Acórdão nº 00824/17.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução27 de Maio de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: A Ordem dos Advogados veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, de 05.07.2021, pela qual foi julgada procedente a acção administrativa intentada pela Advogada FF...

e, por tal, anulado o acto impugnado, a deliberação tomada em acórdão de 10.11.2016 da 3ª Secção do Conselho Superior da Ordem dos Advogados, que confirmou, em sede de recurso, a pena disciplinar de multa de 500€00.

A Recorrida contra-alegou defendendo a manutenção da sentença impugnada.

O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer o sentido da procedência do recurso.

A Recorrida veio pronunciar-se sobre este parecer, mantendo no essencial a sua posição, assumida nas contra-alegações.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação dos factos constantes do Acórdão proferido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados que confirmou a decisão proferida no processo disciplinar que correu os seus termos no Conselho de Deontologia do Porto, e com a decisão proferida violou os artigos 83º, 94º e 110º do Estatuto da Ordem dos Advogados e ainda o artigo 2ª da Constituição da República Portuguesa.

  1. O Tribunal a quo labora num lapso na interpretação que fez da prova constante do PROCESSO DISCIPLINAR e dos artigos estatutários supratranscritos; 3. A questão fulcral que levou à condenação da Autora em pena de multa no processo disciplinar que correu os seus termos no Conselho de Deontologia do Porto e cuja decisão final foi confirmada no Conselho Superior da Ordem dos Advogados, não assenta exclusivamente no facto de a Sra. Advogada Autora ter patrocinado a ex-mulher do seu anterior cliente JJ... como parece transparecer da decisão proferida.

  2. Mas sim no facto de a Autora ter sido, anteriormente, mandatária de JJ... em dois processos – o processo de inquérito n.º 1/02.4TAVPA e o processo-crime n.º 58/04.3GCVPA - que envolviam o dito JJ... e a sua ex-mulher MM... e vir de seguida aceitar patrocinar acção contra o seu ex-cliente JJ....

  3. Há, de facto, um manifesto conflito de interesses quando um advogado, em qualquer situação, aceita patrocinar uma acção, ou um qualquer procedimento judicial ou extrajudicial, contra um ex-cliente/constituinte.

  4. Dos factos dados como provados, que assentam, essencialmente, da análise do processo disciplinar junto aos autos, resulta claro que a Autora foi mandatária de JJ... em dois processos – o processo de inquérito n.º 1/02.4TAVPA e o processo-crime n.º 58/04.3GCVPA – que envolviam o dito JJ... e a sua ex-mulher MM...

    .

  5. Também resulta que o dito JJ... teve com CC... dois filhos – AA... e JM... – que aquele acabou por perfilhar livremente no Processo Administrativo de Averiguação Oficiosa de Paternidade (Proc. n.º 137/03.4TAVPA, que correu termos na Unidade de Apoio dos Serviços do Ministério Público de Vila Pouca Aguiar – fls. 72 e 73 do Processo Administrativo junto em apenso).

  6. E é precisamente esta CC... que a Autora vem depois a patrocinar contra o seu anterior cliente JJ... na acção de regulação do poder paternal dos identificados filhos de ambos – AA... e JM...

    .

  7. Ao contrário do afirmado na decisão proferida, toda esta prova foi devidamente analisada e ponderada, tendo sido concluído, conforme resulta do relatório final perfilhado no acórdão proferido pelo Conselho de Deontologia do Porto e citado expressamente no acórdão do Conselho Superior.

  8. De facto, há um conflito de interesses quando a Advogada Autora aceita patrocinar CC... em processo de regulação do poder paternal contra o seu anterior cliente, quando anteriormente havia patrocinado este em dois processos-crimes que o opunham contra a sua ex-mulher MM..., e ainda lhe havia prestado informações jurídicas sobre um processo administrativo de investigação de paternidade.

  9. É patente o conflito de interesses e o risco da quebra do sigilo profissional.

  10. Ao aceitar patrocinar a mencionada CC... contra o seu anterior cliente JJ..., a Autora colocou-se numa situação de pôr em risco o cumprimento do dever de guardar sigilo profissional relativamente a assuntos do seu anterior cliente e desse conhecimento resultar vantagens ilegítimas ou injustificadas para a sua nova cliente.

  11. E quebrou o dever de lealdade para com o anterior cliente JJ... que se prolonga muito para além da questão sobre que o advogado é consultado ou para a qual é constituído ou nomeado.

  12. A Autora com o seu comportamento violou os deveres constantes do art.º 94º, n. º1 e n.º 5 do Estatuto da Ordem dos Advogados.

  13. E não exerceu a profissão da forma digna e no respeito dos deveres de retidão e lealdade postulados e exigidos no art.º 83º, n.º 1 e 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados.

  14. O acórdão impugnado, tendo feito suas as palavras transcritas do relatório final perfilhado pelo Conselho de Deontologia do Porto, valorou convenientemente toda a prova produzida.

  15. Qualquer referência no acórdão aqui em apreço de que a CC... era ex-mulher do anterior cliente da autora é um mero lapso de escrita e só como tal pode ser entendido, pois o acto praticado foi devidamente fundamentado, sendo que tal lapso não foi determinante para a apreciação da conduta da Sra. Advogada Autora nos autos disciplinares.

  16. Tal lapso não pode servir, por si só, para que o Tribunal a quo entenda, como entendeu, que: Impõe-se, assim, concluir que existe divergência entre os pressupostos de facto que a entidade administrativa teve em conta para tomar a sua decisão, e a sua real ocorrência, o que determina a anulabilidade do acto impugnado, nos termos previstos nos artigos 163º, nº 1 e 161º do Código de Procedimento Administrativo (CPA); 19. Só um erro de facto grosseiro ou erro manifesto na apreciação das provas pode enfermar de vício o acto e que determine a sua anulabilidade.

  17. Não pode, assim, considera-se que o Conselho Superior não tomou devidamente em consideração, nem valorou a prova junto aos autos do processo disciplinar ou que exista divergência entre os pressupostos de facto e os reais, pois toda a fundamentação consta dos actos praticados.

  18. O acórdão não padece do vício que a sentença lhe aponta.

  19. A Ordem dos Advogados, no exercício dos seus poderes públicos, desempenha as suas funções, incluindo a função regulamentar, de forma independente dos órgãos do Estado, sendo livre e autónoma na sua atividade.

  20. Nesta conformidade, a ação...

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