Acórdão nº 425/22 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução07 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 425/2022

Processo n.º 327/2022

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. A. (a ora recorrente) impugnou, junto do Juízo de Execução de Almada (originando o processo n.º 12692/15.1T8ALM-D), a decisão administrativa do Instituto da Segurança Social, I. P. pela qual viu indeferido o pedido de concessão do benefício do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo. Na impugnação invocou, designadamente, que “[…] a decisão recorrida está ferida de inconstitucionalidade material por violação do disposto nos artigos 20.º, n.os 1 e 4, 13.º e 266.º todos da CRP por violação dos princípios constitucionais da legalidade, proporcionalidade, confiança, estado de direito democrático e legalidade. É inconstitucional a interpretação e aplicação que a decisão recorrida implicitamente fez do artigo 8.º-A, n.º 8, e 25.º, n.os 1 e 2, ambos da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, no sentido de que não se teria verificado ato tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário e prolação de decisão final da Segurança Social dever ser proferida pelo dirigente máximo da mesma, sem possibilidade de Delegação ou Subdelegação de competências, bem como do artigo 168.º, n.os 1 e 2, do CPA. Tais normativos legais devem ser interpretados e aplicados no sentido de que se formou ato tácito de deferimento, não podendo ser revogado/anulado, atento o decurso do prazo legal para tal e a prolação da decisão recorrida foi efetuada por quem não tinha poderes e competências para tal, assim se violando os princípios constitucionais suprarreferidos”.

1.1. Por sentença de 20/09/2021, a impugnação foi julgada improcedente. Consta dos fundamentos desta decisão, designadamente, o seguinte:

“[…]

A requerente foi notificada em sede de audiência prévia da proposta de decisão de indeferimento em virtude de o agregado familiar ter rendimentos que não se subsumem à situação de insuficiência económica.

Em sede de resposta, o alegado pela requerente não permitiu colocar em causa o apuramento de rendimentos realizado, pelo que o requerimento de proteção jurídica foi objeto de indeferimento .

Daí que se tem de concluir que a decisão da Segurança Social não incorreu em erro, em ilegalidade ou inconstitucionalidade, sendo que se limitou a aplicar os critérios legais de cálculo, que, realça-se, se encontram expressamente previstos na lei, tendo chegado à conclusão de que a ora recorrente não integra a situação de insuficiência económica absoluta nos termos em que a lei do patrocínio judiciário a define.

Alega ainda a Recorrente a formação de ato tácito de deferimento por ter decorrido um prazo superior a 30 dias entre a apresentação do pedido e a decisão .

No caso dos autos é manifesto que decorreram mais de 30 dias entre a apresentação do pedido e a decisão final, situação que decorre dos autos e é expressamente aceite pela autoridade administrativa.

Porém, tem sido pacífico e maioritariamente aceite pela doutrina e jurisprudência que havendo decisão expressa proferida pela autoridade administrativa em sentido contrário (total ou parcial) à que resultava do ato tácito, é essa decisão em si mesma um ato revogatório, sendo, por isso, essa decisão que prevalece, pois o ato expresso, após apreciação quanto ao mérito do pedido, elimina da ordem jurídica os efeitos decorrentes de uma mera presunção de vontade subjacente ao ato tácito, dado que a vontade expressa e real da administração se sobrepõe à sua intenção ficcionada (atendendo ao regime instituído pelo anterior CPA que tratava da revogação dos atos inválidos).

Atualmente, os atos constitutivos de direitos só podem ser passíveis de anulação administrativa com fundamento na sua invalidade e dentro do prazo de um ano contado desde a data da sua emissão ou formação (no caso de ato tácito) ou até ao encerramento da discussão quando tenha havido impugnação judicial, conforme prescrevem as disposições conjugadas dos artigos 165.º, n.º 2, e 168.º, n.ºs 2 e 3, todos do CPA.

No apontado sentido, por referência ao regime de revogação dos atos inválidos (que atualmente tem enquadramento no regime de anulação administrativa), defendendo que o ato tácito de deferimento pode ser afastado por ato expresso da entidade administrativa competente, em sentido total ou parcialmente diferente, após uma apreciação sobre o mérito do pedido e com fundamento na sua invalidade, podem ler-se entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 15.02.2012, proc.º 0936/11, e de 14.03.2012, proc.º 0935/11.

No caso sub judice, a recorrente não pode beneficiar da presunção decorrente do ato tácito de indeferimento porquanto, após apreciação sobre o mérito do seu pedido, se concluiu não ter direito à proteção jurídica nas modalidades pretendidas, pelo que se ato tácito se houvesse formado, foi anulado o anterior ato tácito de deferimento com fundamento na sua ilegalidade .

No caso concreto, atentas as datas de entrada do pedido formulado pelos recorrentes e da decisão proferida pelos serviços da segurança social constata-se efetivamente terem decorrido mais de 30 dias consecutivos.

Mas chama-se a atenção da recorrente para o facto de nem sequer ter junto ao seu pedido quaisquer documentos para prova da alegada insuficiência económica, obrigando os Serviços da Segurança Social a fazerem diligências no sentido de averiguar a sua situação socioeconómica .

Contudo, a análise da questão não se esgota aqui .

Primeiro, porque o ato tácito, embora sendo um ato presumido porque resultante de uma presunção legal, é um ato administrativo que cabe na definição desta figura jurídica.

A Lei da Proteção Jurídica, que vimos citando, introduz regras especiais face ao regime geral consagrado no Código de Procedimento Administrativo, prevalecendo, portanto, perante este, uma vez que prevê um prazo de 30 dias para conclusão e decisão do procedimento instaurado por força do requerimento de proteção jurídica, sob pena de ocorrência de deferimento tácito, em detrimento do prazo geral de 90 dias consagrado naquele código (artigo 108.º).

Todavia, da especialidade atrás mencionada, constante do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, não resulta o afastamento das demais regras que disciplinam o procedimento administrativo em geral, nomeadamente as que preveem a possibilidade de prolação de ato expresso de indeferimento por parte da entidade administrativa sobre a pretensão formulada pelo interessado, na sequência de uma apreciação quanto ao mérito da mesma, revogando, dessa forma, o ato tácito que entretanto se havia formado pelo decurso do prazo de 30 dias, nos termos do disposto no artigo 141.º do CPA, aplicável por força do disposto no artigo 37.º da Lei da Proteção Jurídica.

É nesse sentido que se pronuncia o Acórdão do STA, de 08.10.2003, quando estabelece que “o deferimento ou indeferimento tácito de uma determinada pretensão sobre a qual a Administração tinha obrigação de se pronunciar constitui uma manifestação de vontade presumida, vontade esta que não poderá prevalecer se a Administração expressamente vier a manifestar-se sobre essa mesma pretensão através da prática de um ato administrativo contenciosamente recorrível, situação em que a defesa dos direitos ou interesses legítimos dos particulares deve ser feita através do recurso contencioso dirigido contra esse ato expresso”.

Na verdade, o STA tem entendido, de modo uniforme, que um ato expresso de sentido contrário, proferido posteriormente a um ato tácito e após uma apreciação quanto ao objeto do pedido, é, nesta matéria, um ato revogatório.

O ato tácito de deferimento constitui uma manifestação de vontade presumida e, porque assim é, a prolação de um ato expresso em sentido contrário ao da vontade presumida faz com que deixe de fazer sentido falar-se em vontade presumida e, portanto, em ato tácito.

Com efeito, sendo o deferimento tácito um ato ilegal (por conceder um benefício a quem não reúne os...

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