Acórdão nº 2594/19.8T8VFR-B.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 22 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelNELSON FERNANDES
Data da Resolução22 de Junho de 2022
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Apelação 2594/19.8T8VFR-B.P1 Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Santa Maria da Feira _____________ Nélson Fernandes (relator) Rita Romeira Teresa Sá Lopes Acordam no Tribunal da Relação do Porto I - Relatório 1.

AA interpôs ação declarativa de condenação, com processo comum, que corre termos sob o n.º 2594/19.8T8VFR, contra E... (Portugal).

1.1.

No decurso dos referidos autos, solicitada a intervenção deste Tribunal da Relação, veio a ser proferido acórdão de cujo dispositivo se fez constar: “Em face do exposto, acorda-se em julgar o presente incidente de levantamento de sigilo profissional (médico) apenas parcialmente procedente e, em consequência: A. Sem prejuízo do decidido na alínea seguinte, indeferir o levantamento do sigilo profissional (médico) no que se reporta à junção, requerida quer pela A., das “folhas de registo diário do trabalho da A., respeitantes ao período de 18.05.2018 até 29.06.2018”, quer pela Ré, dos registos clínicos referidos no nº13 do artigo 1º da contestação; B. Autorizar o levantamento do sigilo profissional (médico) no que se reporta aos documentos mencionados na precedente alínea A) se e apenas na medida em que tais documentos não contenham a identificação, ou a possibilidade de identificação directa ou indirecta, do titular dos dados dos documentos (designadamente, nome, morada, categoria profissional, números de identificação fiscal, da Segurança Social, do SNS ou outro nos termos previstos no art. 4º, nº 1, do RGPD, incluindo número mecanográfico); (…)”.

1.2.

Descidos os autos à 1.ª instância e seguindo esses os seus termos, foi proferido, em 18 de novembro de 2021, o seguinte despacho: “Face à informação prestada em 26.10.2021, pelo médico coordenador do serviço de saúde da Ré, no sentido de que as folhas de registo diário do trabalho da A. e os registos de enfermagem têm o nome e o número mecanográfico do trabalhador, não está autorizado o levantamento do sigilo profissional quanto a tais documentos, face ao decidido pelo Tribunal da Relação do Porto, no incidente de levantamento de sigilo profissional.

A Ré veio, contudo, requerer a produção desses meios de prova, acautelando a manutenção do sigilo profissional com eliminação das referências relativas à identidade dos trabalhadores.

A A. opôs-se a tal pretensão e requer diligências de prova.

Afigura-se-nos que o pretendido pela Ré não é legalmente admissível, embora possível de efetivar na prática, pois sempre colocaria em causa a inviolabilidade das fichas clínicas dos trabalhadores e sempre implicaria uma intromissão intolerável na reserva da intimidade da vida privada dos trabalhadores (desde logo porque a aferição da genuinidade das fotocópias com os elementos de identificação eliminados sempre determinaria a consulta dos registos clínicos, para confronto), que entendemos não ser admissível.

Afigura-se-nos, no enquadramento exposto, que para que o Tribunal possa determinar a junção de tais elementos, se mostra necessário que os titulares desses dados clínicos autorizem expressamente, dando o seu consentimento, a revelação e acesso aos seus dados clínicos para os fins deste processo judicial.

Assim sendo, notifique a Ré, nos termos pretendidos pela A. para, em 10 dias, juntar aos autos autorizações individuais dos trabalhadores titulares dos referidos registos clínicos e mencionados nas folhas de registo do trabalho da A., dando o seu consentimento expresso e esclarecido, para que a Ré utilize os seus dados pessoais e clínicos constantes desses registos, no âmbito da discussão da matéria do presente processo judicial.” 1.3.

Posteriormente, datado de 27 de janeiro de 2022, foi proferido novo despacho com o teor seguinte: “Na sequência do nosso despacho datado de 18.11.2021, veio a Ré juntar aos autos declarações de consentimento dos trabalhadores BB, CC, DD, EE, FF e GG.

Todas as declarações têm data de 23.11.2021. (cfr. requerimento datado de 06.12.2021).

Notificada, a A. impugnou os documentos juntos pela Ré, requerendo a junção de 4 documentos de revogação do consentimento prestado em 23.11.2021, referentes aos trabalhadores BB, CC, EE e FF, todas datadas de 17.12.2021, em que referem, cada um deles, não dar permissão para a revelação e acesso aos seus dados clínicos para os fins deste processo judicial e que o consentimento que deram em 23.11.2021 não foi esclarecido, já que não foram informados do conteúdo deste processo.

Quanto às declarações dos restantes dois trabalhadores DD e GG, refere que não falou com os mesmos e que impugna os documentos que lhes são atribuídos, alegando desconhecer se foram assinados pelos mesmos e a veracidade do conteúdo da declaração que consta de tais documentos.

A Ré não se pronunciou quanto a tais documentos, nem nada mais requereu.

Tendo sido revogadas 4 das 6 declarações de consentimento apresentadas, relativamente a tais trabalhadores não pode considerar-se ter sido validamente prestado o seu consentimento para que sejam revelados os seus dados clínicos para os fins deste processo judicial. Face à revogação, não é possível concluir que o consentimento anteriormente prestado foi uma manifestação de vontade específica, informada e inequívoca.

E quanto às declarações referentes aos trabalhadores DD e GG, afigura-se-nos que, tendo a A. impugnado por desconhecer, se foram assinados pelos mesmos e a veracidade do conteúdo da declaração, cabia à Ré apresentante estabelecer a autoria e exatidão dos mesmos, como decorre do disposto nos artigos 444º, nº1 e 445º, nº2, do CPC.

Ora, a Ré nada requereu com vista a dar cumprimento a tal ónus que sobre si impendia, face à impugnação da A.

Neste enquadramento, considero não ser possível concluir que tenha sido válida e eficazmente prestado consentimento por qualquer um dos trabalhadores referidos, para que os seus registos clínicos possam ser revelados e acedidos para os fins deste processo.

Como tal, na lógica operatividade do que já deixáramos consignado despacho datado de 18.11.2021, não tendo sido dado consentimento válido, expresso e esclarecido por parte dos trabalhadores...

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