Acórdão nº 1649/10.9BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelSUSANA BARRETO
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - Relatório J…e M…, não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente, por não provada, a impugnação judicial por si deduzida, contra as liquidações de IRS, referentes aos exercícios de 2006 e 2007, no valor global de € 21 265,45, dela vieram recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Nas alegações de recurso apresentadas, os Recorrentes, formulam as seguintes conclusões: 1) Quanto à legalidade da avaliação indireta: O procedimento de revisão abrange, não só as operações de quantificação através de métodos indiretos, mas também a decisão de os utilizar, como se evidencia claramente no n.º 1, do artigo 117.º do CPPT; 2) Se a posterior impugnação dos atos tributários com base em “erro nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos” depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, é forçoso concluir que este procedimento abrange a decisão de utilização de métodos indiretos (Cfr. Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, LGT comentada e anotada, 4.ª edição, nota 5 ao artigo 86.º, página 746); 3) As correções não se basearam em presunções ou indícios, pois não se partiu de uma realidade desconhecida para se chegar a um concreto valor de imposto a pagar, antes se procedeu a alterações à declaração do contribuinte, face a outros elementos contabilísticos e documentais recolhidos na sua própria contabilidade, e cujas operações já se encontravam inscritas na sua própria contabilidade; 4) Não estava sequer, a AT autorizada a socorrer-se dos métodos indiretos para proceder a correções à declaração do reclamante, uma vez que dispunha de elementos documentais e declarativos suficientes, para efetuar as correções, que, de resto, consistiram em contabilizar e inscrever, de modo diferente, determinados valores previamente declarados pelo reclamante; 5) A AT lançou mão de juízos presuntivos sem, contudo, ter lançado mão da metodologia indireta, uma vez que se ancorou de meras correções técnicas, o que basta para se concluir pela ilegalidade do apuramento; 6) O recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o recurso a correções técnicas se revele impraticável (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07.05.2003, Processo n.º 0243/03, disponível em www.dgsi.pt.); 7) Quando a AT entenda que a declaração do contribuinte sofre de erros, incorreções ou omissões, pode proceder a alterações à declaração do contribuinte lançando mão de correções técnicas, ou seja, pode proceder a alterações à declaração do contribuinte, mas ainda com recurso aos elementos contabilísticos apresentados pelo mesmo contribuinte; 8) Quando a declaração do contribuinte seja inexistente ou de tal modo inexata ou incompleta, pode a AT lançar mão dos métodos indiretos (tributação por métodos indiretos); 9) Este modo de tributação efetua-se a partir de indícios, presunções ou outros elementos, assenta na tributação presumida, tem caráter extraordinário ou excecional e é subsidiária e alternativa da tributação real ou efetiva; 10) É o que nos diz o artigo 81.º da LGT, n.º 1: A matéria coletável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios de cada tributo, só podendo a AT proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei, determinando no seu artigo 83.º a LGT que a avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação e a avaliação indireta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a AT e ainda, o artigo 85.º da mesma LGT que a avaliação indireta é subsidiária da avaliação direta; 11) À avaliação indireta aplicam-se, sempre que possível e a lei não prescrever em sentido diferente, as regras da avaliação direta e o art.º 88º LGT; 12) Tendo a AT lançado mão de juízos presuntivos sem ter procedido a uma metodologia indireta, uma vez que se ancorou de meras correções técnicas, sendo certo que o recurso aos métodos indiciários só é legalmente possível quando o recurso a correções técnicas se revele impraticável, deveria ter-se concluído pela ilegalidade do apuramento em causa, o que não sucedeu, razão pela qual deverá a Sentença recorrida ser revogada, o que se requer; 13) Quanto à liquidação da avaliação indireta: Segundo o n.º 4, do artigo 86.º da LGT, não pode ser invocada a ilegalidade da liquidação em que a matéria tributável tenha sido fixada em avaliação indireta, exceto quando tenha havido acordo; 14) Esta disposição não pode ter valor absoluto, podendo ser questionada a legalidade do procedimento em que foi obtido o acordo; 15) O que está em causa é a forma [por não estar demonstrados os desígnios determinados na lei para a utilização de métodos indiretos] e por que foram utilizados, ilegalmente, os métodos indiretos, quando, o que concretamente foi utilizado, foi uma correção técnica; 16) Deveria ter-se entendido que a questão relativa à ilegalidade da fixação da matéria tributável por métodos indiretos e a questão do erro na quantificação, ambas alegadas na petição inicial, podem, sim, ser objeto de impugnação judicial nos termos requeridos pelos Recorrentes; 17) Sob pena de violação do sobejamente conhecido princípio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, consagrados na nossa Lei Fundamental, invocação a qual, desde já e aqui, se procede; 18) Também por este motivo, deverá a Sentença recorrida ser revogada; 19) Quanto à falta de fundamentação: As alíneas do n.º 1, do artigo 87.º da LGT, são de natureza taxativa, e constituem um poder-dever, de especiais cuidados, que têm de estar evidenciados na atuação administrativa; 20) Na Sentença recorrida, a linhas 27 e sgs., das páginas 12 e 13 [nesta a linhas 1 a 3], refere-se claramente a alínea b), do artigo 87.º da LGT, quando se diz: “No referido relatório são patentes os motivos, de facto e de direito, que levaram às correções que estiveram na génese das liquidações, tenho sido especificados os factos pertinentes para o recurso à avaliação indireta, sendo também vem explicada a forma como se determinaram os valores corrigidos, elementos esses suficientes para esclarecer a motivação das liquidações adicionais e sindicá-las.”; 21) Em parte alguma do relatório do serviço de inspeção tributária se refere à impossibilidade de tal comprovação; 22) Foi neste sentido que pelos Recorrentes foi questionada a falta de fundamentação; 23) A lei não estabelece que o apuramento da quantificação possa ser moroso, mas sim que se comprove a impossibilidade; 24) O direito à fundamentação dos atos tributários ou em matéria tributária consubstancia uma garantia específica dos contribuintes, obedecendo aos requisitos expressos no artigo 125.º do CPA, que correspondem ao que se acha acolhido, no âmbito tributário, no artigo 77.º da LGT, seguindo o preceituado a nível constitucional no artigo 268.º, n.º 3 da Lei Fundamental, representando simultaneamente uma condição de inteligibilidade e de compreensibilidade da atuação da Administração Tributária [ou outra] e das suas decisões; 25) Como conceito relativo que é, o grau de exigência da fundamentação dos atos varia consoante a intervenção mais ou menos vinculada da Administração [Tributária], consoante a presença maior ou menor, ou ausência, de aplicação de conceitos indeterminados ou de aceções particulares da própria entidade administrativa, que o ato suponha e implique efetivamente; 26) No caso presente os atos impugnados, sendo em si em grande medida vinculados, carecem ainda assim de uma fundamentação que em parte alguma se exibe, esclarecedora da qualificação dos factos na sua base e da quantificação dos elementos para a sua determinação, nomeadamente para determinação da matéria tributável, taxa aplicada, etc., sendo que estes elementos são variáveis mas em parte alguma constam como a eles se chegou, nem qual foi a sua fonte; 27) Deverá dar-se por verificada a falta de fundamentação, razão pela qual também deverá a sentença recorrida ser revogada, o que se requer.

Termos em que, nos melhores de direito, e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a Sentença recorrida ser REVOGADA e, em consequência, ser proferida outra na qual seja anulada a liquidação, pelos fundamentos supra expostos, por ser de: LEI, DIREITO E JUSTIÇA.» A Recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.

Os autos foram com vista ao Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – Fundamentação Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: se a sentença recorrida padece de erro de julgamento ao decidir pela legalidade da avaliação indireta da matéria coletável e sua quantificação e pela suficiência da fundamentação dos atos de liquidação impugnados.

II.1- Dos Factos O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade: 1) Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI201201083, o impugnante e M…foram sujeitos a um procedimento de inspeção externo de âmbito geral, referente aos anos de 2006 e 2007, tendo os atos de inspeção decorrido entre 08/02/2010 e 10/05/2010 (facto que se extrai do relatório de inspeção tributária, a fls. do processo administrativo – PA – apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); 2) Em 07/08/2010 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria elaboraram relatório de inspeção tributária, relativo ao procedimento inspetivo referido no número antecedente, do qual se extrai o seguinte: “I – CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO (…) 3. Descrição sucinta das conclusões da ação de inspeção Da análise...

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