Acórdão nº 0210/11.5BEBJA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 09 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução09 de Junho de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo 1.

O Ministério Público, em defesa da legalidade, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (TAF de Beja), contra o Município de Moura, com os sinais dos autos, e indicando como contra-interessados A….. e B….., ambos também com os sinais dos autos, acção administrativa especial, na qual impugnou os despachos do Presidente da Câmara Municipal, de 02.06.2004, e do Vereador, de 07.09.2004, ambos proferidos no processo administrativo n.º 5/04, peticionando que aqueles despachos fossem declarados nulos, bem como todos os actos subsequentes que permitiram o licenciamento da construção, e que fosse ordenada a reposição dos terrenos no estado em que se encontravam previamente à emissão das licenças.

2.

Por sentença de 17.03.2016, o TAF de Beja julgou a acção procedente, declarou nulos os actos impugnados, julgou procedente o pedido de condenação à reposição dos terrenos no estado em que se encontravam, relegando para execução de sentença a sua densificação e julgou procedente o pedido de condenação no reconhecimento do direito do contra-interessado a ser indemnizado pelos danos causados pela declaração da nulidade do licenciamento, relegando para liquidação de sentença a fixação e quantificação da indemnização.

3.

Inconformado, o Município de Moura recorreu daquela decisão judicial para o TCA Sul, que, por acórdão de 17.12.2020, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença recorrida e, conhecendo em substituição, julgou a acção improcedente.

4.

O Ministério Público interpôs recurso de revista do acórdão antes mencionado e este Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 22.04.2021, admitiu o recurso.

5.

Nas alegações que apresentou, o Ministério Público rematou com as seguintes conclusões: «[…] 1. O douto Acórdão recorrido incorre em erro de julgamento, de natureza processual, quando transfere para o MP, na sua qualidade de Autor, o ónus da prova de um facto que, constituindo um pressuposto do direito que o recorrente, enquanto requerente, pretendia fazer valer, só a este competia provar; 2. No Acórdão em crise faz-se uma inversão do ónus da prova de forma errada e sem apoio legal na norma do artigo 342.° n.° 1 do CC; 3. Na verdade os Exm.°s Desembargadores esquecem que o requerente e ora contra-interessado, é quem formula a pretensão construtiva, competindo-lhe provar os respectivos requisitos ou pressupostos legais; 4. Ora, como ficou assente na matéria de facto provada, nem o ali requerente invocou a matéria de facto atinente com o referido pressuposto - nem a CM de Moura exigiu tal elemento, sem o qual não podia aprovar a pretensão do ali requerente.

5. Só a este último incumbia o ónus da prova daquele facto e não ao MP, na qualidade de Autor desta acção, onde apenas tinha de alegar e provar que o Município, através do respectivo Órgão, a CM, aprovou a pretensão construtiva do requerente, sem que esta cumprisse os dispositivos legais.

6. Como resulta do … douto Acórdão o R não cumpriu nem fez cumprir as normas do RPDM, art.ºs 12.° e 19.°, pelo que não podia deixar de concluir, como se fez na 1.ª Instância, que o acto impugnado violava de forma manifesta o RPDM, mantendo a declaração de nulidade.

7. Porém, o Acórdão recorrido optou e por concluir: "que o procedimento não foi devidamente instruído, fosse por iniciativa do interessado, aqui contrainteressado, fosse por iniciativa do R., Município, enquanto autor dos atos impugnados. Razão pela qual, na ausência de tais elementos, é verdade que não se pode concluir que a obra em causa cumpre o destino que o RPDM de Moura exigia, mas também não se pode concluir que não cumpre - cfr. matéria de facto não provada, não impugnada -, a saber, se a obra de construção é destinada a instalações de apoio e diretamente adstritas às atividades agro-silvo-pastoril, incluindo as habitações para pessoal permanente” - cfr. art.º 9.º nº 1 in fine, art.º 11.º n.ºs 2 in fine, 4 e 6, artº 20º e art.º 24.º n.º 1 todos do Decreto-Lei nº 555/99, de 16.12 e respectivas Portarias, e art.ºs 12.º e 19.º do RPDM de Moura."; 8. Ora, nem esta conclusão está inteiramente em conformidade com a matéria de facto dada como não provada, constante da douta sentença de 1- instância e que o douto Acórdão em crise transcreve, onde se refere: "factos não provados: Em face da prova produzida não se provaram outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar, nomeadamente, se a obra de construção é destinada a instalações de apoio e diretamente adstritas às atividades agro-silvo-pastoril, incluindo as habitações para pessoal permanente.» “ 9. Daqui apenas se pode concluir que não se provou aquela conclusão e não a situação inversa, ou seja, que a obra de construção é destinada a instalações de apoio e diretamente adstritas às atividades agro-silvo-pastoril incluindo as habitações para pessoal permanente, pelo que não ficando provado se essa situação existia, não podia o Douto Acórdão recorrido aceitar como válido o acto de deferimento da pretensão do ali requerente.

10. Na falta daquele pressuposto encontrava-se o acto em crise em manifesta violação daquelas normas do PDM de Moura como se defendeu de forma clara e fundamentada na douta sentença de 1ª instância; 11. Pelo que, decidindo em sentido oposto, incorre o douto Acórdão recorrido em erro de julgamento; 12. Importa realçar, como também o Ministério Público, na 1ª Instância o fez, sua qualidade de Autor, na defesa da legalidade, a vinculatividade e positividade do conteúdo daquelas normas do PDM; 13. Elas não se bastam com a não demonstração de que aquela conexão se não verifica, como se defende no Acórdão recorrido, exigindo, antes, que essa conexão resulte evidenciada; 14. Nos termos do art.º 19.º, n.º 1 do PDM de Moura, na redação da RCM n.º 15/96, de 23 de fevereiro, a “realização de obras de construção" na categoria de espaço "agro–silvo-pastoril" apenas seria “licenciável" se “destinadas a instalações de apoio e diretamente adstritas às atividades relativas à respetiva classe de espaço, incluindo as habitações para pessoal permanente”; 15. Os actos declarados nulos pela sentença recorrida permitiram a construção de uma moradia em espaço daquela categoria sem que o requerente alegasse, demonstrasse ou sequer insinuasse a mais leve conexão entre a construção projectada e o “destino” fixado na norma do plano a cuja luz foi emitida a licença de construção, também não tendo os serviços e órgãos municipais desenvolvido qualquer diligência para comprovar que o projeto cumpria os pressupostos do preceito regulamentar; 16. A prova da legitimidade do requerente, nos termos do art.º 9.º, n.º 1, in fine RJUE, através da junção de certidão da descrição predial, apenas visa dar por preenchido o correspondente pressuposto procedimental (art.º 83.º CPA de 1991), nada esclarecendo quanto ao aspecto substantivo da conformidade da pretensão urbanística com os planos municipais, a levar a cabo nos termos do n.º 1 do art.º 20.º daquele regime; 17. Não tendo o procedimento de licenciamento logrado esclarecer o destino da moradia e a sua inserção no pressuposto da norma planificatória que, condicionadamente, a permitiria, os actos impugnados são nulos por violarem o art.º 19.º, n.º 1 do RPDM; 18. Ao revogar a Douta sentença e decidir pela validade daqueles actos, procedeu a uma errada interpretação e aplicação das normas dos artigos 12.º e 19.º do RPDMM, bem como das insertas nos artigos 9.º, n.º 1, 20.º, 24.º e 68.º RJUE, 19. Pelo que, dando-se provimento ao presente recurso de revisa e revogando o Acórdão em crise, V. Exas. melhor decidirão fazendo Justiça.

[…]».

6 – Não foram produzidas contra-alegações.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação 1. De facto No acórdão recorrido deu-se como assente a seguinte matéria de facto: «[…] A) Em 2004, o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Moura sob o n° … e inscrito na matriz rústica sob o artigo …., secção H, sito na freguesia da Amareleja, em Moura, era propriedade de A…., ora Contra-interessado: cfr. doc. 1 e doc. 2 juntos com a Petição Inicial - PI e PA; B) Em 2004, a requerimento do Contra-interessado - que em sede procedimental indicou como residência a R. …., nº …, ….., Odivelas -, foi iniciado no Município de Moura o processo camarário de licenciamento de operação urbanística de edificação (obras de construção nova de edifício de habitação unifamiliar), que foi autuado com o nº 5/04 - DGUH: cfr. doc. 1 a doc. 3 juntos com a PI e PA; C) Acto impugnado: Em 2004-06-02 por despacho do PCMM, foi aprovado o projecto de arquitectura e das especialidades apresentadas no âmbito do processo camarário n° 5/04 - DGUH: cfr. doc. 4 junto com a PI e PA; D) Acto impugnado: Em 2004-09-07, deferida a emissão da licença de construção, foi emitido o alvará n° 89/2004, que se transcreve: cfr. doc. 5 junto com a PI; E) O prédio em causa, com uma área de 1,0800 ha, está inserido em área classificada pelo Plano Director Municipal de Moura, PDM de Moura, como agro-silvo-pastoril: cfr. PA, v.g. planta de implantação versus PDM de Moura, série I-B do D.R. de 1996-02-23 e alterado em 2006, conforme publicação inserta no D.R., II série de 2008-10-22; F) Em 2011-06-06, deram os presentes autos entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja: cfr. fls. 1; G) Desde 2008-03-26, que o Contra-interessado utiliza a habitação como habitação própria permanente: cfr. Procuração, doc. 2 in fine e doc. 3 juntos com a Contestação de fls. 55 a 86.

Factos não provados: Em face da prova produzida não se provaram outros factos sobre que o Tribunal se deva pronunciar, nomeadamente se a obra de construção é destinada a instalações de apoio e directamente adstritas às actividades agro-silvo-pastoril, incluindo as habitações para pessoal.

2. De Direito 2.1.

A questão que vem suscitada no presente recurso é a de saber se existiu erro de julgamento do acórdão recorrido ao...

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