Acórdão nº 411/22 de Tribunal Constitucional (Port, 26 de Maio de 2022

Magistrado ResponsávelCons. António José da Ascensão Ramos
Data da Resolução26 de Maio de 2022
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 411/2022

Processo n.º 1084/21

2.ª Secção

Relator: Conselheiro António José da Ascensão Ramos

*

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I. Relatório

1. A., S.A., interpôs recurso de fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e f) da Lei n.º 28/82 de 15.09 (LTC), do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de setembro de 2021, pedindo a sindicância do artigo 228.º da Lei n.º 83-C/2013 de 31.12 e da integralidade do Regime Jurídico da CESE (RJCESE) criado por esse articulado legal e, em especial, das normas desse diploma que seguidamente se enunciam, apelando aos seguintes fundamentos:

a) Artigo 3.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), n.º 2, n.ºs 3 e 4, artigo 5.º, n.º 1 e artigo 12.º, do RJCESE, por violação dos princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo rendimento real que resultam dos artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa;

b) Artigo 2.º, alíneas a) a m), do RJCESE, por violação do princípio da igualdade;

c) Artigo 2.º, alíneas a) a m) e artigo 3.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), n.º 3 e n.º 4, do RJCESE, por violação do princípio da proporcionalidade;

d) Artigo 3.º, n.º 5, do RJCESE, por violação dos princípios da confiança, da segurança jurídica e da não-retroatividade da Lei Fiscal;

e) Artigos 11.º, n.ºs 1, 6 e 7, do RJCESE, por violação do artigo 105.º da Constituição da República Portuguesa, do artigo 8.º da Lei de Enquadramento Orçamental aprovada pela Lei n.º 91/2001 de 20.08 (LEO de 2001) e dos artigos 15.º e 17.º, da Lei de Enquadramento Orçamental aprovada pela Lei nº 151/2015 de 11.09 (LOE de 2015);

2. A., S.A. propôs Impugnação Judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto contra o indeferimento do recurso hierárquico interposto da reclamação graciosa apresentada contra a (auto-)liquidação de Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) no valor de € 3.677.704,94 referente ao ano de 2014.

O Tribunal julgou a impugnação judicial totalmente improcedente e, inconformada, a recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, que lhe negou provimento, confirmando a decisão em 1.ª instância.

3. A., S.A. interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional nos seguintes termos:

vem, pelo presente, e ao abrigo do disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2 alíneas a) e d), da Constituição da República Portuguesa (CRP), do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e f), no artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, e no artigo 76.º, todos Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, na redação atualmente em vigor), interpor

Recurso para fiscalização concreta da constitucionalidade

perante o Tribunal Constitucional, o que faz nos termos seguintes:

§1.º

Da competência para apreciação da admissibilidade do recurso

No que se refere à competência para apreciação da admissibilidade do recurso interposto, o artigo 76.º, n.º 1, da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional estabelece que "Compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciara admissão do respetivo recurso.",

sem prejuízo de ulterior análise de admissibilidade pelo Tribunal Constitucional, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 da mesma disposição legal.

Assim, tendo a decisão recorrida sido proferida pela Secção de Contencioso Tributário do STA, de acordo com a referida disposição legal, competirá a este Tribunal aferir da admissibilidade do presente recurso.

§ 2.º

Da tempestividade

O Acórdão objeto do presente recurso foi notificado à ora Recorrente, por via de Ofício datado de 9 de setembro de 2021 (cf. notificação do Acórdão junto aos autos).

Nos termos do artigo 75.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, o prazo para interposição de recurso para o Tribuna! Constitucional é de 10 dias.

Atento o exposto, o presente Requerimento de interposição de recurso, apresentado nesta data, deverá ter-se por tempestivo.

§3.º

Do objeto do recurso e do cumprimento do ónus de suscitação prévia

Dispõe o artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, ao abrigo do qual se interpõe o presente recurso, que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões "que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo".

Acresce que dispõe o artigo 70.º, n.º 1, alínea f). do mesmo diploma legal, ao abrigo do tal se interpõe, também, o presente recurso, que cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões "que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c). d) e e) mais concretamente, e nos termos da mencionada alínea c), in fine, com fundamento em ilegalidade por violação de lei com valor reforçado.

Concretizando, o n.º 2 do artigo 72.º do mesmo Diploma legai dispõe que "os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70.º só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer."

10º

Por outro lado, e uma vez que o presente recurso vem interposto ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alíneas b) e f), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional, exige-se, nos termos do disposto no artigo 75,º-A do mesmo diploma, que do Requerimento de interposição constem, desde logo, as questões de inconstitucionalidade, ou ilegalidade, que se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.

11º

Em face das normas legais enunciadas, para que o presente requerimento de interposição de recurso seja considerado admissível, impõe-se, em primeiro lugar, que sejam identificadas as questões de inconstitucionalidade e / ou ilegalidade que se pretende ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional,

12º

ao mesmo tempo que se demonstra o efetivo cumprimento da dupla exigência imposta pelo legislador à parte que pretenda apresentar recurso perante o Tribunal Constitucional, i.e. que as questões de constitucionalidade, cuja apreciação se pretende por via recursiva, foram colocadas, perante o Tribunal recorrido, de modo processualmente adequado e, bem assim, em termos tais que o Tribunal recorrido estivesse vinculado à sua apreciação - i.e. que se tenha cumprido o ónus da suscitação prévia.

13º

Quanto à observância do cumprimento do ónus da suscitação prévia, tem entendido o Tribunal Constitucional que," quem pretenda recorrer para o Tribuna! Constitucional tem necessariamente de criar um específico dever de pronúncia do tribunal sobre a matéria a que respeita a questão de constitucionalidade, devendo fazê-lo de acordo com as regras processuais que regulam o processo-base, de forma que o tribunal que é confrontado com a questão de constitucionalidade fique constituído num particular dever de sobre eia se pronunciar, sob pena de, não o fazendo, incorrerem nulidade por omissão de pronúncia" (et Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 462/2016, proferido no processo n.º 64/16).

14º

Acresce que, como também tem sido entendimento do Tribunal Constitucional, "a suscitação processualmente adequada de uma questão de constitucionalidade implica, desde logo, que o recorrente tenha cumprido o ónus de a colocar ao tribunal recorrido, enunciando-a de forma expressa, ciara e perceptível, em ato processual e segundo os requisitos de forma que criam para o tribunal a quo um dever de pronúncia sobre a matéria a que tai questão se reporta" (cf. cit. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 462/2016).

15º

Por facilidade de exposição, a Recorrente irá individualizar as questões de constitucionalidade e de ilegalidade, por violação de lei de valor reforçado, que pretende ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional, por via do presente recurso, demonstrando, por referência a cada uma delas, o efetivo cumprimento do ónus da suscitação prévia.

I. DA INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA CONTIDA NO ARTIGO 228.º DA LEI N.º 83-C/2013, DE 31 DE DEZEMBRO, QUE CRIA O REGIME JURÍDICO DA CESE E, EM CONSEQUÊNCIA, DA INTEGRALIDADE DAS NORMAS QUE COMPÕE O REGIME JURÍDICO DA CESE, EM ESPECIAL DAS NORMAS CONTIDAS NO ARTIGO 3.º, N.º 1, ALÍNEAS A), B) E C), N.º 2, N.º 3 E N.º 4, NO ARTIGO 5.º, N.º 1, E NO ARTIGO 12.º DO REGIME JURÍDICO DA CESE, BEM COMO, NO ARTIGO 23.º-A, N.º 1, AL Q), DO CÓDIGO DO IRC, POR VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DA TRIBUTAÇÃO PELO RENDIMENTO REAL, ÍNSITOS NOS ARTIGOS 103.º N.º 1 E 104.º N.º 2, DA CRP:

16º

A Recorrente sustentou, ao longo de todo o processado, que a Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético (CESE) tem a natureza de imposto, porque, em suma, (i) se destina ao financiamento de fins gerais do Estado e (ii) carece da bilateralidade característica das contribuições financeiras, devendo, por isso, o seu regime sujeitar-se ao crivo dos princípios constitucionais norteadores dos impostos (cf. artigos 21.º a 65.º das Alegações de recurso apresentadas perante o STA).

17º

O entendimento da Recorrente foi apresentado ao Tribunal a quo com o apoio de quatro Pareceres jurídicos: um da autoria do Professor Doutor José Gomes Canotilho, um da autoria da Professora Doura Clotilde Celorico Palma, um outro da autoria do Professor Doutor Carlos Lobo e, finalmente, um último da autoria do Professor Doutor José Casalta Nabais.

18º

Posto o que antecede, e em particular, sustentou a...

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