Acórdão nº 0825/14.0BECBR 01440/16 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Processo n.º 825/14.0BECBR – 1440/16 Recurso por oposição de acórdãos Recorrente: Z………… e X………… Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 Os Recorrentes acima identificados, inconformados com o acórdão de 14 de Julho de 2020 do Tribunal Central Administrativo Norte – que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, revogou a sentença deste Tribunal, e julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelos ora Recorrentes contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) respeitante ao ano de 2009, efectuada por a AT ter considerado que a alienação de acções efectuada pelo Recorrente marido estava sujeita a tributação em mais-valias, por não cumprir com a condição prevista, à data, no art. 10.º, n.ºs 2, alínea a), e 12 (Na redacção em vigor à data, os n.ºs 2, alínea a), e 12 do art. 10.º do CIRS, diziam: «2. Excluem-se do disposto no número anterior as mais-valias provenientes da alienação de: a) Acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses; […] 12. A exclusão estabelecida no n.º 2 não abrange as mais-valias provenientes de acções de sociedades cujo activo seja constituído, directa ou indirectamente, em mais de 50%, por bens imóveis ou direitos reais sobre bens imóveis situados em território português».), do Código do IRS (CIRS) –, dele recorrem para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), invocando oposição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 27 de Janeiro de 2016, no processo n.º 1720/13 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/6dbb6cbd75f419f480257f5600394b3c.), transitado em julgado.

1.2 Os Recorrentes apresentaram alegações, com conclusões do seguinte teor: «1.ª O douto acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) em 14.07.2020, transitou em julgado no dia 05.01.2022; 2.ª O presente recurso vem interposto em virtude da evidente contradição entre o douto acórdão recorrido e o acórdão proferido pelo STA em 27.01.2016, no processo n.º 01720/13; 3.ª Existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento no que respeita à necessidade de aplicação da cláusula geral anti abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT, com a instauração do procedimento prévio e obrigatório previsto no artigo 63.º do CPPT, em concreto quando o fundamento das correcções efectuadas pelos serviços de inspecção tributária assenta na desconsideração de actos e registos contabilísticos, por alegado erro ou incongruência destes registos; 4.ª A identidade factual entre o acórdão-recorrido e o acórdão-fundamento resulta da circunstância de em ambos os processos se discutirem liquidações adicionais de imposto, as quais têm subjacente a desconsideração de actos e registos contabilísticos por parte dos serviços de inspecção tributária, com fundamento em alegadas incongruências contabilísticas, sem aplicação da cláusula geral anti abuso (cf. artigo 38.º, n.º 2 da LGT) e do procedimento prévio e obrigatório (cf. artigo 63.º do CPPT); 5.ª No acórdão recorrido controverte-se uma correcção efectuada pelos serviços de inspecção tributária a qual tem subjacente a desconsideração de um movimento de regularização contabilística, em concreto entre a subconta #422 – IC – Edifícios e outras construções e a subconta #423 – IC – Equipamento básico, na esfera da sociedade W............, cujas participações sociais foram alineadas pelos Recorrentes em 2009; 6.ª Em 2009 os Recorrentes alienaram as participações sociais daquela sociedade, tendo declarado a mais-valia no anexo G1 da declaração modelo 3 de IRS, considerando assim que a mais-valia se encontrava isenta ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 2, do Código do IRS, na redacção à data, uma vez que, de acordo com os registos contabilísticos da W............ o peso dos imóveis no total do activo da sociedade representava 49,67%; 7.ª Os serviços de inspecção tributária decidiram desconsiderar aquele movimento contabilístico concluindo, assim, que o peso dos imóveis representava 60,76% e que, por essa razão, não era aplicável a exclusão de tributação (cf. artigo 10.º, n.º 12, do Código do IRS); 8.ª Todavia, não foi aplicada a cláusula geral anti abuso nem encetado o procedimento prévio para aplicação da mesma (cf. artigo 38.º, n.º 2, da LGT e artigo 63.º do CPPT); 9.ª No acórdão fundamento controverte-se uma correcção efectuada pelos serviços de inspecção a qual tem por base a desconsideração do acto de gestão de negócios e representação da sociedade “V………… SGPS”, na aquisição de participações sociais que viriam a ser alienadas e cuja mais-valia foi excluída de tributação, por força do artigo 32.º, n.º 2 do EBF; 10.ª No âmbito da análise aos documentos e registos contabilísticos da sociedade “V………… SGPS” os serviços de inspecção tributária concluíram por alegadas irregularidades da contabilidade e, por conseguinte, procederam à desconsideração do acto de representação, sem, contudo, determinarem a aplicação da cláusula geral anti abuso e respectivo procedimento (cf. artigo 38.º, n.º 2, da LGT e artigo 63.º do CPPT); 11.ª Em ambos os arestos em confronto os serviços de inspecção tributária consideram que os documentos e registos contabilísticos das sociedades enfermam de irregularidades e, por essa razão, procedem à desconsideração de actos e registos contabilísticos; 12.ª No que respeita ao fundamento de direito, ambos os acórdãos são chamados a pronunciar-se sobre a mesma questão jurídica, qual seja, a da obrigatoriedade da aplicação da cláusula geral anti abuso e do procedimento prévio para aplicação desta; 13.ª Em ambos os processos os Tribunais de primeira instância concluíram que tais correcções impunham o recurso à cláusula geral anti abuso e respectivo procedimento prévio; 14.ª Não obstante a identidade da situação fáctico-jurídica vertida e apreciada nos acórdãos em causa, viriam os mesmos a decidir em sentido contraditório: enquanto no acórdão fundamento o STA validou a decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, no acórdão recorrido o TCAN considerou que a desconsideração de um movimento de reclassificação contabilística não se encontra sujeito à aplicação da cláusula geral anti abuso; 15.ª Em face do exposto, resulta manifesta a contradição entre os arestos em confronto; 16.ª A solução perfilhada pelo acórdão fundamento, no que respeita à aplicação da cláusula geral anti abuso e respectivo procedimento, é a que se afigura mais correta pelo que deverá prevalecer sobre o entendimento do acórdão recorrido; 17.ª Desde logo, entendem os Recorrentes que o douto acórdão recorrido decidiu em violação do disposto nos artigos 38.º da LGT e 63.º do CPPT, porquanto, salvo o devido respeito, contrariamente ao que resulta do douto acórdão recorrido, e tal como decidiu, e bem, o tribunal de primeira instância, a administração tributária devia ter lançado mão da cláusula geral anti abuso ao ter desconsiderado o movimento de regularização contabilística; 18.ª Determina o artigo 38.º, n.º 2, da LGT qualquer procedimento tendente a requalificar determinado negócio ou acto jurídico, para efeitos de tributação, terá necessariamente de obedecer às regras especiais previstas no artigo 63.º do CPPT e à aplicação de um procedimento prévio próprio; 19.ª Não obstante administração tributária não estar vinculada à qualificação dos actos e contrato efectuados pelos sujeitos passivos (cf. artigo 36.º, n.º 4, da LGT), a verdade é que no caso vertente a administração tributária não se limitou a qualificar diferentemente o acto praticado, mas a desconsiderá-lo; 20.ª Pelo que, se no entender dos serviços de inspecção tributária o referido movimento de regularização contabilística não espelhava a realidade, então estávamos directamente no campo de aplicação da cláusula geral anti abuso, à semelhança da decisão alcançada no acórdão fundamento; 21.ª A posição que ora se vem defendendo encontra pleno respaldo na doutrina, designadamente, XAVIER DE BASTO, o qual entende que os objectivos visados com a norma do artigo 10.º, n.º 12, do Código do IRS encontram solução na aplicação pela administração tributária da cláusula geral anti abuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT (cf. «IRS – Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos», Coimbra Editora, 2007, p. 407); 22.ª A própria administração tributária, por diversas vezes, a propósito da exclusão de tributação das mais-valias mobiliárias decorrentes da alienação de acções detidas por período superior a 12 meses, desencadeou a cláusula geral anti abuso (cf. RUI DUARTE MORAIS, Sobre o IRS, Almedina, 2016, 3.ª ed., p. 144); 23.ª Não pode acompanhar-se o entendimento do acórdão recorrido, uma vez que se impunha à administração tributária, querendo desconsiderar o lançamento contabilístico da W............, desencadear a aplicação da cláusula geral anti abuso e do mecanismo do artigo 63.º do CPPT, pois uma tal desconsideração não se traduz numa mera requalificação ou correcção, mas pressupõe necessariamente a convicção ou suspeita da existência de abuso; 24.ª Não poderá, por isso, o acórdão recorrido manter-se e, nessa medida, deixar de ser anulado, firmando-se, para efeitos de uniformização de jurisprudência o entendimento ora prescrito e no acórdão fundamento de que, mesmo que a administração tributária não qualifique expressamente como abusivas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, deve a mesma encetar o procedimento da cláusula geral anti abuso, previsto nos artigos 38.º, n.º 2 da LGT e 63.º do CPPT, antes de desconsiderar o movimento contabilístico e sujeitar a tributação realidades excluídas de imposto, com fundamento em erros ou incongruências na contabilidade, porquanto a fundamentação da administração tributária, em casos como o vertente, é claramente toldada pela suspeita de abuso por parte do sujeito...

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