais dos seus associados no domínio da promoção e embalagem do atum transformado na Região Autónoma dos Açores, e tendo repartido os montantes assim obtidos por três das quatro associadas, com exclusão da Autora e vindo depois a repartir a parte que por acordo anterior, caberia à Autora, por duas das outras associadas, sem qualquer deliberação do órgão associativo competente ou de qualquer outro órgão, sem conhecimento da Autora, conduziu ao enriquecimento injustificado destas, à custa da Autora, ainda que tal mútuo tenha sido garantido pela consignação de prestações anuais que o Governo Regional se comprometeu a fazer-lhe ao longo dos 10 anos seguintes.

  6. Existindo um acordo datado de 2001, em que todas as quatro Associadas participaram, em que se define que uma das associadas receberia 56,63% do produto do financiamento a obter e as demais, incluindo a Autora, 15,79%, e sendo essa proporção cumprida na distribuição originalmente feita dos montantes obtidos por via do mútuo, e tendo a quota-parte da Autora ficado a constar como um crédito dela na contabilidade da Associação, 3.ª Ré, então a Autora dispunha de um direito subjetivo ao recebimento desse montante.

  7. A obtenção de tal mútuo pela Associação, 3.ª Ré, correspondeu ao exercício de um mandato sem representação, a coberto das atribuições gerais da Associação de representação das suas Associadas, e dele decorrendo a obrigação legal decorrente do art.º 1181º do Código Civil, de transferir para as mandantes os efeitos económicos do negócio celebrado.

  8. Não existindo nenhuma condição estabelecida para a repartição dos montantes obtidos por empréstimo bancário, não pode recorrer-se aos termos estipulados em sede de Protocolo com o Governo Regional para ficcionar tais condições para aquela distribuição.

    Ainda que assim se não entenda, X. Estando estipulado no Anexo ao Protocolo de 2005 uma obrigação de a Associada ter sede na Região Autónoma no momento da celebração do Protocolo ou nos dois anos subsequentes, não existe fundamento interpretativo para estender esse prazo de dois anos às demais obrigações impostas às Associadas da 3.ª Ré pela Cláusula Terceira do Protocolo de 2005.

  9. A Cláusula Terceira do Protocolo, à exceção das alíneas a), b) e d), não estabelece condições de elegibilidade para o recebimento de apoios, mas obrigações a que ficavam sujeitas as Associadas da 3.ª Ré ao começar a recebê-los e que só se podiam começar a cumprir depois de tais apoios serem recebidos.

  10. Tanto assim era que, no caso de alguma das Associadas não cumprir essas obrigações, o Protocolo previa que a 3.ª Ré deixasse de lhe entregar as prestações futuras ou que as reouvesse.

  11. Em todo o caso, e contrariamente ao que fundamenta a decisão de absolvição das Rés, o “empobrecimento” da Autora como contrapartida simétrica ou causal do enriquecimento das 1.ª e 2.ª Rés não constitui uma condição necessária da aplicação do instituto do enriquecimento sem causa e da obrigação de restituição que recais sobre estas, não sendo aliás tal conceito de “empobrecimento” previsto no art.º 473.º do Código Civil, que fala antes no enriquecimento “à custa de outrem”, sendo que o enriquecimento das Primeiras Rés pode acontecer “à custa” da Autora ainda que não se identifique um direito subjectivo e definitivo aos montantes que lhe caberiam na distribuição das verbas relacionadas com o Protocolo, devendo considerar-se a destinação de tais verbas, como critério de aferição da perda efetiva ou potencial que foi imposta à Autora, para que as Primeiras Rés, sem causa justificativa, pudessem enriquecer.

  12. Tendo sido deduzidos pedidos subsidiários contra a 3.ª e 4.º Réus que não se fundam nem se podem fundar no instituto do enriquecimento sem causa, a absolvição destes sem a fundamentação correspondente constitui nulidade da sentença.

  13. Tendo sido distribuídas as Primeiras Rés, associadas da 3.ª Ré, verbas anteriormente destinadas à Autora, sem precedência de qualquer deliberação da assembleia-geral, órgão exclusivamente competente para decidir tal distribuição, ou sequer de qualquer deliberação de qualquer outro órgão da Associação 3.ª Ré, nomeadamente da Direção, essa distribuição é nula, porque contrária à Lei, podendo tal nulidade ser decretada a todo o tempo e a pedido de qualquer interessado ou por conhecimento oficioso, devendo ser restituído tudo o que indevidamente assim tiver sido prestado.

  14. Assim deveriam as 1.ª e 2.ª Ré, subsidiariamente e apenas na medida em que se entendesse improcedente o pedido principal, ser condenadas a restituir à 3.ª Ré a totalidade do montante originalmente correspondente à quota-parte da Autora.

  15. Deveria ainda a 3.ª Ré, na qualidade de mandatária sem poderes de representação da Autora, ser condenada a entregar a esta a sua quota-parte no produto do mútuo obtido junto do Banco 1... ou do Protocolo de 2005, XVIII. E o 4.º Réu ser condenado por ter procedido à entrega dessas mesmas quantias às 1.ª e 2.ª Rés, na qualidade de Presidente da Direção.

  16. O acórdão recorrido viola assim os art.º 473.º, 481.º, 1181.º, 1182.º do Código Civil e 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil.

  17. Deve, assim, ser revogado acórdão ora recorrido e, apreciada a sentença de 1.ª instância à luz da alegação formulada e que o acórdão recorrido escolheu ignorar, sendo a. a 1.ª Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 1.683.442,50; b. a 2.ª Ré condenada a pagar à Autora a quantia de € 561.147,50; Subsidiariamente, e apenas no caso de se julgar improcedentes os pedidos formulados contra as 1.ª e 2.ª Rés c. a 1.ª Ré ser condenada a restituir à 3.ª Ré a quantia de € 1.683.442,50; d. a 2.ª Ré ser condenada a restituir à 3ª Ré a quantia de € 561.147,50; e, sempre e. Devem ser condenados, solidariamente, os 3.ª e 4.º Réus a pagar à Autora a quantia de € 2.244.590,00.» A Exmª Desembargadora Relatora decidiu não admitir o recurso, nos seguintes termos: «Recurso de revista interposto pela autora apelante: O recurso de revista não é admissível nos termos do artigo 671º nº3 do CPC...

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