Acórdão nº 454/22 de Tribunal Constitucional (Port, 21 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução21 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 454/2022

Processo n.º 226/2022

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A., S.A. (a ora recorrente) impugnou judicialmente, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, um ato de liquidação da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) e dos respetivos juros compensatórios relativos ao ano de 2014.

A impugnação foi julgada totalmente improcedente em primeira instância.

1.1. A impugnante recorreu desta decisão para o Tribunal Central Administrativo Sul – invocando, designadamente, a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da CESE, previsto no artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014).

Por acórdão de 15/12/2021, o Tribunal Central Administrativo Sul negou provimento ao recurso.

1.2. A impugnante recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º do artigo 70.º da LTC, tendo em vista a apreciação da inconstitucionalidade das já referidas normas.

1.2.1. O recurso foi admitido no Tribunal Central Administrativo Sul.

1.3. No Tribunal Constitucional, o relator proferiu a Decisão Sumária n.º 176/2022, no sentido de não julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º, 11.º e 12.º do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético, aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro. Assentou esta decisão nos fundamentos seguintes:

“[…]

2. A questão sub judice mereceu, recentemente, a atenção da jurisprudência constitucional, como se verá de seguida.

2.1. O Tribunal Constitucional apreciou a inconstitucionalidade dos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 11.º do regime jurídico da CESE no Acórdão n.º 7/2019. Como se fez notar no Acórdão n.º 303/2021, que aderiu aos fundamentos daquele:

“[…]

4. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de se pronunciar, no Acórdão n.º 7/2019, sobre as normas ínsitas nos artigos 2.º, 3.º, 4.º e 11.º do regime jurídico da Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (adiante designada «CESE»), aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.

Nesse aresto, começando por referir a jurisprudência deste Tribunal sobre a distinção entre as várias categorias constitucionais de tributos, concluiu-se que a CESE tem a natureza de uma contribuição financeira, pelas seguintes razões:

«9. O regime que cria a contribuição extraordinária sobre o setor energético foi aprovado pelo artigo 228.º da Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro. No artigo 1.º, n.º 2, desse regime, determinou-se que a «contribuição tem por objetivo financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético, através da constituição de um fundo que visa contribuir para a redução da dívida tarifária e para o financiamento de políticas sociais e ambientais do setor energético».

Na sua sequência, o artigo 11.º do Regime Jurídico que cria a CESE, consignou a sua receita a um Fundo – o Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético (FSSSE), criado pelo Decreto-Lei n.º 55/2014, de 9 de abril – «com o objetivo de estabelecer mecanismos que contribuam para a sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente através da contribuição para a redução da dívida tarifária e do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, de medidas relacionadas com a eficiência energética, de medidas de apoio às empresas e da minimização dos encargos financeiros para o Sistema Elétrico Nacional decorrentes de custos de interesse económico geral (CIEGs), designadamente resultantes dos sobrecustos com a convergência tarifária com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira».

Estabeleceu o artigo 2.º do citado Decreto-Lei n.º 55/2014 sobre os objetivos do FSSSE:

«2 – O FSSSE visa contribuir para a promoção do equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético e da política energética nacional, designadamente através:

a) Do financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, relacionadas com medidas de eficiência energética;

b) Da redução da dívida tarifária do Sistema Elétrico Nacional (SEN), mediante a receita obtida com a contribuição extraordinária sobre o setor energético prevista no artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro».

10. A recorrente veio invocar que, em virtude da sua atividade, não exercia «qualquer atividade no setor electroprodutor, nem sequer em qualquer outro subsetor da eletricidade (a atividade da Recorrente é a de armazenamento subterrâneo de gás natural), pelo que em nada contribuiria para o problema da dívida tarifária do SEN». Assim sendo, não usufruiria da contrapartida traduzida na redução do défice ou dívida tarifária, pelo que não estaria assegurada a bilateralidade ou sinalagmaticidade do tributo, devendo este ser considerado um imposto.

Sucede que aquela redução é apenas um dos objetivos da CESE, prescrevendo a lei que esta contribuição visa, genericamente, o desenvolvimento de medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético.

Ainda que não referida a uma contraprestação direta, específica e efetiva, resultante de uma relação concreta com um bem ou serviço, o que afasta a sua qualificação como taxa, a sujeição à CESE de determinados operadores económicos tem como um dos seus objetivos «financiar mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético» (artigo 1º, n.º 2, do regime da CESE). É, a par do objetivo da redução da dívida tarifária – que é uma das suas causas –, o objetivo da promoção de mecanismos para financiamento de políticas do setor energético de cariz social e ambiental, e de medidas relacionadas com a eficiência energética, bem como de medidas de apoio às empresas, que gerará, igualmente, contrapartidas, ainda que difusas, dirigidas aos sujeitos passivos da CESE. A existência destas presumidas contraprestações que vão além do mero objetivo da redução tarifária, e que a criação do FSSSE garante, assegura, também, o caráter estrutural de bilateralidade ou sinalagmaticidade da relação subjacente ao tributo em causa, permitindo excluir a sua caracterização como imposto, já que nelas é possível identificar a satisfação das utilidades do sujeito passivo do tributo como contrapartida do respetivo pagamento. É a participação de um especial setor da atividade económica nos benefícios/custos presumidos da adoção destas políticas de financiamento que permite isolá-los dos demais contribuintes, sujeitando-os à contribuição criada pelas normas em apreciação, sem que essa diferenciação possa considerar-se violadora da Constituição, como veremos. Assim, apesar de não pressupor uma contraprestação direta, específica e efetiva, razão pela qual não pode ser qualificada como taxa, a CESE, reveste características de bilateralidade na relação entre o Estado e os sujeitos passivos do tributo, pela conexão entre a origem das receitas e o seu destino.

Não estamos, por isso, perante uma cobrança de tributo para participação nos gastos gerais da comunidade, numa pura angariação de receitas, que vise prover, indistintamente, às necessidades financeiras do Estado, que traduza o cumprimento de um dever geral de cidadania e solidariedade, como o dever de pagar impostos, em que esteja ausente uma qualquer contraprestação pública dedicada. Isto porque não é finalidade imediata e genérica deste tributo a obtenção de receitas, a serem afetadas, geral e indiscriminadamente, à satisfação de encargos públicos.

O facto de não ser possível individualizar-se, de forma concreta e absolutamente objetiva, uma compensação efetiva que, pelo seu conteúdo e natureza, seja especificamente dirigida aos sujeitos passivos que desenvolvam a atividade da recorrente, mas apenas as vantagens difusas, tal não retira caráter comutativo às prestações que visem financiar os objetivos que vão além da redução da dívida tarifária, já que estas contrapartidas não estão dissociadas de prestações públicas, ainda que genericamente destinadas a um grupo específico, sendo de presumir que os sujeitos passivos da CESE beneficiarão dos mecanismos que promovam a sustentabilidade sistémica do setor energético. Ou seja, no caso da CESE, estamos perante um tributo comutativo, em virtude de, ainda que de forma difusa, ser possível identificar nos objetivos do FSSSE, a que foi consignada, contraprestações destinadas a um determinado grupo de sujeitos passivos que mantêm suficiente proximidade com as finalidades que este prosseguirá, e no qual se se incluirá a recorrente .

Realizando a recorrente o armazenamento subterrâneo de gás natural e a construção, exploração e manutenção das infraestruturas e instalações necessárias para esse fim, dúvidas não restam que a recorrente sempre usufruirá do desenvolvimento das medidas que contribuam para o equilíbrio e sustentabilidade sistémica do setor energético, designadamente das que se associem à atividade do fundo criado que visa, entre outros objetivos, financiar políticas sociais e ambientais do setor energético, enquanto setor de serviços económicos de interesse geral.

Como é bom de ver, os operadores económicos deste setor, entre os quais a recorrente, em virtude do seu específico objeto social, irão, presumivelmente, aproveitar, como contrapartida da CESE, de mecanismos que promovem a sustentabilidade sistémica do setor energético, de cariz social e ambiental, a desenvolver pelo Estado regulador, garante dessa sustentabilidade . Ou seja, uma vez que a atividade desenvolvida por estes agentes económicos beneficiará das ações de regulação traduzidas no desenvolvimento de políticas sociais e ambientais do setor energético, que...

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