Acórdão nº 391/22 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 391/2022

Processo n.º 1163/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam na 3.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Norte, em que é recorrente Banco A., S.A., e recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25 de fevereiro de 2021.

2. A ora recorrente propôs ação administrativa especial contra a ora recorrida, com vista a impugnar o indeferimento do pedido de demonstração do preço efetivo de transmissão de imóveis, por não terem sido anexados os documentos de autorização de acesso à informação bancária respeitante aos administradores da sociedade, e a obter a condenação do recorrido na prática do ato de deferimento do pedido.

Por sentença proferida em 7 de fevereiro de 2020, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou a ação improcedente. A ora recorrente interpôs recurso de tal sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte, que, por acórdão datado de 25 de fevereiro de 2021, negou provimento ao recurso.

Com interesse para o recurso de constitucionalidade, pode ler-se em tal aresto:

«A Recorrente apresentou requerimento com vista à comprovação do preço efetivo das transmissões referidas, nos termos dessa norma, por forma a afastar a aplicabilidade do disposto no n.° 2 do artigo 64.º do CIRC. Para instruir esse requerimento, juntou cópia das escrituras públicas, notas de lançamento, extratos contabilísticos, cópias de cheques e declaração de autorização de acesso à sua informação bancária. Tendo sido notificada para apresentar documentos de autorização de levantamento do sigilo bancário referente aos seus administradores, sob pena de o pedido ser liminarmente rejeitado e mandado arquivar por falta de requisitos legais, invocou que a interpretação que se faz da norma contida no n.° 6 do artigo 139.º do CIRC, como vem sendo aplicada pela administração tributária, isto é, no sentido da necessidade de autorização de acesso à informação bancária dos administradores ou gerentes dos contribuintes requerentes, sob pena de indeferimento liminar do pedido de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis por falta de observância de requisitos legais, constitui manifesta violação de princípios estruturantes da nossa ordem jurídica.

Na medida em que a sentença recorrida julgou não se verificar a violação desses princípios constitucionais, reiterou a sua posição no presente recurso. Também a entidade Recorrida, nas suas contra-alegações, reafirmou ter atuado no cumprimento das normas legais aplicáveis, e que, nessa medida, inexiste qualquer fundamento para a anulação do ato impugnado e para a sua substituição por outro que defira o pedido efetuado pela Recorrente.

As normas legais aplicáveis são as seguintes:

Nos termos do n.° 2 do artigo 64.º do CIRC, «Sempre que, nas transmissões onerosas o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.».

Por seu turno, o artigo 139.º do CIRC estabelece, que:

«1 - O disposto no n.° 2 do artigo 64.° não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base á liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.

(...)

3 - A prova referida no n.° 1 deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.

(...)

6 - Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.».

Como se refere na sentença recorrida, da interpretação conjugada das disposições citadas resulta que, quando o valor constante do contrato seja inferior ao VPT, será este o valor a considerar para efeitos de determinação do lucro tributável do sujeito passivo alienante, a não ser que este demonstre que o preço efetivamente praticado foi inferior ao VPT fixado. Para o efeito, deverá o contribuinte entregar um requerimento com pedido de demonstração do preço, que contenha em anexo documentos de autorização de acesso à informação bancária que lhe diz respeito, bem como dos seus administradores ou gerentes.

Não existem, pois, dúvidas da obrigatoriedade do requerimento em causa ser acompanhado pelas referidas declarações de autorização, sob pena de indeferimento.

Por outras palavras, nos termos do n.º 6 do artigo 139.º do Código do IRC, a autorização de acesso às contas bancárias do sujeito passivo e dos seus administradores, gerentes ou representantes legais é condição necessária da instauração do procedimento de prova do preço efetivo.

Aqui chegados, verificamos que o quadro factual subjacente aos presentes autos é o seguinte: o Autor alienou dois imóveis por um valor inferior ao seu VPT, tendo apresentado junto da AT requerimento de prova do preço efetivo na transmissão, que viu indeferido com fundamento na falta de junção dos documentos de autorização de acesso às contas bancárias dos seus administradores (cfr. os itens 1) e 2) e 5) a 9) do probatório).

Sendo incontroverso que a Recorrente não anexou os documentos de autorização acima mencionados, verificamos que a sentença recorrida acolheu, na apreciação dos vícios imputados à decisão impugnada, jurisprudência dos tribunais superiores, com sustentação em jurisprudência do Tribunal Constitucional, que aqui se reitera.

De facto, vária tem sido a jurisprudência dos nossos tribunais superiores acerca do artigo 129.º, n.° 6 do CIRC, a que corresponde o artigo 139.º, n.° 6 do CIRC, em causa, sendo certo que todos têm julgado não ser de desaplicar no caso concreto este preceito legal, por não se verificar a inconstitucionalidade da norma.

A título de mero exemplo, e porque reúne a apreciação dos princípios que a Recorrente considera aqui violados, fazendo apelo aos vários Acórdãos que já foram proferidos pelo Tribunal Constitucional, quer no âmbito da apreciação da constitucionalidade do artigo 129.º, n.° 6 do CIRC, quer no âmbito da redação posterior a que corresponde o artigo 139.°, n.° 6 do CIRC, visando uma interpretação e aplicação uniforme do direito (artigo 8.°, n.° 3 do Código Civil), aderimos ao Acórdão do STA, de 20/04/2020, proferido no âmbito do processo n.° 01639/10.1BELRA 030/18, que apresenta o seguinte sumário: "O n.° 6 do art.º 129.° do CIRC, na redação dada pela Lei n.° 53-AI2006, de 29/12, no que respeita à obrigação de serem juntas, pelo sujeito passivo de IRC, para prova do preço efetivo ou real na transmissão de imóveis, declarações de administradores, concedendo autorização para aceder às respetivas informações bancárias, não padece de inconstitucionalidade material por violação do princípio da tributação pelo lucro real (art.º 104.º, n.° 1, da CRP, 3.º, n.° 1, al. a), e 17.º, n.º 1, do CIRC); do princípio da proporcionalidade (art.º 18.º, n.º 1 da CRP), do direito à reserva da intimidade da vida privada (art.º 26.º, n.° 1 da CRP) nem do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º, n.º 1 e 4 e 104.º, n.° 1 da CRP)

Assim, refere aquele douto Aresto que:

«(...) Ao princípio da tributação pelo lucro real se refere o artigo 104.º n.º 1 da C.R.P., com expressão nos artigos 3.º, n.º 1, a), e 17.º, n.º 1, do C.I.R.C..

Tal princípio, sendo de contextualizar com o dever de pagar impostos corresponde a um dever fundamental dos cidadãos, plasmado no artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, traduz-se no poder-dever de criar impostos e determinar a forma da sua coleta, com vista a uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza, conforme o Tribunal Constitucional refere no acórdão n.º 517/2015, acessível em www.tribunalconstitucional.pt.

De acordo com o que neste acórdão se refere: “10. No âmbito da tributação das pessoas coletivas, a Constituição optou claramente pela tributação dos lucros reais, ou seja, os lucros efetivamente auferidos pelas empresas, conforme resulta do n.º 2 do artigo 104.º, em detrimento de um outro modelo possível, assente na tributação dos lucros normais, que, partindo de uma pressuposição dos lucros auferíveis em determinadas condições normais, poderia corresponder a um cálculo por excesso ou por defeito dos lucros realmente obtidos em cada ano (Comes Canotilho, J. J. e Moreira, Vital, op. cit., p. 1100).

Tal opção, porém, é assumida, pela Constituição, de uma forma tendencial, o que impressivamente resulta da utilização do advérbio fundamentalmente. Compreende-se esta consagração mitigada do princípio da tributação pelo rendimento real, uma vez que a prevalência absoluta deste princípio exigiria um sistema também absolutamente fiável de informação sobre os resultados das empresas. Pelo que, em alguns sectores, "acabam por ser tributados não os lucros efetivamente auferidos mas sim os presumivelmente realizados" (cfr. idem, ibidem, p. 1100).

Ainda assim, a prevalência do princípio da tributação das empresas...

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