Acórdão nº 199/21.2T8EPS.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelALCIDES RODRIGUES
Data da Resolução30 de Junho de 2022
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório J. M. instaurou contra (1º) J. A., (2º) S. M., (3º) D. S. e (4º) A. C., no Juízo de Competência Genérica de ... - Juiz 2 - do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, acção especial de prestação de contas, peticionando: a) o reconhecimento ao A. da percentagem de 25% dos lucros a apurar na presente; b) a condenação dos RR. J. A., S. M., A. C. e D. S. no pagamento ao A. das quantias que se vierem a apurar, serem-lhe devidas, em resultado da perícia requerida.

Para tanto e em síntese alegou que, a 17 de outubro de 2012, foi celebrado entre o A. o primeiro e segundo RR. um contrato de prestação de serviço e associação em participação para exploração de um estabelecimento comercial.

Posteriormente foi feito um novo contrato de associação em participação, envolvendo agora o 1ª e 4º réus.

A 13 de agosto de 2013, foi excluído da exploração do referido estabelecimento comercial pelos réus, sem que lhe tenham sido prestadas contas da sua exploração.

Não obstante tenha deixado de fazer parte fisicamente da sociedade, manteve, no entanto, o seu estatuto de “sócio/parceiro”.

*Citados, os réus 1º, 2º e 3º réus contestaram (ref.ªs 40003923 e 40003381 - fls. 62 a 67 e 78 a 83).

Excecionam, em primeiro lugar, a sua ilegitimidade passiva.

No mais defendem, no essencial, não existir qualquer obrigação de prestar contas, uma vez que não existiu qualquer sociedade ou outro facto que fundamente a obrigação de prestar contas.

*O autor respondeu (ref.ª 40163371- fls. 84 a 89), pugnando pela improcedência das exceções invocadas e pela condenação dos réus a prestar contas.

Mais invocou a litigância de má-fé dos réus contestantes.

*Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu decisão, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 942º, n.º 3, 1ª parte, do CPC (ref.ª 176564287 – fls. 134 a 143), nos termos da qual, julgando parcialmente procedente o incidente, decidiu:

  1. Condenar «os réus J. A. e S. M. a, em 20 dias, prestarem contas por força do contrato de parceria em associação descritos nos pontos 1º dos factos provados, desde a data aposta nesse contrato e até 4 de Abril de 2013, sob pena de, não o fazendo, não lhes ser permitido contestar as contas que o autor apresente».

  2. Condenar «o réu J. A. a, em 20 dias, prestar contas por força do contrato de parceria em associação descritos nos pontos 2º dos factos provados, desde a data aposta nesse contrato e até 21 de agosto de 2013, sob pena de, não o fazendo, não lhe ser permitido contestar as contas que o autor apresente».

  3. Absolver «os réus D. S. e A. C. do pedido de prestação de contas contra si dirigido pelo autor».

  4. Absolver «todos os réus contestantes do pedido de condenação como litigantes de má-fé contra si dirigido pelo autor».

*Inconformados, os réus J. A. e S. M. interpuseram recurso dessa decisão (ref.ª 41570927 – fls. 144 a 164) e, a terminar as respectivas alegações, formularam as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1- Nos presentes autos, o autor, ora recorrido peticiona a prestação de contas por parte dos Réus, entre eles os ora aqui recorrentes, sendo que estes contestaram a obrigação de prestar contas invocando a sua não obrigação 2- Refere o Tribunal a quo, que nos termos do disposto no art.º942.º n.º 2, do CPC, sendo contestada a obrigação de prestar contas, “O autor pode responder e, produzidas as provas necessárias, o juiz profere imediatamente decisão …”.

3- Ocorre que, tal possibilidade, estava vedada, face à defesa apresentada.

4- O art.º 942.º n.º 2.º do CPC, postula o seguinte: “Se o Réu não quiser contestar a obrigação da prestação, de contas, pode pedir a concessão de um prazo mais longo para as apresentar, justificando a necessidade da prorrogação”.

5- Por seu turno o art.º 942.º n.º 3, do CPC, dispõe que: “Se o Réu contestar a obrigação de prestar contas, o autor pode responder e, produzidas as provas necessárias, o Juiz profere imediatamente decisão, aplicando-se o disposto nos art.º 294.º e 295.º, se, porém, findos os articulados, o juiz verificar que a questão não pode ser sumariamente decidida, manda seguir os termos subsequentes do processo comum adequados ao valor da causa.” 6- o Tribunal a quo, não deveria ter decido sumariamente, a questão colocada, devendo “mandar seguir os termos subsequentes do processo comum adequado ao valor da causa”.

7- Para o efeito, note-se que os Recorrentes, além da prova documental, arrolaram várias testemunhas, conforme claramente decorre da contestação apresentada.

8- No entanto, a sentença foi proferida, findo os articulados, sem que tenham sido inquiridas as testemunha arroladas.

9- E tudo isto sem que tenha sido realizada a audiência de julgamento, para produção de prova nesse sentido ou, naturalmente, em sentido contrário! 10-Ou seja, no caso em apreço, o Tribunal a quo, para dar como provados determinados factos, teria forçosamente de produzir prova testemunhal nesse sentido, o que de todo não aconteceu na situação em apreço.

11- Desde logo, encontra-se violado o artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, que impõe a fundamentação das decisões proferidas pelos Tribunais, bem como o direito ao contraditório.

12-Ora, nos presentes autos, os Recorrentes impugnaram frontalmente a sua obrigatoriedade de prestação de contas, e quanto aos factos ocorridos indicaram várias testemunhas, o que é bem indicativo da sua intenção de, em sede de julgamento, demonstrar uma realidade diversa daquela que constava da petição inicial apresentada e da douta decisão.

13-O Professor, Antunes Varela, in Manual do Processo Civil, 2ª ed., pág. 385, afirma que normal é que o juiz, não estando ainda realizada a parte fundamental da instrução do processo, não possa conhecer da matéria no momento em que profere o despacho saneador.

14-No caso em apreço, o Tribunal a quo não dispunha de todos os elementos que lhe permitiam conhecer do mérito da presente acção, o que fez, tendo concluído pela procedência parcial da mesma.

15-Ou seja, aquando da prolação da sentença, o Tribunal a quo, ainda não tinha realizado, a parte fundamental da instrução do processo, encontrando-se assim impossibilitado de proferir qualquer decisão.

16-Acresce ainda que, o Tribunal a quo, entendeu erradamente, que face ao teor dos documentos juntos, o estado do processo permite o conhecimento imediato do mérito da causa sem necessidade de mais provas.

17-Note-se ainda que toda a alegação do autor/recorrido carecia de ser demonstrada, em momento subsequente, designadamente, através de prova a produzir em julgamento, ouvindo, inclusive, os RR e o A.

18-Ora, somos do entendimento, sempre com o devido respeito e conforme mais adiante tentaremos demonstrar que o Tribunal a quo, não deveria ter decido sumariamente, a questão colocada, devendo “mandar seguir os termos subsequentes do processo comum adequado ao valor da causa”.

19-É que, somente, a audição destes poderiam elucidar convenientemente a forma como foram efetuados os alegados contratos de prestação de serviços e Associação em participação, bem se o autor era trabalhador, sócio, ou prestador de serviços, e as concretas funções que Autor exercia na danceteria, por forma inclusivamente a se poder concluir, sem qualquer dívida, se estávamos perante um concreto e efetivo Contrato de prestação de serviços e associação em participação.

20-Tais questões, apenas podiam ser respondidas, por via de produção de prova testemunhal, sendo que tais factos eram essenciais para a boa decisão da causa.

21-Decidiu o Tribunal a quo pela obrigatoriedade de prestar contas por parte dos recorrentes, tendo-o feito após referir entender que “a decisão sobre a obrigação de prestar contas existe é uma questão estritamente jurídica, não dependendo de prova a produzir”.

22- Não havendo necessidade de fazer cumprir o contraditório, (art.º 3.º, n.º 3, do Código do Processo Civil)”.

23-Ora, o referido nº 3, do artigo 3º, veio ampliar o âmbito da regra do contraditório, tradicionalmente entendido como garantia de uma discussão dialética entre as partes ao longo do desenvolvimento do processo, trazendo para o nosso direito processual uma conceção mais alargada, visando-se prevenir as “decisões surpresa”.

24-Tal sentido amplo atribuído ao princípio do contraditório - que impõe que seja concedida às partes a possibilidade de, antes de ser proferida a decisão, se pronunciarem sobre questões suscitadas oficiosamente pelo juiz em termos inovatórios, mesmo que apenas de direito - já há muito vinha sendo afirmado pela jurisprudência constitucional, especialmente no processo penal, devido às garantias de defesa do arguido.

25-Como refere o ilustre professor Lebre de Freitas, o princípio do contraditório materializa-se, pois, em todas as fases do processo - quer ao nível dos factos, quer ao da prova, quer ao do direito propriamente dito - tendo as partes, em todos estes níveis, direito a, de modo participante e ativo, influenciar a decisão, tentando convencer, em cada momento e ao longo de todo o processo, o julgador do acerto da sua posição.

26-Ao nível do direito, o princípio do contraditório impõe que, antes de ser proferida a decisão final, seja facultada às partes a discussão de todos os fundamentos de direito em que a ela vá assentar, sendo aquele princípio o instrumento destinado a evitar as decisões surpresa.

27-É, ainda, uma decorrência do princípio do contraditório a proibição da decisão- surpresa, isto é, a decisão baseada em fundamento não previamente considerado pelas partes, como dispõe o nº 3, do referido artigo 3º.

28-Decisão-surpresa é a solução dada a uma questão que, embora pudesse ser previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que esta tivesse obrigação de prever fosse proferida.

29-A proibição da decisão-surpresa reporta-se, principalmente, às questões suscitadas oficiosamente pelo tribunal. O juiz que pretenda basear a sua decisão em questões não suscitadas pelas partes mas oficiosamente levantadas por si...

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