Acórdão nº 098/17.2BECBR de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 08 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução08 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

“A…….., Lda.”, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a Impugnação Judicial que deduziu contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectiva liquidação de juros compensatórios, relativas ao ano de 2014, no montante global de € 42.972,93, interpôs recurso para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2.

Admitido o recurso e apresentadas alegações, constam destas as seguintes conclusões: «

  1. Foi feito constar do probatório que o gerente da Recorrente não pretendeu cessar a actividade da sociedade mas apenas suspender a mesma, assim como foi feito constar que o contrato-promessa não se consumou, leia-se não levou à outorga do contrato definitivo de compra e venda do activo imobilizado.

  2. E perante tudo isto a Douta Sentença considera que tal não poderia deixar de consubstanciar uma afectação do dito activo imobilizado a fins alheios à empresa, na medida que os mesmos deixaram de ser utilizados para os fins da concreta actividade económica que vinha sendo exercida.

  3. A mera celebração de um contrato - promessa não consubstancia qualquer transmissão dos bens e tão pouco consubstancia uma afectação diferente dos mesmos a fins alheios à empresa pois que com o contrato - promessa as partes obrigam-se, cumpridos os respectivos pressupostos, a celebrar um contrato futuro, este último sim o contrato definitivo e que espelharia a transmissão dos bens.

  4. E tudo isto mais se torna evidente levando em consideração que, como resulta do probatório fixado foi aposta no contrato - promessa (Cláusula Quarta) - uma condição suspensiva à transmissão dos bens, ou seja, juridicamente falando, e ainda que por absurdo se entendesse que a outorga do CPCV representava a transmissão dos bens, a aposição daquela condição suspensiva afasta por completo a mesma, pois que sempre ficariam suspensos quaisquer efeitos do contrato.

  5. A celebração do contrato - promessa, tendo ínsita uma promessa de transmissão, de forma nenhuma implica que enquanto a promessa não se consumar os bens deixem de poder ser utilizados pelo promitente vendedor, isto só assim não sendo se do CPCV resultasse o contrário, mas que do em causa nos autos, e aos mesmos junto, não resulta.

  6. E nem tem o promitente vendedor de lhe dar uma utilização reiterada e constante sob pena de se considerar que os mesmos foram transmitidos pois que este argumento considerado literalmente implicaria que qualquer entidade tivesse de fazer uso sistemático, se não diário pelo menos semanal, dos seus bens do activo imobilizado sob pena de se entender que os mesmos foram transmitidos para efeitos de IVA.

  7. Acresce que os Acórdãos do TJUE que a Douta Sentença refere como, no seu entender, dando acolhimento à decisão tomada também não são lidos de forma inteligente pois que se retira dos mesmos que se visa impedir que bens adquiridos e em relação aos quais foi efectuada a dedução do imposto saiam da entidade a título de consumo final não tributado, ou seja, estamos no domínio de claras medidas anti-abuso em que se visa obstar que a tributação seja frustrada após ter existido o direito à dedução aquando da aquisição dos bens.

  8. Ora nada disso ocorre in casu pois que os bens, como resulta provado, permanecem na esfera da Impugnante para eventual retoma da actividade e geração de operações tributáveis.

  9. E nem sendo de invocar o Acórdão do TJUE, de 16/06/2016, tirado no Processo nº C-229/15 pois aí estava em causa uma situação em que o período de regularização previsto no artigo 187° da Directiva 2006/112, conforme alterada pela Diretiva 2009/162, já havia terminado, o que nem sequer é o que está em causa nos presentes autos.

  10. Assim como estava em causa naqueles autos uma verdadeira cessação da actividade do sujeito passivo, o que nem sequer ocorreu no presente caso e para concluir por tal bastando apelar ao probatório fixado e do qual consta que apesar de ter sido apresentada uma declaração de cessação o que a Recorrente quis fazer foi uma mera suspensão da actividade por ausência temporário do seu gerente para Angola e que os bens foram mantidos na esfera da Recorrente e nunca dela tendo saído.

  11. Pelo que nunca se esgotou o activo da Recorrente e só se o houvesse é que a tributação em IVA poderia obter respaldo na lei.

  12. De acordo com o artigo 61º, nº 3 do RCPIT face ao direito de audição exercido pela Recorrente, no qual este invocava permanecer na titularidade dos bens que compunham o seu activo, à AT, antes de notificar da nota de diligência devia verificar os factos invocados por aquela, isto ao invés de se quedar por invocar uma alegada presunção de transmissão de bens, presunção que afinal de contas a Douta Sentença até diz que nem existe.

  13. Sendo sem qualquer dúvida este um caso em que a AT devia ter respeitado o princípio do inquisitório que lhe é imposto também pelo artigo 58º da LGT.

  14. É que, como já sustentado em alegações finais, mas que a Douta Sentença não considerou, a AT chegou às conclusões a que chegou com base apenas e tão só na apresentação da declaração de cessação de actividade para daí extrair o resultado final que foi a consideração da ocorrência de uma transmissão de bens.

  15. A AT encontrava-se apetrechada por uma Ordem de Serviço para efectuar uma inspecção externa, é o que sem qualquer dúvida resulta da contestação da Fazenda Pública onde é referido “a Ordem de Serviço Externa” assim como “nos termos do disposto no artigo 46º do RCPIT” que respeita, precisamente, ao início do procedimento externo de inspecção.

  16. Mas na verdade acabou por se quedar por uma mera inspecção interna, isto porquanto se limita a albergar, para efectuar as correcções que por bem achou fazer, na aludida declaração de cessação da actividade e para daí extrair, de imediato e de forma acrítica, a aplicação da presunção de transmissão de bens prevista no artigo 86º do CIVA.

  17. Ou seja, a AT não verificou, como lhe permitia a Ordem de serviço de que dispunha, os inventários da Recorrente nem os bens que constariam do seu activo fixo tangível e tal seria algo que se lhe impunha de modo a legitimar efectuar as correcções que efectuou.

  18. Perante os esclarecimentos dados pela Recorrente em sede de direito de audição, encontrando-se a AT munida de autorização para realização de inspecção externa e atenta a sua estrita vinculação ao princípio do inquisitório, tinha a AT, ao invés de se alcandorar num documento que ainda por cima era contraditado pelas IES que lhes foram apresentadas e por si aceites, de levar a cabo uma verdadeira inspecção externa fazendo uma contagem física dos bens constantes quer dos inventários quer do activo fixo tangível da Recorrente.

  19. E tal era um verdadeiro dever jurídico que se lhe impunha devido, precisamente, ao princípio do inquisitório, e não um mero dever platónico e que a AT podia optar por cumprir ou não, de acordo com o seu livre alvedrio.

  20. É que a presunção de transmissão de bens constante do artigo 86º do CIVA não opera automaticamente, antes se impondo um particular dever investigatório por parte da AT.

  21. Salvo o devido respeito, que sempre será muito, por quem assim não pensa mas a AT, ao actuar como actuou, estava a considerar a presunção estabelecida no artigo 86º do CIVA como inilidível.

  22. Só que tal deturpado e enviesado entendimento da lei esbarra frontalmente com o previsto no artigo 73º da LGT uma vez que de acordo com tal preceito as presunções consagradas nas normas de incidência admitem sempre prova em contrário.

  23. Violou a Douta Sentença os artigos 34º, nº 1 b) e 86º do CIVA, 73º, 58º e 99º da LGT, 6º, 46º e 61º, nº 3 do RCPIT, 13º do CPPT e 410º do CC, não podendo assim subsistir, antes devendo ser substituída por uma decisão que dê integral provimento à pretensão da Recorrente consistente na anulação total do acto de liquidação de imposto e de juros compensatórios».

1.3.

Não houve contra-alegações.

1.4.

Recebidos os autos e apresentados ao Ministério Público, veio, pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto a ser emitido parecer no sentido de ser declarada a incompetência da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, extraindo-se da...

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