Acórdão nº 420/22 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Junho de 2022

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução01 de Junho de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 420/2022

Processo n.º 1064/2021

Plenário

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional requereu, em conformidade com o disposto no artigo 82.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), a organização de um processo, a tramitar nos termos do processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade, com vista à apreciação, pelo Plenário, da constitucionalidade da norma constante do artigo 214.º do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, o qual “[…] estabelece a possibilidade de aplicar uma sanção disciplinar, no âmbito do processo sumário, sem que esta seja precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido” (artigo 1.º do requerimento do Ministério Público).

Alega o requerente que essa norma foi julgada inconstitucional em mais de três casos concretos pelo Tribunal Constitucional, mais precisamente, no Acórdão n.º 594/2020 (1.ª secção), no Acórdão n.º 742/2020 (2.ª secção), no Acórdão n.º 177/2021 (1.ª secção) e no Acórdão 560/2021 (2.ª secção), decisões já transitadas em julgado.

1.1. Foi notificada, nos termos conjugados do artigo 54.º e do n.º 3 do artigo 55.º da LTC, a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante, também designada apenas por “Liga Portugal”). Na sequência dessa notificação, veio o respetivo Presidente, nessa qualidade, emitir a pronúncia de fls. 47-48 dos autos, onde reconhece ter a norma em apreço sido, efetivamente, declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional em mais de três casos concretos, mas adianta que “[…] em 2 de junho de 2021, a Assembleia-Geral da Liga Portugal, em reunião extraordinária, aprovou uma alteração ao artigo 214.º do Regulamento Disciplinar que, tendo entrado em vigor em 1 de julho de 2021, passou a ter a seguinte redação: ‘A aplicação de qualquer sanção disciplinar é sempre precedida da faculdade de exercício do direito de audiência pelo arguido’ […]” (ponto 6 da mesma pronúncia). Mais se refere, nessa pronúncia, que “[…] a aludida alteração foi, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 29.º do decreto-lei n.º 248-B/2008, de 31 de dezembro, ratificada na reunião da Assembleia-Geral da Federação Portuguesa de Futebol de 5 de julho de 2021”, pelo que a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral terá perdido utilidade (pontos 7 e 8 também dessa pronúncia).

II – Fundamentação

2. De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 281.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade ou ilegalidade de qualquer norma que tenha sido por ele julgada inconstitucional ou ilegal em três casos concretos. Este preceito é reproduzido, no essencial, pelo artigo 82.º da LTC, que – sob a epígrafe “[p]rocesso aplicável à repetição do julgado” – determina pertencer a iniciativa a qualquer dos juízes do Tribunal Constitucional ou ao Ministério Público, devendo promover-se a organização de um processo com as cópias das correspondentes decisões, o qual é concluso ao presidente, seguindo-se os termos do processo de fiscalização abstrata e sucessiva da constitucionalidade, previsto na mesma lei.

2.1. Importa determinar, em primeiro lugar, se estão preenchidos os pressupostos legais da generalização.

Não havendo dúvidas quanto à legitimidade ativa do representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional para formular o pedido sob apreciação, verifica-se também que a norma em causa foi, efetivamente, julgada inconstitucional, em sede de fiscalização concreta, em mais de três casos — sobre os quais incidiram, designadamente, os referidos Acórdãos n.os 594/2020, 742/2020, 177/2021 e 560/2021.

Acresce não existir divergência quanto ao fundamento da inconstitucionalidade: a violação do direito de audiência e defesa do arguido, contemplado no n.º 10 do artigo 32.º da CRP, uma vez que a norma sub judice regula o sancionamento de um ilícito disciplinar, pelo que se acha abrangida pela referida disposição da Lei Fundamental (“[n]os processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”).

Assim, preenchem-se os pressupostos específicos da generalização do juízo de inconstitucionalidade proferido em sede de fiscalização concreta da norma sub judice.

2.2. Prefigura-se, todavia, a questão prévia – suscitada, desde logo, pela autora da norma – da inutilidade da decisão, cuja apreciação impõe, por sua vez, uma breve referência à norma que é objeto do...

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