Acórdão nº 102/19.0T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2022
Magistrado Responsável | RIJO FERREIRA |
Data da Resolução | 23 de Junho de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA ENTRE LEILOEIRA DO LENA, UNIPESSOAL LDª(aqui patrocinado por AA, adv.) Autora / Apelante / Recorrido CONTRA BB(aqui patrocinado por CC, adv.) Réu / Apelado / Recorrente I – Relatório A Autora intentou a presenta acção pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de 95.681,04 € a título de indemnização por incumprimento contratual, e juros moratórios.
Para fundamentar tal pedido alega que celebrou com o Réu um contrato que veio a caracterizar como de prestação de ‘serviços preparatórios de realização de uma venda’ que, não obstante não ter dado origem a qualquer transação imobiliária, se foi indevidamente prolongando no tempo, vindo a Autora a incorrer em despesas no montante peticionado com deslocações, reuniões e promoções, por incumprimento por banda do Réu dos seus deveres de lealdade e informação.
O Réu contestou invocando a nulidade do contrato por falta de forma, a ilegitimidade activa e passiva, e por impugnação.
No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade activa e passiva.
A final foi proferida sentença que qualificou como de mediação imobiliária o contrato celebrados entres as partes, o qual se caracteriza (regra geral, e sem que no caso ocorra nenhuma das previstas excepções a essa regra) por a remuneração só ser devida havendo lugar à concretização da transacção visada; não tendo a transacção realizada decorrido da actuação da Autora não havia obrigação de pagar qualquer remuneração; como não se verifica qualquer obrigação de indemnizar em função da violação dos deveres acessórios uma vez que não ficou provada essa violação; ademais o contrato sempre havia de ser considerado nulo por falta de forma; e não assistindo à Autora direito a qualquer quantia na eventualidade da validade do contrato, não lhe assistirá igualmente tal direito a título de restituição do que haja sido prestado; tendo julgado a acção improcedente.
Inconformada apelou a Autora, impugnando a matéria de facto e invocando erro de julgamento na qualificação do contrato e, ainda que assim não fosse, que a declaração de nulidade sempre implicaria a devolução do que houvera sido prestado.
A Relação manteve inalterada quer a matéria de facto quer a qualificação do contrato como de mediação imobiliária e a sua invalidade formal; no entanto, considerando que a nulidade implica ‘a repristinação das coisas no estado anterior ao negócio’ e que ‘no estado anterior ao negócio a Autora não tinha realizado as despesas que veio a realizar’ pelo que ‘a reposição das coisas no estado anterior à realização do contrato apenas se logra se a Autora for reembolsada daquelas despesas’, condenou “o Réu a restituir à Autora o valor correspondente às despesas por esta suportadas com as diligências realizadas no âmbito do contrato celebrado com o Réu, em montante a liquidar e até ao máximo de € 95.681,04,a que acrescerão juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação”.
Agora irresignado veio o Réu interpor recurso de revista concluindo pela nulidade do acórdão por condenação em objecto diverso (artigo 615º, nº 1, al. e), do CPC) e que, na inexistência de nexo de causalidade entre a actividade da Autora e a realização do negócio, nada há a restituir.
Houve contra-alegação onde se propugnou pela manutenção do decidido.
II – Da admissibilidade e objecto do recurso A situação tributária mostra-se regularizada.
O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (artigo 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (artigo 40º do CPC).
Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (artigos 639º do CPC) O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629º e 671º do CPC).
Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675º e 676º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).
Destarte, o recurso merece conhecimento.
Vejamos se merece provimento. -*- Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se...
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