Acórdão nº 831/19.8T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Junho de 2022
Data | 23 Junho 2022 |
Órgão | http://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível.
I – RELATÓRIO AA e BB, identificados nos autos, na qualidade de únicos herdeiros de CC e DD, instauraram contra EE e FF, igualmente ali identificados, acção de processo comum, pedindo que seja declarada a resolução do contrato promessa de compra e venda celebrado entre os ids. de cujus, enquanto promitentes compradores, e os RR., enquanto promitentes vendedores, e, assim, que estes sejam condenados a pagar-lhes a quantia de 200.000,00 € correspondente à devolução em dobro do sinal que aqueles prestaram.
Para o efeito, alegaram, em suma, o incumprimento definitivo por parte dos promitentes vendedores do referido contrato promessa que se refere a uma fracção autónoma, de cujo preço de 130.000,00 € então fixado foi pago 100,000,00 €.
Citados, os RR. começaram por dizer que a não realização do contrato definitivo é imputável aos promitentes compradores por, numa primeira fase, nenhum deles, e após o falecimento do promitente comprador, a promitente compradora, ter comparecido à escritura que marcou e os notificou para o efeito, e acrescentaram que, por falta de pagamento da água, luz e condomínio da dita fracção, que tiveram de regularizar a expensas próprias, solicitaram às entidades competentes o cancelamento dos respectivos fornecimentos à mesma, que, tendo, entretanto, sido utilizada por terceiros sem o seu consentimento, vieram a ocupar numa altura em que já não estava habitada.
Terminaram pedindo em Reconvenção, a resolução do contrato promessa por incumprimento dos promitentes compradores e o reconhecimento do direito a fazerem seus os 100.000,00 € que lhes foi entregue a título de sinal.
Em Resposta, os AA. defenderam-se dizendo que o contrato promessa nunca foi resolvido com os promitentes compradores nem nunca exerceram qualquer direito contra os respectivos herdeiros e que os RR. além de, em abuso de direito, terem forçado a desocupação da fração com o corte do abastecimento de água que sempre foi paga, manifestaram a sua indisponibilidade para o cumprimento do contrato promessa com o pedido judicial de restituição da mesma fracção.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu: “Pelo exposto, julgando improcedentes a acção e o pedido reconvencional, absolvo as partes dos pedidos reciprocamente formulados.”.
Desta sentença apelaram autores e réus, vindo a Relação do Porto a revogar a sentença recorrida e consequentemente decidiu: 1. Julgar a acção totalmente improcedente e absolver os réus do pedido inicial.
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Julgar o pedido reconvencional totalmente procedente, declarar-se resolvido o contrato promessa de compra e venda a que respeitam estes autos, e condenam-se os autores a: ver os réus fazer sua a quantia de €100 000,00 correspondente ao sinal que lhe foi entregue.
De novo inconformados, os Autores/apelantes AA, GG e BB vieram interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal, rematando as alegações com as seguintes CONCLUSÕES A) O Tribunal da Relação do Porto alterou a decisão do Tribunal de primeira instância, nos seguintes termos: “Na improcedência das alegações de recurso dos autores e procedência das alegações dos réus revoga-se a sentença recorrida e consequentemente decide-se: 1.
Julgar a acção totalmente improcedente e absolver os réus do pedido inicial.
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Julgar o pedido reconvencional totalmente procedente, declarar-se resolvido o contrato promessa de compra e venda a que respeitam estes autos, e condenam-se os autores a: ver os réus fazer sua a quantia de €100 000,00 correspondente ao sinal que lhe foi entregue.” B) Sucede que o Tribunal recorrido foi traído por ostensivo erro de análise quanto à factualidade provada, tendo acreditado que, não obstante nunca ter existido uma resolução do contrato promessa em análise, os autores haviam sido convocados para a celebração de escritura, tinham faltado e haviam recebido interpelação admonitória, o que nunca aconteceu.
Vejamos, C) A 4 de Fevereiro do ano de 2000 foi celebrado o documento escrito epigrafado de “CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA” junto como documento nº 1 na petição inicial e em Abril do mesmo ano os réus entregaram aos promitentes compradores as chaves de tal habitação, passando os mesmos a residir em tal imóvel - pontos 1 e 4 dos factos provados.
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O preço da prometida compra e venda foi acordado em € 130.000,00 e os réus/recorridos receberam dos promitentes compradores mais de ¾ do valor acordado para a compra e venda, ou seja, receberam já € 100.000,00 - pontos 2 e 8 dos factos provados.
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Chegou a estar agendada a escritura pública de compra e venda para o dia 19/01/2001, mas o promitente comprador não conseguiu estar presente nesse dia para a celebração da escritura pública, tendo vindo a falecer 12 dias depois - pontos 9, 10 e 11 dos factos provados.
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O que foi comunicado aos réus pela promitente compradora mulher, que continuou a habitar a fracção em causa - pontos 12 e 14 dos factos provados.
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Nos artigos 17.º a 24.º das alegações de recurso, é explicada a circunstância dos autores se encontram na posição contratual de promitentes compradores, fruto dos sucessivos falecimentos.
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Sucede que os réus/recorridos nunca dirigiram sequer qualquer interpelação aos herdeiros desde 2001, como se impunha, pese embora soubessem nessa altura do falecimento do promitente comprador e da existência dos mesmos, nem nunca resolveram formalmente o contrato promessa de compra e venda com quem quer que seja (ponto 43 dos factos provados), lembrando-se que dispõe a norma imperativa constante do artigo 2091º, nº 1 do código civil: “1.
Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078.º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.
”.
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O Tribunal recorrido não percebeu que os autores são herdeiros, ou seja, são pessoas distintas dos originais promitentes compradores e que aos mesmos nunca lhes foi dirigida qualquer comunicação pelos réus, sendo que o mérito da decisão foi naturalmente afectado por tal notório e evidente equívoco ou lapso de análise.
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Com efeito, fundamenta o Acórdão recorrido que os autores “foram sucessivamente notificados para comparecer e outorgar a escritura pública e foram sucessivamente faltando” e não é demais lembrar que tal conclusão não corresponde minimamente à realidade, pois está mais do demonstrado que os autores (que são pessoas distintas dos primitivos promitentes compradores) nunca foram sequer notificados para comparecer a qualquer escritura ou receberam sequer qualquer comunicação para o que quer que fosse.
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E foi certamente esta confusão do Tribunal da Relação que justificou a sua errada decisão.
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Veja-se que refere “É verdade que os Réus, promitentes vendedores, interpelaram pela 2ª vez, os Autores, promitentes-compradores, para comparecerem a fim de ser realizada a escritura pública no dia 9/7/2003, desta vez com cominação de se não comparecessem consideravam o contrato definitivamente incumprido (factos nºs 18 e 19),mas após nova falta no acto da escritura dos autores, enviam nova carta em 2/9/2005 dizendo que os AA se encontram em mora, concedendo-lhe o prazo de 15 dias para cumprir o contrato (factos nºs 20 e 21).
” N) Só que existe manifesta contradição entre a fundamentação e o que consta da factualidade referida pelo Tribunal da Relação do Porto, pois em nenhum desses pontos da matéria de facto lembrados há qualquer referência aos autores, o que não foi alcançado pelo Julgador por lapso evidente de análise.
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A questão central reside precisamente no facto dos autores nunca terem sido sequer notificados para comparecer a qualquer escritura pública de compra e venda e o Tribunal da Relação ter sido iludido com as comunicações constantes dos autos e lembradas na sua fundamentação (mas que não foram dirigidas aos herdeiros, aqui autores e recorrentes).
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Nos pontos 18, 19, 20 e 21 dos factos provados apenas é referida a originária promitente compradora e não os autores! Q) E só por tal razão se entende o que consta do Acórdão sindicado quando refere antes do dispositivo que “(…) entendemos que a culpa no incumprimento é dos autores ao nunca cooperar com os réus, sabendo da sua obrigação de realizar o contrato de compra e venda, e, como tal devem ver o contrato ser declarado resolvido com a perda do sinal a favor dos réus assim procedendo o pedido reconvencional nos termos do artigo 442º, nº 2 primeira parte do CC (cfr 440º e 441º do CC).” R) Falta de cooperação para a realização de uma escritura para a qual nunca foram convocados, ao que acresce que os autores GG e BB nem sequer sabiam ou participaram na acção de fixação judicial de prazo aludida nos pontos 25.º a 27.º dos factos provados!?! - Só com base no erro a que nos vimos referindo se pode compreender tal fundamentação, pois nunca houve qualquer convocatória dos réus aos autores para a celebração de qualquer escritura, nem nunca lhes foi dirigida qualquer interpelação admonitória ou sequer qualquer outro tipo de comunicação que exigisse algum tipo de cooperação.
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Conforme resulta do sumário do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 10/12/2019 disponível em www.dgsi.pt: “I - A resolução do contrato promessa apenas se pode fundar no incumprimento definitivo, que não na simples mora, sendo que o incumprimento definitivo resulta da não realização da prestação dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, ou da perda do interesse que o credor tinha na prestação – interesse esse que tem de ser apreciado objectivamente.
II - O credor, para converter a mora em incumprimento definitivo, tem de interpelar o devedor, intimando-o a cumprir a prestação, dentro de prazo razoável, fixado de acordo com as circunstâncias concretas do contrato a celebrar, com a advertência, muito clara, de que a falta da prestação, no prazo estabelecido, o fará incorrer em incumprimento definitivo da...
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