Acórdão nº 03538/15.1BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 27 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelHelena Ribeiro
Data da Resolução27 de Maio de 2022
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte: I.RELATÓRIO 1.1.

AA---, S.A.

, moveu a presente ação administrativa de condenação à prática de ato devido, nos termos do art.º 50.º e seguintes do CPTA, contra o MUNICÍPIO (...), na qual impugnou a deliberação que indeferiu o pedido de transferência da competência da atividade de fiscalização da esfera do MUNICÍPIO (...) para a Autora, no âmbito do contrato de constituição do direito de superfície para conceção, construção e exploração de dois parques de estacionamento subterrâneos para viaturas e atribuição da concessão de exploração de lugares de estacionamento pagos na via pública, tendo formulado, a final, o pedido nos seguintes termos: “(...) i) Deverá ser anulada/declarada a nulidade da deliberação da Câmara Municipal de (...), tomada em reunião ordinária em 06.07.2015, na qual se proferiu decisão final de indeferimento do pedido formulado pela Autora em 04.11.2014 (permitir que a Autora, na qualidade de empresa privada concessionária de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob jurisdição municipal, no âmbito do “contrato de concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, em (...)”, pudesse exercer, através dos seus trabalhadores com funções de fiscalização, a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhe estão concessionadas, devidamente delimitadas e sinalizadas, nos termos do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro), pelos fundamentos invocados na presente p.i.; ii) E, em consequência, ser o MUNICÍPIO (...) condenado na prática do ato devido, concretamente a proferir deliberações no sentido de alterar o regime de fiscalização do estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em zonas sob jurisdição municipal, concessionadas à aqui Autora, na qualidade de empresa privada concessionária do referido estacionamento, por efeito do “contrato de concessão de exploração de lugares de estacionamento pago na via pública, em (...)”, passando esta a poder exercer, através dos seus trabalhadores com funções de fiscalização, a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhe estão concessionadas, devidamente delimitadas e sinalizadas, nos termos do Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9 de outubro.” Para tanto, alega, em suma, que a deliberação camarária sindicada, padece dos vícios de: (i) violação de lei, por conflituar com a disciplina regulada no Decreto-Lei n.º 146/2014, de 9.10 estabelece as condições em que as empresas privadas concessionárias de estacionamento sujeito ao pagamento de taxa em vias sob jurisdição municipal podem exercer a atividade de fiscalização do estacionamento nas zonas que lhes estão concessionadas, e assentar em errónea subsunção dos factos ao bloco normativo aplicável; ii) vício de lei por violação dos princípios da boa-fé, da legalidade, da justiça, da imparcialidade e da proporcionalidade; iii) vício de forma, por falta de fundamentação; e, bem assim, iv) o vício de desvio de poder.

Ao contrário do entendimento da Entidade Demandada, o pedido apresentado não viola o Contrato de Concessão, nem qualquer diploma legal, na medida em se rege pelo Decreto-Lei n.º 146/2014 e o facto do contrato de concessão e o referido Regulamento não contemplarem o novo regime legal traçado pelo Decreto-Lei n.º 146/2014, não impede que o mesmo seja concretizado, referindo-se no parecer jurídico anexo à notificação do ato que se admite que inexistem limitações legais à aplicabilidade do regime referenciado no Decreto-Lei n.º 146/2014, aos contratos de concessão já em vigor.

A colocação de avisos de incumprimento nos automóveis dos utentes que não pagam os serviços, constitui uma interpelação cominatória no âmbito da ação de vigilância da Autora, não se tratando de qualquer ação de fiscalização para aplicação de coimas.

Mais alega que a Entidade Demandada não podia ignorar que o Regulamento sempre previu a acumulação da sanção contraordenacional com o valor devido pela ocupação indevida, desconhecendo a ocorrência de situações de cumulação efetiva a partir de dezembro de 2013.

Do ato impugnado não constam os fundamentos de facto e de direito que justificam que o pedido apresentado viola o Contrato de Concessão e o Regulamento Geral das Zonas de Estacionamento, não se fazendo qualquer menção às normas violadas.

Não vem fundamentada a razão pela qual o procedimento de colocação de avisos de incumprimento constitui um obstáculo à transferência da competência de fiscalização requerida, é contraditória a fundamentação que revela, atento que no parecer se confessa que o pedido não violou os elementos contratuais e regulamentares, ao invés do que decorre da deliberação.

.O ato impugnado não atendeu aos fins/ interesses públicos associados ao regime legal estatuído pelo Decreto-Lei n.º 146/2014, não contendo qualquer esclarecimento relativo ao modo como o interesse municipal, a proteção dos direitos e interesses dos cidadãos e os princípios gerais são colocados em causa.

A Entidade Demandada não pode sustentar o indeferimento do requerido com base no “descontentamento generalizado”, pois os argumentos de inconveniência política não se podem sobrepor ao princípio da legalidade a que o Município está adstrito, não se podendo desvincular das normas regulamentares que ela própria criou de acordo com o princípio da inderrogabilidade singular dos regulamentos.

Por isso, a Entidade Demandada, ao indeferir o requerido pela Autora com fundamento no “descontentamento” dos utentes, deu prevalência aos interesses destes ao invés de atender ao interesse contratual da Autora, não teve em consideração os fins legais constantes do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 146/2014, nem fez qualquer ponderação dos fins visados pelo referido diploma legal.

Por outro lado, atento o número de avisos por incumprimento colocados, fica demonstrado que os fins previstos no preâmbulo do referido diploma legal estariam melhor acautelados se a competência de fiscalização fosse transferida para a Autora.

Concluiu pugnando pela procedência da ação.

1.2 Citada, a Entidade Demandada contestou a ação, defendendo-se por exceção e por impugnação.

Na defesa por exceção, invocou a caducidade do direito de ação, por à data em que a presente ação foi intentada, já terem decorrido mais de três meses sobre o conhecimento/ notificação da deliberação impugnada (art.º 58.º, n.º 2, al. b) conjugado com o art.º 59.º, ambos do CPTA).

Na defesa por impugnação, alegou, em síntese, que a Autora tem vindo a realizar efetivos atos de fiscalização no decurso da sua atividade de “vigilância”; Que a Entidade Demandada não está legalmente habilitada a proceder à cobrança das quantias resultantes do valor das ocupações não pagas pelos utilizadores.

Do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 146/2014, resulta que a possibilidade nele configurada “fica dependente da vontade de cada município”.

A Entidade Demandada fundamentou a sua decisão em razões de interesse público tendo por referência o facto de a atuação da Autora gerar um “descontentamento coletivo generalizado” e prevaleceu o interesse em não pactuar com uma sociedade que desrespeita o pedido de se abster de praticar atos de fiscalização que estão legalmente confiados à Entidade Demandada, o que prejudica a imagem do MUNICÍPIO (...) junto dos munícipes.

Os funcionários da Autora passaram a usar uniformes com os dizeres “Fiscalização”, gerando confusão nos utentes do estacionamento.

Face aos poderes discricionários da Administração nesta matéria, a Entidade Demandada decidiu, orientando-se por critérios de conveniência, oportunidade e justiça e ponderando todos os interesses em presença.

A Autora não é titular da competência para gerir a exploração do estacionamento no que concerne ao modo como realiza a vigilância/fiscalização desse estacionamento.

A deliberação encontra-se devidamente fundamentada, apenas a Autora discorda do seu teor.

A deliberação não padece de desvio de poder, atento que os interesses públicos que a mesma procurou salvaguardar ficaram enunciados no articulado da contestação.

Quanto à alegada violação do princípio da proporcionalidade, os interesses públicos que o Decreto-Lei n.º 146/2014, visa salvaguardar não se coadunam com a pretensão da Autora em deter poderes de fiscalização, pelo que a Entidade Demandada decidiu sacrificar o interesse particular da Autora em detrimento do superior interesse público resultante da necessidade de conservar a sua imagem de autoridade.

1.3. A Autora pronunciou-se sobre a exceção suscitada pela Entidade Demandada na contestação, pugnando pela sua improcedência.

1.4. Proferiu-se despacho saneador no qual se julgou improcedente a invocada exceção da caducidade do direito de ação, indeferiu-se a produção de prova testemunhal por manifesta desnecessidade e, ordenou-se a notificação das partes para, querendo, apresentarem alegações escritas.

1.5. A Autora apresentou alegações escritas, nas quais reafirma que a deliberação da Câmara Municipal de (...) que indeferiu o pedido de transferência da competência da atividade de fiscalização da sua esfera jurídica para a empresa concessionária está ferida de uma série de ilegalidades, reiterando o argumentário alegado na p.i.

.

1.6. Em 25/06/2021, foi proferida sentença, contendo essa sentença o julgamento de facto e de direito, onde se julgou improcedente a presente ação, a qual consta da seguinte parte dispositiva: «Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a presente ação, com a consequente absolvição da Entidade Demandada dos pedidos.

Custas pela Autora.

Registe e notifique.» 1.7. Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes Conclusões: «1. O objeto do presente recurso prende-se com a verificação dos pressupostos de facto e de direito que permitem à Recorrente exercer as competências de fiscalização do estacionamento nas zonas concessionadas sob a jurisdição...

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