Acórdão nº 80/20.2T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório X, Lda., veio propor contra Condomínio do Prédio sito na Rua ...

, Bloco ..

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e ..

(Edifício ...

), a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo: a) seja declarada ilícita a resolução contratual operada pelo réu, sendo este condenado a pagar à autora a quantia de 5.440,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, a título indemnizatório; b) seja o réu condenado a pagar à autora a quantia de 5.117,63 € a título de capital em dívida resultante da soma das faturas vencidas e não pagas; c) seja o réu condenado a pagar à autora a quantia de 820,79 € a título de juros de mora, calculados à taxa legal, vencidos desde a data de vencimento das faturas até à presente data, aos quais deverão acrescer os juros vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para tanto alegou, em síntese, que, no âmbito da atividade a que se dedica, celebrou com o réu, em 01-04-2012, quatro contratos de manutenção referentes aos equipamentos “Elevador Hidráulico 300Kg 4 pessoas 6 Pisos”, instalados nos Blocos .., .., .. e .. do sobredito edifício, ficando acordado pelas partes que o preço do serviço de manutenção contratado seria de 57,04 € mensais, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, por referência ao equipamento instalado no Bloco ..

, e de 47,82 € mensais, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, por cada um dos equipamentos instalados nos Blocos .., .., e .., respetivamente, valores esses que seriam pagos de forma trimestral e adiantada, tendo sido renegociados em 01-10-2017 para o valor de 40,00 € mensais, acrescido de IV à taxa legal, por cada um dos equipamentos/contratos. Sustenta que cumpriu integralmente com a sua contraprestação, prestando de forma integral os serviços de manutenção e assistência contratados mas que por missiva datada de 24-09-2019, recebida pela autora no dia 30 do mesmo mês, o réu promoveu a cessação dos contratos celebrados com a autora, de forma unilateral e imotivada, invocando que a autora não tinha prestado, atempadamente, os serviços contratados, não tendo o réu, na referida data, procedido ao pagamento à autora do valor global de 5.117,63 € melhor descrito nas faturas juntas, assistindo-lhe ainda direito a receber, a título indemnizatório, as quantias que seriam devidas até ao final dos contratos celebrados, isto é, desde 01-12-2019 até 30-09-2022, o que resulta no valor de 1.360,00 € por cada contrato/bloco (40,00 x 34 meses) e no total acumulado de 5.440,00 €, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.

O réu contestou, excecionando a prescrição do direito da autora a exigir o pagamento de parte das faturas cujo pagamento é peticionado, ao abrigo do disposto no artigo 317.º, al. b) do Código Civil (CC), alegando que, tendo sido citado a 10-01-2020, e datando as faturas de 2015, 2016 e 2017, já decorreram mais de dois anos desde o vencimento das prestações reclamadas. Impugnou ainda parte da matéria alegada, negando que tivesse quaisquer dívidas em atraso, para além das quatro últimas faturas de junho de 2019, que respeitam ao período de 01-06-2019 a 31-08-2019 e sustentando que a resolução do contrato celebrado com a autora foi justificada no incumprimento do contrato por parte da autora, por culpa exclusiva desta, determinado pela omissão e falta de assistência a que estava obrigada, cujas avarias lhe foram oportunamente comunicadas ao longo de várias semanas, invocando sempre que a intervenção só seria efetuada após liquidação do saldo da conta corrente, pelo que o ora réu deliberou em rescindir com justa causa o contrato de assistência celebrado com a autora, cuja comunicação foi recebida por esta.

A autora respondeu, pugnando pela improcedência da exceção deduzida.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido saneador, com fixação do objeto do processo e enunciação dos temas da prova, o qual não foi objeto de reclamações.

Realizou-se a audiência final, após o foi proferida sentença, julgando prescrito o crédito da autora sobre todas as faturas com data anterior a 04-09-2017 mais decidindo a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou o réu a pagar à autora a quantia de 590,40 € acrescida de juros de mora a contar desde a citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo o réu dos restantes pedidos contra si formulados.

Inconformada com a sentença proferida dela apelou a autora, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Fundamenta-se o presente recurso na errada interpretação do disposto na alínea b), do artigo 317º do Código Civil quando a mesma julga prescrito o crédito da Autora/Recorrente sobre todas as faturas com data anterior a 04.09.2017; na existência de erro de julgamento no tocante à exceção perentória do pagamento, por violação das regras de direito probatório material, designadamente, violação do disposto no artigo 342º, nº 1 do Código Civil e na errada apreciação da matéria de facto.

  1. A prescrição presuntiva funda-se na presunção de cumprimento, ao contrário do que sucede com as prescrições extintivas, o decurso do respetivo prazo faz apenas presumir, nos termos da lei, que o pagamento foi realizado, dispensando o devedor (aqui Réu/Recorrido) da respetiva prova.

  2. A razão de ser da existência desta prescrição presuntiva reside no facto de as obrigações elencadas naquele artigo 317º do Código Civil serem cumpridas num prazo muito curto e não ser usual exigir um documento de quitação ou guardá-lo por muito tempo.

  3. Definidos o sentido e alcance da norma transcrita, temos que verificar a qual das situações elencadas na referida norma se aplica a situação em discussão nos autos, entendemos que, a nenhuma pois não estão em causa quaisquer “créditos de comerciantes pelos objectos vendidos a quem não seja comerciante ou os não destine ao seu comércio”, porquanto a relação estabelecida entre Autora/Recorrente e Ré/Recorrida em nada se relaciona com a compra e venda.

  4. Da mesma forma que não estão em causa “os créditos daqueles que exerçam profissionalmente uma indústria, pelo fornecimento de mercadorias ou produtos, execução de trabalhos ou gestão de negócios alheios, incluindo as despesas que hajam efectuado, a menos que a prestação se destine ao exercício industrial do devedor;”, pois que, a Autora/Recorrente não exerce “profissionalmente” qualquer “indústria” nem fornece “mercadorias ou produtos”, antes, a Autora/Recorrente prestou à Ré/Recorrida, desde o mês de Abril de 2012 e até ao mês de Setembro de 2019, serviços de manutenção de elevadores, cfr. ponto 3 dos “Factos Provados” e tais serviços de manutenção de elevadores também não se enquadram na definição incluída naquela norma de “execução de trabalhos”, atento o carácter duradouro da relação contratual estabelecida entre Autora/Recorrente e Ré/Recorrida a qual teve início em 2009, renovada por contrato em Abril de 2012, renegociada em Outubro de 2017 e que cessou em Setembro de 2019 6. Na verdade, é o caracter duradouro desta relação obrigacional, bem como, a emissão periódica de faturas e recibos de quitação que afasta a aplicação desta prescrição presuntiva, porquanto, à referida relação obrigacional não subjaz qualquer necessidade de proteção do aqui Réu/Recorrido Condomínio, salvaguardando-o da “difícil” prova do pagamento e da possibilidade de pagar duas vezes a mesma dívida.

  5. Como refere o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.10.2011 em www.dgsi.pt.:" Estando o administrador de condomínio obrigado a apresentar contas à assembleia e a guardar e conservar todos os documentos que digam respeitam ao condomínio, está o mesmo em condições de efectuar prova cabal do pagamento e por isso, não goza da protecção conferida pelas prescrições presuntivas, ou seja da presunção de cumprimento gue lhes é inerente", pelo que, por tudo o que aqui se expôs, temos que, o Réu/Recorrido não tem a qualidade de "consumidor comum", que é precisamente quem se pretende proteger pela prescrição presuntiva constante do mencionado artigo 317, nº 1, b) do Código Civil.

  6. Ademais, a Autora/Recorrente cumpre e sempre cumpriu as suas obrigações fiscais, ou seja, entregou sempre o recibo de quitação quando recebeu qualquer pagamento do Réu/Recorrido relativo a prestações sujeitas a IVA; pelo que, a administração do Réu/Recorrido tem à sua disposição todos os elementos contabilísticos que lhe permitem provar, nos presentes autos, os pagamentos que o mesmo alega ter feito.

  7. Perante a falta de pressupostos legais que permitam aplicar o disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 317º do Código Civil à relação contratual constante destes autos, nunca poderia o Réu/Recorrido beneficiar da inversão do ónus da prova resultante de tal presunção, pelo que, sempre caberia ao Réu/Recorrido provar os pagamentos que alega ter feito à Autora/Recorrente, pois que, não poderia fazer-se valer da presunção do pagamento.

  8. A errada interpretação que o Tribunal a quo fez do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 317º do Código Civil, fê-lo julgar, igualmente de forma errada, prescrito o crédito da Autora/Recorrente sobre todas as faturas com data anterior a 04.09.2017.

  9. Sempre deveria a Recorrida ter sido condenado ao pagamento à Autora/Recorrente da quantia de € 5.117,63 (cinco mil cento e dezassete euros e sessenta e três cêntimos) conforme peticionado, subtraindo-se a quantia de €590,40 (quinhentos e noventa euros e quarenta cêntimos) resultante da condenação em primeira instância.

  10. No seu articulado de contestação, o Réu/Recorrido alegou ter cumprido a obrigação em discussão nestes autos através do seu pagamento (cfr. artigo 7º sétimo do articulado de contestação), com efeito, o cumprimento da obrigação e a consequente extinção da mesma dá-se através da realização da prestação, neste caso, através do pagamento dos valores acordados no contrato de manutenção celebrado, no tempo e lugar devidos (cfr. artigos 762º, nº 1 e 763º nº 1...

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