Acórdão nº 0982/11.7BESNT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução23 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. “A………., Lda.” interpôs o presente recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) em 2/6/2021 (cfr. fls. 518 e segs. SITAF), o qual, negando provimento ao recurso de apelação que a mesma interpusera, enquanto Autora, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF/Sintra), de 5/7/2017 (cfr. fls. 310 e segs. SITAF) - que julgara a ação improcedente -, confirmou esta decisão de 1ª instância, mantendo os atos impugnados, do “Instituto da Segurança Social, I.P.”, que exigiram à Autora a restituição de verbas, num total de 93.319,80€, correspondentes ao período da concessão da prestação inicial de desemprego, referentes a seus ex-trabalhadores.

  1. Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 570 e segs. SITAF): «1 – O Tribunal Central Administrativo (Tribunal a quo), no Acórdão em crise, não ponderou devidamente os argumentos aduzidos pela ora recorrente, no que concerne ao dever de fundamentação do ato administrativo, não ponderou (como se lhe impunha) todas as soluções jurídicas possíveis para o caso e deixou sem resposta (pelo menos em parte) concretas questões de direito que foram suscitadas pela recorrente, como é o caso da interpretação do art. 63º do D.L. nº 220/2006, de 03/11.

    2 – O Tribunal a quo parece olvidar que estão em causa direitos constitucionalmente protegidos e contraria o entendimento dominante que tem vindo a ser perfilhado pela jurisprudência dos Tribunais superiores, nomeadamente, o Acórdão de Uniformização de jurisprudência proferido por este Venerando Tribunal, em 25 de março de 2021, no âmbito do processo 2550/17 (disponível para consulta em www.stadministrativo.pt/ jurisprudencia).

    3 – Está em causa, nos presentes autos, a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, tem importância fundamental (estão em causa, no fundo, direitos constitucionalmente consagrados, como seja o direito a conhecer a fundamentação dos atos administrativos e o direito ao pleno contraditório).

    4 – É, igualmente, importante sindicar a questão da interpretação dos preceitos legais em que assentam as notas de reposição, face ao circunstancialismo descrito supra, para uma melhor aplicação do direito no futuro.

    5 – Estão reunidos os pressupostos para que o presente recurso possa ser admitido.

    6 – Os “factos” dados como provados na 1ª instância e confirmados pelo Tribunal a quo, que servem para alicerçar o juízo de improcedência da presente ação, traduzem-se na mera reprodução do teor dos documentos emitidos por uma das partes (o próprio R.) e consubstanciam juízos meramente conclusivos.

    7 – O Acórdão em crise (à semelhança da sentença proferida pelo Tribunal da 1ª instância) não sindica se tais factos têm, nos processos administrativos, o devido suporte probatório; ou seja, o R., nos documentos da sua autoria, alega que a recorrente ultrapassou as quotas e que lhe deve determinada quantia, mas o Tribunal a quo, em momento algum, procura perceber se existe prova suficiente que ateste as alegações do R.

    8 – Os documentos 1 e 2 juntos com a contestação, atento o seu teor e por se tratarem de documentos particulares simples (eventualmente prints do sistema informático) não permitem, ao contrário do que é preconizado no Acórdão em crise, sustentar tal prova.

    9 – O Acórdão em crise peca, portanto, por falta de fundamentação de facto e, consequentemente, por falta de fundamentação de direito; sendo nulo, em conformidade com o disposto no art. 615º, nº 1, alínea b) do CPC, aplicável ex vi do art. 1º do CPTA.

    10 – O Tribunal a quo não se pronuncia, entre outras questões, sobre a questão da insuficiência da prova, suscitada pela recorrente.

    11 – Por esta razão, incorre no vício de omissão de pronúncia, previsto no art. 615º, nº 1, alínea d) do CPC.

    12 – As notas de reposição em causa nos presentes autos pecam, em si, por falta de fundamentação, na medida em que não especificam, quantos acordos, em concreto, foram celebrados pela recorrente, em cada triénio, não indicam os períodos considerados como triénio, não mencionam quantos trabalhadores a recorrente tinha ao seu serviço no início do triénio, não demonstram como é apurado o valor que indicam, nem contêm qualquer elemento que as suporte.

    13 – As notas de reposição são conclusivas (limitam-se a dizer que as quotas foram ultrapassadas, limitam-se a enunciar que é devido determinado valor) e fazem uma análise conjunta de situações que deviam ser consideradas individualmente.

    14 – As notas de reposição não estão devidamente fundamentadas, mostram-se obscuras (ao invés de lógicas e transparentes) contrariando as exigências legais previstas nos arts. 151º, 152º e 153º do CPA e disposto no art. 268º, nº 3 da CRP).

    15 – Não devem aceitar-se como válidas, para efeitos de fundamentação, as referências genéricas constantes dos atos impugnados, porquanto as mesmas não habilitam a recorrente a entender e aperceber-se das razoes de facto e de direito que os sustentam.

    16 – As notas de reposição impugnadas não enunciam, como deviam e de forma expressa as premissas fácticas e jurídicas em que assentam, são dúbias e, como tal, nulas (art. 133º, nº 1, 1ª parte do CPA).

    17 – Acresce que o início do procedimento administrativo não foi devidamente comunicado à recorrente, nos termos do art. 55º do CPA.

    18 – As notificações remetidas à recorrente não contêm o texto integral do ato administrativo, como obriga o art. 68º, nº 1 do CPA.

    19 – Razão pela qual todos os processos administrativos em causa nos autos, são também eles nulos por falta de fundamentação (art. 133º, nº 1, 1ª parte do CPA).

    20 – A recorrente é uma grande empresa, que emprega mais de dois mil trabalhadores.

    21 - Nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 220/2006 de 3 de novembro, em cada triénio, a recorrente pode integrar nesse regime 80 trabalhadores.

    22 - O R. não provou que recorrente, no triénio que identifica e em relação aos trabalhadores em causa nos autos, procedeu a mais de 80 cessações de contratos de trabalho com recurso à aplicação do dispositivo legal identificado.

    23 - Nenhum dos elementos juntos pelo R. aos autos, permite comprovar qual a causa de cessação dos contratos que considera, nem o respetivo número.

    24 - Para além da revogação por acordo, existem outros motivos de cessação do contrato, que permitem o acesso às prestações de desemprego, conforme resulta do art, 9º do Decreto-Lei nº 220/2006.

    25 - Com o n.º 5 do referido artigo 10.º, o legislador quis limitar as situações em que as empresas recorrem a este tipo de acordos, de forma a evitar o recurso sistemático à cessação de contratos de trabalho por acordo, de forma mais aliciante aos trabalhadores, em situações em que não se verificariam os pressupostos da atribuição das prestações de desemprego, mormente a situação de desemprego involuntário.

    26 - No entanto, não o fez em termos absolutos, daí ter deixado essa possibilidade em aberto no já referido dispositivo legal, para evitar prejuízo para os trabalhadores decorrentes de uma absoluta restrição da concessão de prestações nestas situações.

    27 - O R. nunca contraria, na sua douta contestação, esta clara finalidade da norma em discussão.

    28 - A cessação dos contratos de trabalho por acordo tem sido um instrumento essencial no que toca à gestão da atividade e dos recursos humanos das empresas, nomeadamente em cenário de grave crise.

    29 – Insiste-se, não ficou provado que nos períodos relevantes a recorrente tenha ultrapassado a quota prevista no art. 10º do Decreto nº 220/2006.

    30 - Uma coisa é serem deferidas mais de 80 prestações de desemprego a ex-trabalhadores da recorrente; circunstância totalmente distinta é associar essas cessações a acordos de revogação, na medida em que podem estar em causa outras situações de desemprego involuntário.

    31 - No ordenamento jurídico português vigora o princípio da separação de poderes, pelo que jamais o Tribunal a quo poderia substituir-se à R. e solicitar elementos de prova adicionais, destinados a comprovar a versão de uma das partes, substituindo-se à mesma.

    32 - De acordo com o disposto no art. 87º e 88º do CPA, competia à R. averiguar e provar os factos constitutivos do direito que invoca (direito à restituição das prestações).

    33 - No mesmo sentido dispõe o art. 342º do CPC.

    34 - A recorrente não fez prova dos factos constitutivos do seu direito.

    34 – Não existe fundamento legal para aplicação à A. do disposto no artigo 63.º do referido diploma legal, o que implica a anulabilidade do ato, nos termos do disposto no artigo 135.º do CPA, por se verificar o vício de violação de lei.

    35 – Ainda que assim não se entenda, o que por mera cautela de patrocínio se concebe, sempre será de referir que o art. 63º regula apenas as consequências decorrentes do facto da cessação do contrato ocorrer em violação do disposto no nº 4 do art. 10º do DL 220/2006.

    36 – Esta norma tem carácter meramente reparatório (visa obviar a que a segurança social suporte o pagamento de verbas que não devia ter suportado) e não sancionatório.

    37 - Neste sentido decidiu este Venerando Tribunal nos acórdãos de 19.6.2014, processo no 1308/13; de 13/12/2018, processo no 606/15 e no acórdão de uniformização de jurisprudência proferido pelo Pleno do STA, a 25/03/2021, no processo no 2550/17 (disponível para consulta em www.stadministrativo.pt/jurisprudencia).

    38 – A previsão constante do art. 63º do D.L. 220/2006 abrange apenas o reembolso à Segurança Social das prestações de desemprego efetivamente pagas ao trabalhador e não daquelas que corresponderiam à totalidade do período de concessão.

    39 - Os atos impugnados padecem de vício de violação de Lei, pelo que devem ser anulados.

    40 – O douto Acórdão em crise violou, entre outros, os arts. 615º, nº 1 alíneas c) e d) do CPC e, ainda, o art. 10º do DL 220/2006, de 3 de novembro, os arts. 87º, 88º, 151º...

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