Acórdão nº 0145/21.3BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Maio de 2022
Magistrado Responsável | JOSÉ GOMES CORREIA |
Data da Resolução | 26 de Maio de 2022 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório A…………, SGPS, S.A.
, melhor sinalizada nos autos, vem, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria — “RJAT”), com a alteração introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no Processo n.º 226/2020-T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), que colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 1286/05, em 5 de Abril de 2006, “no segmento decisório respeitante à (im)possibilidade de sindicar autónoma e directamente as correcções aritméticas realizadas à matéria tributável e imposto e dever da respectiva sindicância, indirecta, na impugnação contenciosa do acto final de liquidação”.
Inconformada, formulou a recorrente A…………, SGPS, S.A.
, as seguintes conclusões:
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Por via do presente recurso pretende a ora Recorrente reagir contra a decisão arbitral proferida em 18 de Outubro de 2021 pelo Tribunal Arbitral Colectivo, no processo arbitral n.º 226/2020; B) O acórdão arbitral recorrido colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo STA no acórdão proferido no âmbito do processo n.º 1286/05, em 5 de Abril de 2006, já transitado em julgado; C) Embora o acórdão arbitral recorrido decida a procedência integral do pedido de pronúncia arbitral e a anulação do acto de liquidação de imposto, a Recorrente tem legitimidade e interesse no presente recurso uma vez que, não tendo o Tribunal a quo conhecido de uma parte do pedido da Requerente, deparamo-nos com uma mera aparência de provimento integral do pedido; D) O STA já decidiu que a parte pode recorrer de uma decisão arbitral que decide, com motivação eivada de erro, não tomar conhecimento de questões suscitadas (cf. Acórdão do STA, de 03.06.2015, no processo n.º 0793/14). Significa isto que, desde que a decisão arbitral englobe uma pronúncia sobre o mérito da pretensão deduzida, não é forçoso que o questionamento em recurso incida sobre a pronúncia de mérito, podendo recair sobre um segmento decisório erróneo que tem influência na satisfação ou não da pretensão deduzida em juízo, como in casu; E) O acórdão recorrido e o acórdão fundamento apreciaram e decidiram a mesma questão fundamental de direito na ausência de modificação substancial da regulamentação jurídica: (im)possibilidade de sindicar autónoma e directamente as correcções aritméticas realizadas à matéria tributável e imposto e dever da respectiva sindicância, indirecta, na impugnação contenciosa do acto final de liquidação; F) O Tribunal a quo apenas conheceu da ilegalidade de uma das três correcções contestadas, referindo que poderia ter sido pedida a anulação da liquidação mais a anulação das correcções mas a “a Requerente não cumula, com o pedido anulatório da liquidação, qualquer pedido anulatório das correcções”, concluindo que, “num caso como o dos autos, em que um contribuinte que apresente prejuízos fiscais e sofra correcções que o levem a ter lucro tributável, com a consequente liquidação de imposto, aquele poder optar entre impugnar as correcções, impugnar a liquidação, ou ambas, sendo que no primeiro e no último caso o valor da causa, com as consequências ao nível da competência do CAAD, será o das correcções, e o tribunal terá de se pronunciar sobre a legalidade de todas as correcções, enquanto que no segundo, o valor será o da liquidação, e o tribunal apenas se terá de pronunciar na medida do necessário à anulação da liquidação”; G) O Acórdão fundamento decidiu que o despacho impugnado em cumulação de pedidos com as liquidações, “que manteve os valores propostos, no primeiro projecto de conclusões e relatório da inspecção tributária, para os exercícios analisados, ano fiscal de 2000, 2001, 2002, quer relativamente às correcções aritméticas realizadas à matéria tributável quer aos impostos em falta", "do qual resultaram as subsequentes liquidações relativas a IRC e IVA", (…) “não é autonomamente recorrível, devendo a sua legalidade ser apreciada na impugnação da liquidação - princípio da impugnação unitária - art. 54.º do CPPT”. Concluiu: “Trata-se, assim, de um acto interlocutório do procedimento, directamente inimpugnável”.
H) É patente a identidade das situações de facto subjacentes aos arestos. A administração tributária promoveu correcções em sede inspectiva (matéria colectável de IRC e correcções ao imposto) e seguiu-se um acto de liquidação de imposto que apurou imposto a pagar.
Na base factual do acórdão fundamento, o contribuinte sindicou as liquidações conjuntamente com a sindicância directa e autónoma das correcções preparatórias, em cumulação de pedidos, peticionando ao tribunal que reconhecesse a ilegalidade das correcções e das consequentes liquidações adicionais. No quadro fáctico dos presentes autos, o contribuinte sindicou a legalidade das correcções preparatórias indirectamente, como fundamento de anulação do acto; I) Num aresto decide-se que existe um ónus de impugnação unitária (acórdão fundamento) e noutro aresto decide-se que existe um ónus de impugnação múltipla, não unitária (acórdão recorrido); J) De acordo com a decisão proferida pelo STA, a lei impõe um ónus de impugnação unitária, o que significa que as correcções não são contenciosamente recorríveis per se, “devendo a sua legalidade ser apreciada na impugnação da liquidação” (cf. Acórdão fundamento). Na situação sub judice, diante de tal impugnação indirecta por parte do contribuinte, o Tribunal a quo recusa-se a conhecer dos vícios, afirmando a necessidade de impugnação directa, cumulativa, para que se lhe imponha um dever de cognoscibilidade judicial; K) Caso o Douto Tribunal a quo tivesse adoptado no âmbito da decisão arbitral recorrida a posição assumida em sede do acórdão fundamento, o sentido decisório por si perfilhado teria sido diametralmente oposto: num caso como o dos autos, em que um contribuinte apresente prejuízos fiscais e sofra correcções que o levem a ter lucro tributável, com a consequente liquidação de imposto, aquele não pode optar por impugnar as correcções, em cumulação com a impugnação da liquidação, apenas podendo impugnar a liquidação, invocando nessa sede a ilegalidade das correcções, e o tribunal terá que se pronunciar sobre a legalidade de todas as correcções nos termos do disposto no artigo 54.º do CPPT; L) Em face da consagração do princípio da impugnação unitária e do carácter meramente preparatório do procedimento de inspecção, no contencioso tributário só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, o qual afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte; M) No caso que nos ocupa, a Impugnante invocou na petição vícios de violação de lei atinentes a erros sobre os pressupostos de facto e de direito nas quantificações da matéria tributável e do imposto, erróneas quantificações ocorridas no decurso das inspecções que antecederam o acto final de liquidação, ilegalidades essas passíveis de gerar a anulabilidade da liquidação adicional de imposto; N) Nestas situações, em que há um acto de liquidação posterior à decisão final administrativa sobre a quantificação da matéria colectável e do imposto, vigora plenamente o princípio da impugnação unitária, baseado em considerações de economia processual e optimização da actividade dos Tribunais tributários, sem pôr em causa o direito fundamental à tutela judicial efectiva através da impugnação de actos administrativos lesivos com fundamento em qualquer ilegalidade; O) O juízo do Tribunal Arbitral recorrido é insustentável por encerrar uma violação do disposto no artigo 54.º do CPPT; P) É a jurisprudência consolidada e pacífica dos Tribunais superiores que deve ser acolhida, pois que nenhuma razão se descortina para dela divergir; Q) O entendimento do Tribunal a quo de existência de um ónus de impugnação múltipla (impugnação da liquidação mais a impugnação da decisão administrativa de correcção), impedindo que a impugnação do acto tributário se funde em vícios próprios das operações de quantificação precedentes, ofende o princípio da tutela judicial efectiva e o princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP); R) O Acórdão n.º 410/2015 do Tribunal Constitucional, de 29 de Setembro de 2015, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 227, em 19 de Novembro de 2015, veio “[j]ulgar inconstitucional a interpretação do artigo 54.º do Código de Procedimento e Processo Tributário que, qualificando como um ónus e não como uma faculdade do contribuinte a impugnação judicial dos actos interlocutórios imediatamente lesivos dos seus direitos, impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles, por violação do princípio da tutela judicial efectiva e do princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa”; S) Ora, se em relação a actos interlocutórios imediatamente lesivos, verdadeiramente destacáveis, existe uma mera faculdade e não um ónus de impugnação, não pode um tal ónus existir em relação a actos meramente preparatórios da liquidação final, nem sequer imediatamente lesivos ou destacáveis (correcções aritméticas realizadas à matéria tributável e imposto). O artigo 54.º do CPPT, ou qualquer outro normativo em que se funde o entendimento do Tribunal recorrido (v.g. artigos 97.º do CPPT e 2.º do RJAT), são materialmente inconstitucionais na interpretação de que existe um ónus impugnatório das decisões de correcção e que este impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daquelas, por violação do princípio da tutela judicial efectiva e do princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP; T) Por...
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