Acórdão nº 750/09.6 BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO A DIGNA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante DRFP ou Recorrente), interpôs recurso da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, a qual julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por “G…, Lda” contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra o ato de liquidação de Imposto sobre Rendimentos das Pessoas Coletivas (IRC) e de Juros Compensatórios (JC), do exercício de 2004, no montante global de €54.177,90.

A Recorrente formulou as conclusões que infra se descrevem:

  1. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a impugnação deduzida por G…, Lda., pessoa coletiva 5……….

    , melhor identificada nos autos, contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa nº 3085200804002407, apresentada contra o ato de liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2004, e respetivos juros compensatórios, correspondentes à nota de cobrança nº 2007 1365733, no valor global de €54.177,90, e em consequência anulou os referidos atos de liquidação de IRC e juros compensatórios, na parte referente às correções dos valores de honorários pagos pela Impugnante aos seus sócios e do valor do subsídio de alimentação atribuído ao sócio-gerente Pedro Ferreira Moniz Pereira, improcedendo no que respeita ao demais.

  2. Em causa nos autos está a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2004, e respetivos juros compensatórios, correspondentes à nota de cobrança nº 2007 1365733, no valor global de €54.177,90.

  3. Em sede de inspeção externa aos anos de 2003, 2004 e 2005, a coberto das Ordens de Serviço n.º OI200701929, OI200701930 e OI200701931, foram efetuadas, em sede de IRC de 2004, correções aritméticas no valor de €180.117,34 decorrentes de não comprovação da indispensabilidade dos custos registados como honorários de trabalhadores independentes, subsídios de alimentação e pensões, nos termos do art.º 23.º, n.º 1 do CIRC.

  4. Foram os referidos custos, registados como honorários, requalificados como adiantamentos por conta dos lucros, nos termos da alínea h) do nº 2 do artigo 5º do Código do IRS.

  5. Ora, o art.º 23.º do CIRC, na redação vigente à data dos factos tributários, estabelece, no seu n.º 1, que se consideram “custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes (…)”.

  6. Portanto, são dois os requisitos para que os atuais gastos ou perdas das empresas sejam dedutíveis do ponto de vista fiscal, que sejam comprovados com documentos emitidos nos termos legais e que sejam indispensáveis para a realização dos proveitos.

  7. O art.º 23.º do CIRC enumera de forma exemplificativa as despesas efetuadas pelas empresas que podem ser consideradas gastos, ou seja, como componentes negativas do resultado líquido do exercício, tendo como elemento preponderante a indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto, ou para a manutenção da fonte produtora.

  8. Não basta, portanto, que exista uma conexão entre gastos e ganhos para que os primeiros tenham relevância fiscal, é, pois, necessário comprovar a sua indispensabilidade para a formação dos rendimentos e ganhos.

  9. O Tribunal a quo considerou indispensáveis os gastos, uma vez que a saída dos sócios F…, M… e M… implicou “a sua substituição por outras pessoas para exercerem, respetivamente, o mesmo tipo de funções”.

  10. Acontece, no entanto, que a identificação das funções desempenhadas pelos referidos sócios foi feita única e exclusivamente com base em prova testemunhal, nomeadamente, nos depoimentos das testemunhas F…, sócio da Impugnante, e ainda A…, contabilista, funcionária da Impugnante desde 1993.

  11. Considerou o Tribunal a quo que ambas as testemunhas “demonstravam ter conhecimento direto dos factos, tendo prestado depoimento de forma sincera e espontânea que ao Tribunal mostrou ser credível”.

  12. Verifica-se, no entanto, que, a título de exemplo, a testemunha F… foi aos autos prestar depoimento sobre as funções que o próprio desempenhava, o que em termos de força probatória é bastante debilitante.

  13. Identificar, com a especificidade feita na sentença ora em crise, as funções desempenhadas por cada um dos sócios, apenas com base em prova testemunhal, é, no mínimo, insuficiente e consubstancia claro erro de julgamento.

  14. Os documentos têm uma função representativa ou reconstitutiva do objeto, destinando-se a servir como meio de prova real de determinados factos – Acórdão do TRP de 04/07/2016, no âmbito do processo n.º 197/14.2TTOAZ.P1, in www.dgsi.pt O) Já a prova testemunhal terá de ser valorada em consonância com a prova documental apresentada, não tendo a virtualidade de provar factos apenas justificáveis documentalmente, como sucede no caso concreto.

  15. Importava, portanto, apurar as funções desempenhadas pelos sócios da Impugnante, ora Recorrida, no âmbito da Impugnante, não apenas com base em prova testemunhal, mas com alguma base documental que pudesse corroborar os depoimentos prestadas.

  16. Aliás, num dos depoimentos, a testemunha [M…], que foi até sócia gerente da Impugnante, prestou um depoimento cheio de lacunas, imprecisões, de esquecimentos, extremamente inseguro, de forma que se torna praticamente impossível atribuir algum tipo de credibilidade ao depoimento prestado e aos factos narrados.

  17. Não se recordando das pessoas com que trabalhava diretamente, se trabalhava a tempo parcial, referindo apenas que “devia ser parcial” ou se recebia uma remuneração mensal da empresa! S) Sendo certo que o Tribunal a quo considerou pouco relevante o depoimento da testemunha, uma vez que a mesma não se lembrava dos factos, atento o lapso de tempo já decorrido, ainda assim acolheu como válido que a mesma “depois de reformada, começou a colaborar com a Impugnante como tradutora, com funções de coordenação, já que tinha feito curso de tradução e formação em línguas”.

  18. E deu como provado no ponto 11) do probatório que “Pelo menos entre 2003 e 2005, M… desempenhou as funções de coordenadora do departamento de traduções da Impugnante” e no ponto 15) que “Os 4 sócios da Impugnante tinham presença regular na sociedade, duas a três vezes por semana, com horário variável e a tempo parcial, onde exerciam, respectivamente, as suas funções”.

  19. Ora, o Tribunal a quo não podia ter retirado tais consequências do depoimento das testemunhas, face à clara debilidade do depoimento testemunhal de M….

  20. Além disso, não considerou o Tribunal a quo o facto de que a Impugnante tinha trabalhadores dependentes e independentes a exercer as referidas funções que os sócios alegavam exercer.

  21. Questionamos, portanto, e aliás, alegámos tal facto em sede de contestação, sem que tivesse sido cogitada pelo Tribunal a quo a alegação da Fazenda Pública, de quantas pessoas precisava a Impugnante para o exercício da atividade, nomeadamente, de tradução, de forma que além dos funcionários que já constavam da empresa, careciam que os sócios fizessem esse trabalho.

  22. Note-se que os recibos emitidos pelo sócio F… indicam a atividade de psiquiatria, o que era aliás a sua área de atividade.

  23. O próprio sócio F…, em depoimento como testemunha, embora tenha referido que pelos serviços que prestava à Impugnante recebia uma remuneração e passava recibos, fazia-o como médico, uma vez que nem sequer estava coletado como o que afirma ter sido os serviços prestados, de agente de propriedade industrial, ou especificamente, de adjunto de agente de propriedade industrial.

  24. Pelo que, novamente, não existindo prova documental do alegado, e havendo provas, isso sim, de recibos passados na qualidade de psiquiatra, não se compreende como pôde o Tribunal a quo considerar os gastos com os sócios como indispensáveis, face às patentes dúvidas relativamente à sua efetiva prestação de serviços na Impugnante.

    A

  25. Só devem ser aceites os gastos essenciais ao processo produtivo e à obtenção de proveitos, sendo considerados gastos indispensáveis os que são realizados no interesse da empresa e que contribuem para a obtenção do lucro de forma direta ou indireta.

    BB) O requisito da indispensabilidade dos custos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica, isto é, deve ser determinado de acordo com aquilo que é considerado útil e inevitável para a realização dos proveitos ou a manutenção da fonte produtora da empresa.

    CC) Não deve ser interpretado de forma abstrata, mas de acordo com critérios essencialmente económico empresariais, através de uma razoabilidade que não se mede por uma maior ou menor prudência na administração do negócio, mas sim face à coerência em incorrer em determinada despesa tendo em conta o objeto social da empresa e as circunstâncias do caso concreto.

    DD) A indispensabilidade não deve ser aferida por critérios de eficiência na gestão da empresa ao incorrer em determinada despesa.

    EE) O Tribunal a quo considerou, portanto, que a Impugnante, ora Recorrida logrou provar a indispensabilidade dos gastos incorridos com honorários aos sócios.

    FF) O Tribunal a quo não fez, contudo, qualquer esforço no sentido de avaliar se os gastos efetivamente feitos o foram com intenção de obter proveitos para a empresa e os que não tinham essa intenção, limitando-se a considerar que todos os gastos tidos pela Impugnante, ora Recorrida, pagos aos sócios a título de honorários, tinham essa intenção.

    GG) Isto apesar de nos recibos não se encontrar discriminada a natureza das funções, inexistir qualquer contrato de prestação de serviços entre a Impugnante, ora Recorrida e os sócios e até num dos casos os recibos serem passados como psiquiatra [F…].

    HH) Em matéria de ónus da prova refira-se que quando a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), atuando ao abrigo do princípio da legalidade, fundamentadamente, faz emergir a dúvida sobre relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, necessária e logicamente, por se encontrar...

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