Acórdão nº 01372/21.9BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelAntero Pires Salvador
Data da Resolução27 de Maio de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo: I RELATÓRIO 1 . “II---, L.da”, com sede no Edifício (…), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF do Porto, datada de 9 de Maio de 2022, que julgou improcedente a providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo, interposta contra “AA---, SA”, com sede (…), onde requeria: - (i) que fosse concedida a presente providência cautelar, por provado o preenchimento de todos os requisitos legais, suspendendo-se a eficácia da Deliberação do Conselho de Administração da AA---, datada de 29/04/2021, notificada à Requerente em 3/05/2021, para todos os efeitos e com todas as legais consequências; (ii) a não se entender assim, sem conceder e subsidiariamente, ao abrigo do art. 122.º n.º 2 do CPTA, requeria que fosse concedida a presente providência cautelar sujeita à condição suspensiva de a Entidade Requerida facultar à Requerente um acesso por terra à parcela concessionada, idóneo ou em condições que permita a retirada dos bens existentes na parcela, e sujeita ainda a termo resolutivo, suspendendo-se a eficácia da sobredita Deliberação pelo prazo de 150 dias (prazo razoável necessário para a desocupação da parcela pela Requerente), a contar desde a verificação da condição suspensiva, para todos os efeitos e com todas as legais consequências.

* Nas suas alegações, a recorrente “II---, L. da” formulou as seguintes conclusões: "1) Liminarmente: sem prejuízo de, nas providências cautelares, ser devida uma summario cognitio da matéria que é trazida ao conhecimento do Tribunal, não pode a mesma confundir-se com uma apreciação absolutamente ligeira dos fundamentos que entretecem a pretensão, o que, salvo o devido e merecido respeito, perpassa das decisões recorridas, mormente da sentença recorrida, que chega a revelar-se contraditória e destituída da mínima fundamentação exigível.

2) Impressiona sobremaneira, também, que o digno Tribunal a quo irreleve total e absolutamente uma circunstância que entretece de forma fundamental a relação contratual em causa nos autos, aliás, trata-se mesmo de facto provado nestes autos, e que contribui para a verificação dos pressupostos de que depende a atribuição da tutela cautelar: a parcela concessionada não tem acesso público por terra (além do mais) – cfr. ponto 8 da fundamentação de facto da sentença recorrida. Ou seja, a Entidade Requerida concessionou uma parcela do domínio público, sendo a mesma inacessível por terra (além do mais) e sem garantir esse acesso, vindo agora exigir a desocupação da mesma, por onde não se sabe.

3) Relativamente ao requisito do periculum in mora negado pelo Tribunal a quo, quanto aos danos na imagem e reputação da Requerente e perda de clientela, temos que, em primeiro lugar e ostensivamente ao contrário do que propugna o Tribunal a quo, uma empresa não tem esse tipo de danos apenas quando é sujeita a um ato administrativo de caráter sancionatório ou a um ato sujeito a publicação, pois o que a este passo releva são os efeitos do ato, as repercussões do mesmo na esfera jurídica do destinatário que se revelam publicamente e podem ser vistas e conhecidas por todos, mormente pelos clientes, não a respetiva natureza dogmática ou o teor do ato que surge em publicação.

4) Quanto à desocupação coerciva, se é certo que a mesma agrava os danos quanto aos interesses de que cuidamos, a verdade é que os mesmos existem, também, sem ela (e é isso que consta do ri.) – não obstante, a mesma coloca-se praticamente como uma inevitabilidade no caso, pois alegou-se e provou-se (facto relevantíssimo que o Tribunal a quo parece ignorar) que o acesso terrestre à parcela concessionada, de molde a permitir a retirada dos bens, implica a passagem por propriedade privada (ponto 8 da fundamentação de facto da sentença), não podendo a A. contar com a tolerância da atual proprietária para esse efeito.

5) Em segundo lugar, a Requerente não tem que quantificar ou atribuir um valor à clientela para que esta mereça proteção jurídica nos termos aqui equacionados; aliás, o motivo pelo qual a perda de clientela é, pacificamente, reconhecida como prejuízo de difícil reparação é, precisamente, porque a mesma é incontabilizável.

6) Ademais, nos termos em que foi alegado pela Requerente, trata-se de dano conatural à execução do ato suspendendo, estando-se perante factos e circunstâncias que não podem ser pura e simplesmente desconsiderados pelo Tribunal a quo – veja-se mormente o alegado nos arts. 92.º e 93.º do ri. e diga-se ainda que tal matéria podia e devia ter sido objeto de prova testemunhal, que o Tribunal impediu, sendo que parte das testemunhas arroladas são mesmo clientes da Requerente que poderiam atestar os factos e circunstâncias invocados.

7) Bem assim e em terceiro lugar, quanto à situação financeira da Recorrente, desde logo, não corresponde à realidade que apenas se tenha alegado a inexistência atual de faturação: vejam-se os arts. 105.º e 106.º do ri. – referiu-se a ausência de faturação atual e referiu-se a necessidade de venda de equipamentos e instrumentos de que a Recorrente é proprietária e que servem para o desenvolvimento da atividade (recheio das instalações, perfeitamente alegado no ri., e moldes de fibra para construir barcos, tudo alegado no art. 27.º, ponto 1) e ponto 2), al. vii) do ri. e provado no ponto 7 da fundamentação de facto da sentença), para fazer face às despesas que a mesma tem tido que satisfazer, despesas com os litígios judiciais e dívida à segurança social, o que é factologia bastante para alicerçar as conclusões que se retiram (cfr. arts. 107.º e 108.º do ri.).

8) Além disso, não se percebe, o Tribunal a quo não o diz, por que razão a prova testemunhal não seria idónea a comprovar os factos e circunstâncias aí alegados pela Recorrente, adiantando-se desde já que uma das testemunhas arroladas no ri. é a pessoa responsável pela contabilidade da empresa (Francisco Fonte), não podendo recusar-se ao Recorrente a possibilidade de provar os factos que alega e cujo ónus da prova lhe compete, com vista à demonstração do periculum in mora.

9) Por outras palavras, não vemos que existisse ou exista qualquer exigência legal de determinado meio de prova, mormente documental, para prova dos factos alegados a este propósito, sendo assim que era aqui essencial a produção da prova testemunhal requerida.

10) Em quarto lugar, os danos que se alegam são atuais e iminentes e decorrem diretamente do ato suspendendo, ou seja, da ordem de desocupação da parcela, e é isso que está diretamente em causa, a execução desse ato administrativo e a suspensão dos respetivos efeitos, independentemente de o mesmo ter por fundamento a cessação do contrato de concessão, questão que não releva para a ponderação do periculum in mora, mas antes do fumus boni iuris! 11) Por fim e em quinto lugar, não corresponde à realidade que da posse administrativa resulte apenas que a Entidade Requerida toma posse dos terrenos objeto do contrato de concessão do domínio público, ocupados pelas obras, materiais, edificações, estaleiros, ferramentas, máquinas que se encontram no local e que ficarão à sua guarda, pois não é isso que o ato suspendendo diz, expressamente, nos seus pontos 2, 3, 4 e 5 (cfr. ponto 13 da fundamentação de facto da sentença), bem como não é isso que resulta do teor dos n.ºs 5 a 7 da Cláusula Vigésima Primeira do contrato de concessão, para os quais o ponto 5 do ato remete (cfr. ponto 3 da fundamentação de facto da sentença).

12) Ainda quanto ao periculum in mora, agora no que diz respeito à retirada das embarcações de terceiros, temos que, em primeiro lugar, não está em causa saber se o risco é normal ou anormal, nem se corre pelos transportadores; o que está em causa é evitar esse risco, impedindo que o mesmo se concretize por força da execução da ilegal deliberação suspendenda, isto porque, como é óbvio e é o que aqui releva para os interesses da Recorrente, perante os seus clientes, é sempre esta que responde.

13) Em segundo lugar, não é verdade que os custos da operação de remoção não venham aflorados nos autos, adiantando-se no art. 117.º do ri. valores entre os 60.000 e os 70.000 euros.

14) Quanto ao mais que vem dito em relação à prova da situação financeira e da venda do património, vale tudo o que dissemos supra a propósito da prova testemunhal e do direito à prova da Recorrente, dando-se aqui por reproduzidas, para todos os legais efeitos e por uma questão de economia processual, as conclusões 7), 8) e 9) supra, a este propósito.

15) Em suma, decorre de tudo quanto vimos de expor que a sentença recorrida, ao concluir, por todos os erróneos motivos expostos, que inexiste periculum in mora, incorre em erro de julgamento por violação do n.º 1 do art. 120.º do CPTA; 16) Incorrendo ainda, quer a sentença, quer o precedente despacho referente à prova, também recorrido, em erro de julgamento por violação do art. 118.º, n.º 5 do CPTA e do direito à prova que assiste à Recorrente, tudo a impor a revogação de ambas as decisões recorridas.

17) Relativamente ao fumus boni iuris, salvo o devido e merecido respeito, não pode entender-se que o digno Tribunal a quo, tendo julgado inverificado o periculum in mora nos autos (numa análise já de si absolutamente... parca) venha conhecer, verdadeiramente em duas penadas, o fumus boni iuris! 18) Em relação às questões da vigência do contrato e da impossibilidade do objeto ou conteúdo do ato, a sentença é claramente nula por não conter um pingo de fundamentação, limitando-se a referir, quanto à primeira, que os vícios imputados não permitem concluir pela probabilidade de êxito da ação principal, e, quanto à segunda, que “é inequívoco que o ato suspendendo não padece de impossibilidade física ou jurídica dos efeitos, bens ou medidas que encerra”. Uma coisa é a summaria cognitio, coisa diferente é formular meras proposições conclusivas, o que aqui sucede, sendo assim a...

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