Acórdão nº 0339/11.0BEPRT 0750/18 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução23 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. RELATÓRIO A……….., residente na Rua …………., Gondomar, intentou no TAF do Porto contra o IFAP - Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P., acção administrativa especial, pedindo a declaração de nulidade, ou a anulação do acto de 15.10.2010, que lhe ordenou a devolução da quantia 22.614,34€ financiada no âmbito do programa Agro, medida Agris-Acção 1 - Norte - Diversificação da Pequena Agricultura.

*Por decisão do TAF do Porto, de 30 de Agosto de 2017, foi julgada a acção procedente e, em consequência, anulado o acto impugnado*O IFAP apelou para o TCA Norte e este julgou improcedente o recurso.

*Interposto recurso de revista para este Supremo Tribunal, foi concedido provimento ao recurso e determinada a baixa dos autos ao TCAN para que aí fosse conhecido do mérito do recurso, o que veio a ser feito mediante acórdão proferido em 22.10.2021, que novamente negou provimento ao recurso.

*O IFAP, inconformado, veio de novo interpor o presente recurso de revista, tendo na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: «A.

Vem o presente recurso de revista do Acórdão de 22/10/2021, através do qual o Tribunal a quo, negou provimento ao recurso apresentado pelo IFAP, I.P..

B.

O presente recurso, salvo melhor opinião, preenche os requisitos de admissibilidade previstos no artº 150º do CPTA, pelo que deve ser admitido, para uma melhor aplicação do Direito, pois o Tribunal a quo, parte do errado pressuposto que “…a questão de fundo em causa, que é a de saber se as despesas efectivamente ocorreram”, tratando a ajuda como um financiamento, quando a deveria ter tratado como um reembolso e dessa forma considerando válida a decisão final proferida pelo IFAP-IP.

C.

Por outro lado, a admissão do presente recurso assume a maior relevância jurídica pois a controvérsia acarretada a entendimento, a natureza de subsídios no âmbito desta ajuda, é suscetível de extravasar os limites da situação singular em apreço.

D.

Salvo melhor entendimento, o acórdão recorrido não faz uma correta interpretação e aplicação do direito, pois o Tribunal a quo, parte do errado pressuposto que “…a questão de fundo em causa, que é a de saber se as despesas efectivamente ocorreram”.

E.

No entanto, nos presentes autos a questão fundamental em apreço não é saber se as despesas efetivamente ocorreram (facto dado como provado), mas sim se as despesas efetuadas pela recorrida eram elegíveis para efeitos da ajuda.

F.

Se entendermos, como o fez o Tribunal a quo, que basta ter sido a despesa realizada pela beneficiária da ajuda (independentemente do tempo, modo e lugar em que ocorre), então está-se a atribuir à ajuda uma natureza de financiamento, que esta não tem.

G.

Com efeito, a decisão do Douto Tribunal a quo, na parte em que considerou que inexistiam fundamentos para que o aqui Recorrente pudesse rescindir unilateralmente o contrato de atribuição de ajudas por entender que não se verificou a violação da Regra da Elegibilidade nº 1 contante do Regulamento (CE) nº 1685/2000, da Comissão, de 28 de Julho, na redação que lhe foi dada pelo Regulamento (CE) nº 448/2004, da Comissão, de 10 de Março, incorreu em erro de julgamento.

H.

Em sede de controlo contabilístico e financeiro, o aqui Recorrente detetou que o Recorrido não possuía qualquer tipo de contabilidade ou registos (obrigatórios nos termos dos artigos 116º e 112º do CIRS e dos artigos 28º e 30º do Código do IVA).

I.

A ausência de tais registos financeiros e contabilísticos impediu a necessária comprovação da efetiva realização das despesas apresentadas a reembolso e da sua conformidade com as normas regulamentares vigentes, tendo tornado impossível aos agentes inspetores a determinação, por consulta de documentos contabilísticos, por que forma foram pagas pelo beneficiário as despesas que aquele invocou ter tido na execução do projeto, não tendo sido detetada qualquer pista de controlo que permitisse aferir da elegibilidade de tais despesas.

J.

Tal pista de controlo, no caso seria fundamental, considerando que foi o beneficiário que, no pedido de pagamento declarou que a despesa total elegível (de € 37.021.20) havia sido liquidada por intermédio de numerário.

K.

Não tendo o Recorrido demonstrado, como lhe competia, que o pagamento foi realizado como afirma, pois que nunca demonstrou a transferência de tais valores da sua esfera patrimonial para a do fornecedor dos bens adquiridos, tais despesas, ao abrigo da Regra da Elegibilidade não poderiam ser consideradas elegíveis.

L.

Devendo considerar-se que o aqui Recorrido não cumpriu com as obrigações a que estava sujeito, por força do contrato de atribuição de ajudas celebrado ao abrigo do Programa AGRIS, sendo, assim, válido o ato do Recorrente que determinou a rescisão unilateral daquele contrato, com a consequente reposição das quantias recebidas pelo Recorrido a título de subsídio.

M.

Como tal, pela recorrida foi praticada uma irregularidade.

N.

Irregularidade essa, que tem como cominação a modificação ou revogação unilateral do contrato.

O.

Desta forma, houve um claro erro de julgamento quanto à interpretação e aplicação das normas legais relativamente ao ato impugnado, reforçado pela desvalorização pelo Tribunal dos compromissos assumidos pela recorrida, no âmbito do modo de pagamento das despesas, que resultam do contrato de atribuição de ajuda e dos pedidos de pagamento que apresentou perante o ora recorrente.

P.

Face ao exposto, o entendimento do Tribunal ao anular a decisão final impugnada nos presentes autos, não parece ter sido correta, pelo que, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando o acórdão ora impugnado».

*O Autor, ora recorrido, não apresentou contra-alegações.

*O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artº 150º do CPTA], proferido em 24 de Fevereiro de 2022.

*O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artº 146º, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

*Colhidos os respectivos vistos, importa decidir.

  1. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. MATÉRIA DE FACTO A matéria de facto assente nos autos, é a seguinte: «1.

Em 02.03.2004, o Autor apresentou junto dos serviços da Autoridade de Gestão do Programa Operacional Regional do Norte um projeto de investimento, ao qual foi atribuído o número de identificação 2004100015363, pelo qual se candidatou à atribuição de um apoio no âmbito do programa AGRO, ao abrigo do ação 1 da Medida intitulada “AGRIS”, tendo em vista a aquisição de um trator, reboque, freza, charrua, grade de bicos, pulverizador de barra de herbicida, no montante global de € 38.667,60 – cf. documento de fls. 174 e ss. do PA apenso aos autos (pasta nº 2); 2.

Pelo ofício de referência NGL0400002725, datado de 25.11.2004, a referida Autoridade de Gestão comunicou ao Autor a aprovação do projeto apresentado, pelo montante de € 37.021,20 – cf. documento de fls. 134 do PA apenso aos autos (pasta nº 2); 3.

Na sequência da decisão de aprovação, em 18.02.2005 foi celebrado entre o Autor e a entidade demandada contrato de atribuição de ajudas, no qual se previa a atribuição ao autor da quantia de € 18.510,60, a título de subsídio não reembolsável, e do qual consta nomeadamente o seguinte: “(…) Condições Gerais (…) C. Obrigações do Beneficiário Constituem, designadamente, obrigações do beneficiário: C.1. Aplicar integralmente a ajuda nos fins para que foi concedida; C.2. Assegurar os demais recursos financeiros necessários, cumprindo pontualmente as obrigações para o efeito contraídas junto de terceiros, de forma a não perturbar a cabal realização dos objectivos previstos; C.3. Manter integralmente os requisitos de concessão da ajuda objecto deste contrato, assegurando a continuidade da exploração agrícola durante um período de 5 anos a contar da data da celebração do presente contrato; C.4. Cumprir pontualmente a execução do projecto; C.5. Com referência a empréstimos contraídos, informar o IFADAP, no prazo máximo de cinco dias, de todas as alterações verificadas no plano de utilização, no reembolso ou no pagamento dos juros dos empréstimos contraídos; C.6. Aplicar nos fins do projecto os bens adquiridos e não os alienar, locar ou por qualquer forma onerar sem prévia autorização do IFADAP; C.7. Manter integralmente as condições que determinam o cálculo do montante das ajudas; C.8. Publicitar, quando seja devido, co-financiamento do projecto no local da sua realização, a partir da celebração deste contrato; (…)” - cf. documento de fls. 161 e ss. do PA apenso aos autos (pasta nº 1); 4.

Em 21.02.2005, o Autor apresentou junto da Autoridade de Gestão o pedido de pagamento do subsídio referido no contrato – cf. documento de fls. 99 e ss. do PA apenso aos autos (pasta 2); 5.

Após a apreciação dos documentos que instruíam o pedido de pagamento, e a verificação da execução dos investimentos propostos, a Autoridade de Gestão deu instruções aos serviços do então IFADAP para proceder ao pagamento do subsídio, o que veio a suceder em 24.03.2005, através de transferência bancária – cf. documento de fls. 154 do PA apenso aos autos (pasta 1); 6.

Já pelo ofício de referência NGL0600000164, datado de 03.02.2004, o coordenador da medida solicitou ao Autor a apresentação dos documentos comprovativos das despesas cujo pagamento foi efetuado através de numerário – cf. documento de fls. 89 do PA apenso aos autos (pasta 2); 7.

E pelo ofício de referência NGL0600760, datado de 29.03.2006, aquele mesmo coordenador solicitou ao Autor a apresentação da declaração de início de atividade e certidão comprovativa da sua situação para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado – cf. documento de fls. 86 e 87 do PA apenso aos autos (pasta 2); 8.

Em resposta a esses ofícios, o Autor remeteu ao referido coordenador documento comprovativo da declaração de início de atividade emitido pela Direção-Geral...

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