Acórdão nº 0492/18.1BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 23 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução23 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório 1 – A………, LDA., com os sinais dos autos, propôs no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TAC de Lisboa), em 9 de Março de 2018, acção de contencioso pré-contratual, contra a Entidade de Serviços Partilhados da Administração Pública, I.P. (ESPAP), igualmente com os sinais dos autos, na qual formulou o seguinte pedido: “[…] Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, A presente acção deve ser julgada totalmente procedente por provada, e consequentemente: a) declarada a invalidade das normas constantes dos artigos 9.º e 10.º do Programa de Concurso, e Cláusula 13.ª do Caderno de Encargos, pelas razões melhor indicadas acima, no presente articulado; b) declarada a invalidade das decisões de exclusão de candidaturas e de qualificação, notificadas em 9 de Fevereiro de 2018, e de todos os actos que venham entretanto a ser praticados no procedimento, e de eventuais contratos que venham a ser celebrados. […]».

2 – Por sentença de 16 de Dezembro de 2018 foi a acção julgada procedente e declarada a invalidade das normas constantes dos artigos 9.º e 10.º do Programa de Concurso, do artigo 13.º do Caderno de Encargos, do concurso limitado aberto pelo ESPAP, I.P. e anuladas as decisões subsequentes do referido procedimento.

3 – Inconformada, a Entidade Demandada recorreu daquela decisão para o TCA Sul, que, por acórdão de 18 de Novembro de 2021, negou provimento ao recurso.

4 – Inconformada com o acórdão, a Entidade Demandada interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, que, por acórdão de 24 de Fevereiro de 2022, admitiu a revista.

5 – A Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: «[…] E) No âmbito de um acordo quadro, no Acórdão recorrido entendeu-se que a causa de suspensão do mesmo acordo quadro, constante do art.º 13.º do caderno de encargos não tinha correspondência com a suspensão prevista no art.º 297.º do Código dos Contratos Públicos (CCP), nem com o regime estabelecido no art.º 298.º, também do CCP.

F) Mesmo que, por mera hipótese académica, o regime do acordo quadro fosse o mesmíssimo que é aplicável aos contratos administrativos regulados no CCP e que o artigo 297.º fosse especificamente dirigido ao contraente público, ainda assim, teria de concluir-se que a cláusula 13.ª do caderno de encargos não enferma de qualquer ilegalidade por negar um qualquer direito ao reequilíbrio económico-financeiro dos contratos ou a justa indemnização ou, ainda, violação do princípio da proporcionalidade.

G) A cláusula em questão é a seguinte “Suspensão do acordo quadro 1- Por motivos de interesse público a ESPAP pode suspender total ou parcialmente a execução do acordo quadro.

2- A suspensão produz os seus efeitos a contar do dia seguinte ao da notificação dos cocontratantes no acordo quadro, salvo se da referida notificação constar data posterior, e é efetuada através de carta registada com aviso de receção.

3- A ESPAP pode, a qualquer momento, levantar a suspensão da execução do acordo quadro.

4- Os cocontratantes não podem reclamar ou exigir qualquer compensação ou indemnização com base na suspensão total ou parcial do acordo quadro.

5- A suspensão do acordo quadro não determina a suspensão ou revogação dos procedimentos já lançados ao abrigo do mesmo, nem tem qualquer impacto nos contratos em execução”. Negrito nosso.

H) A redação do n.º 5 desta cláusula é suficientemente garantística para acautelar todos os interesses dos operadores económicos integrantes de um acordo quadro, ao aí prever-se que a “suspensão do acordo quadro não determina a suspensão ou revogação dos procedimentos já lançados ao abrigo do mesmo, nem tem qualquer impacto nos contratos em execução”.

I) Esta norma garantística assegura que uma eventual suspensão do acordo quadro não pode afetar as substantivas relações contratuais já em execução, protegendo ainda as legitimas expectativas que derivem, para os operadores económicos, dos procedimentos já abertos pelas entidades adjudicantes abrangidas pelo acordo quadro (vinculadas ou voluntárias).

J) Relativamente a contratos que ainda não se encontrem adjudicados e que, porventura, até podem nunca vir a ser celebrados ao abrigo do acordo quadro (tanto basta que as entidades adjudicantes decidam não lançar qualquer procedimento) e, por maioria de razão, para os casos em que as entidades adjudicantes do acordo quadro ainda não tenham aberto qualquer procedimento tendente à celebração de contratos, não se descortina quando, como e em que termos uma decisão de suspensão do acordo quadro pode violentar o princípio do equilíbrio económico-financeiro do contrato ou justa indemnização ou, ainda, o princípio da proporcionalidade.

K) A suspensão do acordo quadro afeta diretamente, e apenas, as entidades adjudicantes adquirentes, que deixam de poder recorrer a um procedimento mais expedito para a outorga de contratos com o objeto aí previsto.

L) É que é preciso ter em conta que o acordo-quadro é dinamizado pelas entidades adjudicantes que o integrem, que são entidades compradoras vinculadas ou voluntárias, de acordo com o artigo 3.º, n.ºs 2 e 3, do Decreto-Lei n.º 37/2007, de 19 de fevereiro.

M) Nos casos em que essas entidades compradoras não dinamizem o acordo-quadro, não adjudicando contratos ao seu abrigo, este pode existir, mas não tem qualquer utilidade, ou seja, não permite aos cocontratantes do acordo-quadro a celebração de contratos nesse âmbito.

N) A entidade que promove o acordo-quadro não tem de indemnizar os cocontratantes por não celebrarem contratos ao seu abrigo.

O) O Acórdão recorrido, ao declarar, sem mais, a invalidade do artigo 13.º do Caderno de Encargos, estabelecendo, para o efeito, uma plena identidade de regime com o previsto para os contratos administrativos que têm por objeto direto e imediato a execução de prestações, incluindo os lugares paralelos do regime da modificação e do (re)equilíbrio económico-financeiro e de justa indemnização, sem que tenha tido em conta os aspetos definitórios e de regime particulares dos acordos quadro, comete um erro de direito por violação de lei substantiva que o inquina com nulidade.

P) E, isto, pressupondo-se que o regime do artigo 297º do CCP está - ou também está - intencionalmente concebido para as entidades adjudicantes, quando, na sua semântica, sugere que a sua imediata teleologia se dirige aos fundamentos que o cocontratante da Administração pode invocar para a suspensão do contrato.

Q) O artigo 297.º, pela sua própria semântica, ao dispor que “A execução das prestações que constituem o objeto do contrato pode ser, total ou parcialmente, suspensa com os seguintes fundamentos: a) A impossibilidade temporária de cumprimento do contrato, designadamente em virtude de mora do contraente público na entrega ou na disponibilização de meios ou bens necessários à respetiva execução; ou b) A exceção de não cumprimento.”, sugere estar a dirigir-se ao cocontratante ou às causas que este poderá invocar como legitimadoras da suspensão por si aduzida.

R) Como assiná-la a doutrina, “neste preceito (o artigo 297.º do CCP) estabelece-se o regime geral de suspensão pelo cocontratante da execução…”.

S) O Acórdão recorrido não considera as singularidades estruturais e funcionais do acordo quadro relativamente ao clássico contrato administrativo, na medida em que, por definição e por regime, os acordos quadro não garantem aos cocontratantes qualquer remuneração ou expectativa de remuneração, tudo dependendo da avaliação das entidades adjudicantes integrantes dos acordos quadro, podendo nunca celebrar qualquer contrato ao seu abrigo (cf. n.º 2 do artigo 255.º do Código dos Contratos Públicos).

T) Assim, não se descortina qualquer fundamento legal e doutrinal que permita ao Douto Acórdão recorrido concluir que a Recorrente, com a citada cláusula 13ª do caderno de encargos, viole o princípio da taxatividade das causas de suspensão do acordo quadro estabelecidas no artigo 297.º do CCP.

U) Há diplomas legais e regulamentares (e ao caderno de encargos é generalizadamente atribuída natureza regulamentar) que utilizam a cláusula geral do interesse público, conferindo aos órgãos públicos poderes discricionários para, em cada caso concreto, densificarem as circunstâncias de interesse públicos que legitimam a respetiva atuação.

V) E, nos termos em que se encontra definida, a suspensão do acordo quadro afeta diretamente, e apenas, as entidades adquirentes, que deixam de poder recorrer a um procedimento mais expedito para a outorga de contratos com o objeto aí previsto.

W) O acordo-quadro é construído para satisfazer necessidades públicas a cargo das entidades compradoras, vinculadas ou voluntárias, pelo que são estas que sofrem as consequências da suspensão de tal acordo e não os cocontratantes daquele.

X) O Douto Acórdão recorrido confunde manifestamente a figura do acordo quadro, enquanto e só contrato regulador de eventuais relações contratuais futuras, e a figura do contrato propriamente dito ou contrato stricto sensu, enquanto instrumento jurídico regulador – direta e imediatamente regulador - de relações materiais/substantivas, eivando de erro de direito e de erro de julgamento.

Y) Não pode concluir-se, como o Acórdão Recorrido fez, que se está em face de uma cláusula de irresponsabilidade da Recorrente, que teria como efeito de isentar de responsabilidade uma ação que por si mesma não gera responsabilidade.

Z) Na parte que tinha de ser acautelada cfr. n.º 5 da cláusula, a Recorrente preservou e garantiu os direitos e legitimas expectativas dos operadores económicos, quer nos contratos já em execução e celebrados ao abrigo do acordo quadro, quer, inclusivamente, quanto aos procedimentos já abertos ao abrigo do mesmo acordo quadro, não tendo em ambos qualquer impacto uma eventual suspensão do acordo quadro.

Nestes...

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