Acórdão nº 0134/17.2BEPDL de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução08 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório – 1 – A…………, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 7 de dezembro de 2021 que concedeu parcial provimento ao recurso da Fazenda Pública e negou provimento ao recurso subordinado por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada que julgara procedente a impugnação judicial de IRC relativo aos períodos de 01-01-2007 a 30-06-2008 e respectivos juros compensatórios de que era originariamente devedor o Clube Desportivo de ………, revogando parcialmente a sentença recorrida.

O recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos: A. O presente recurso que versa exclusivamente sobre matéria de direito e tem como fundamento a violação de lei substantiva, é interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 07.12.2021, e delimitado ao trecho decisório em que julgou improcedente o recurso de apelação interposto pelo Impugnante, respeitante ao fundamento de anulação das liquidações sub judice, motivado na incompetência do funcionário que sancionou o Relatório de Inspeção Tributária (na origem direta e causal dos apontados atos de liquidação adicional).

B. Ressalvado o devido respeito por tal entendimento, crê honestamente o Recorrente que ambas as instâncias claudicaram clamorosamente na melhor aplicação do Direito, não sendo de admitir a manutenção na ordem jurídica de tal sufrágio e doutrina expendidos pelas instâncias, porque a interpretação dada compromete ferozmente a segurança jurídica e a estrita e rigorosa aplicação da lei.

C. E conforme se verá, justifica-se plenamente in casu a admissão do presente recurso de revista porque a questão em causa apresenta indesmentível relevância jurídica, é manifesta a sua relevância social, sendo claramente necessária uma pronúncia clarificadora e pacificadora deste Alto Tribunal sobre tão magna e essencial disputa jurídica (repetível numa miríade de situações futuras e quejandas).

D. Ora, concentrando-nos no caso concreto, verifica-se que as instâncias entenderam não se verificar o vício de incompetência do autor do relatório de inspeção, quando é evidente e notório que quem praticou tal ato não dispunha da necessária e prévia competência decisória própria.

E. Na verdade, ninguém contesta que existiu um instrumento de delegação de poderes (despacho), mas igualmente se mostra incontrovertido que aquele concreto poder de sancionamento das conclusões do relatório de inspeção tributária não constou desse instrumento de delegação de poderes, F. E perante tal evidente e manifesta omissão na delegação desse concreto e específico poder/competência decisória, ambas as instâncias entenderam não relevar tal erro, aceitando, ora a sua total inconsequência jurídica/desculpabilidade, ora admitindo que indiretamente tais poderes foram outorgados ao autor do ato por outras formas.

G. Ora, é perante esta asserção das instâncias que se impõe uma doutrina corajosa, firme, convicta e pacificadora/uniformizadora do Supremo Tribunal Administrativo, no sentido de explicitar (i) qual o conteúdo obrigatório de um ato de delegação de poderes, (ii) qual o sentido interpretativo dessa declaração, e (iii) quais as consequências jurídicas do erro dos serviços tributários ao não especificarem, por engano, um concreto poder que a lei alberga individualizadamente numa particular norma legal.

H.

Note-se que a competência decisória em causa (sancionamento das conclusões de um relatório se trata de um ato procedimental específico e próprio e que, portanto, a competência decisória primária para a sua prática está indubitavelmente deferida a uma única entidade, I.

Pelo que qualquer instrumento de delegação de poderes/competências, devia obrigatoriamente enunciar esta concreta, segmentada e diferenciada competência decisória, não sendo de admitir que a mesma pudesse ser delegada por via tácita, indireta ou global.

J.

E perante este indesmentível erro, deve o Supremo Tribunal Administrativo fixar doutrina no sentido da comunidade em geral e todos os sujeitos passivos envolvidos nestas querelas (com grande repercussão social e capacidade mimética de reprodução em inúmeros outros casos futuros), saberem se o erro dos serviços tributários é afinal absolutamente irrelevante ou é totalmente desculpável, no sentido de nenhuma consequência lhe poder ser legalmente imputável, ou se tal erro (dura lex sed lex) tem associadas consequências normativas.

K.

Não pode é, conforme as instâncias pretendem querer fazer crer que, a tal erro não pode ser associada nenhuma consequência legal, ou que ao invés, sempre existiu delegação de poderes por qualquer outra via indireta ou «espiritual», sem qualquer respaldo na letra da lei e sem agasalho na concreta norma definidora/delimitadora do perímetro de tais poderes, L.

Sob pena de autorizar-se o completo arbítrio e violar-se o princípio de segurança jurídica, pois em vez da declaração de delegação de poderes referir as competências da norma x, referir antes as competências da norma y, tudo se passasse como não houvesse distinção alguma entre ambas, ou a necessidade de cumprir os pressupostos de especificação da lei não existisse, ou ainda que não houvesse um princípio de legalidade e autorresponsabilização dos sujeitos (públicos e particulares).

M.

Tem intrínseca relevância jurídica saber se um instrumento de delegação de poderes obedece a um modelo taxativo de especificação/concretização de poderes especialmente transferidos através desse instrumento, tendo como destinatário quem não é o titular dessas competências, N.

Ou se, ao invés, um instrumento de delegação de poderes pode, sem perder a sua substância e juridicidade, ser tão genérico, global e descaracterizado, deixando num intérprete a liberdade para entender se determinado poder/competência foi ou não objeto de transferência, ou tal exercício fazer-se por puro exercício livre interpretativo.

O.

Essa é uma magna questão que legitimamente desperta a superior necessidade de intervenção e exegese deste Alto Tribunal, porque se trata de uma situação nevrálgica no âmbito do Direito Administrativo, recorrente pela sua utilização massificada e com direto impacto na atuação dos órgãos administrativos.

P.

Neste sentido, a discussão doutrinária sobre o conteúdo obrigatório/mínimo de um ato de delegação de poderes, no seio do Direito Administrativo, tem dignidade e relevância suficientes, a merecer e suscitar a prolação de uma decisão uniformizadora em ordem a uma melhor aplicação da justiça ao caso concreto.

Q.

Ademais, afigura-se no caso dos autos que a situação é ainda mais merecedora dessa intervenção do Tribunal de cúpula porquanto é manifesto que o concreto poder/competência em causa não foi (por erro) transferido (não há resquício de dúvida sobre tal aspeto), o que obriga a que se tenha um debate doutrinário e jurisprudencial esclarecedor e iluminado sobre as consequências legais dessa omissão por erro, e se há ou não desculpabilidade nessa violação da lei.

R. Cremos que se afigura evidente e lógico que a questão retro apresentada ao douto escrutínio deste Alto Tribunal está intimamente conectada com interesses de particular relevância social, dado que o recurso ao instrumento de delegação de poderes é muito frequente no seio do Direito Administrativo, com capacidade mimética de reprodução em inúmeros outros casos diários e quotidianos, S. Sendo que, em cada uma dessas hipóteses factuais presentes e futuras, se pode colocar, com pertinência, acuidade e juízo crítico, a questão da (in)suficiência do instrumento de delegação de...

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